quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

AO ENTARDECER

Fins de tarde me despertam sensações diversas. Às vezes alegria, às vezes tristeza, às vezes ambas. Poderia ser mais um fim de tarde qualquer, não fosse o inesperado da situação. Surpresa. Estupefação. Momentos inesperados são sempre os melhores, ser pego de surpresa por algo que, embora desejado, não era planejado.

É verão ainda, mas o fim de tarde trouxe um vento levemente frio. Gosto de dias assim, ensolarados e frios, embora não tenha enfrentado o minuano rascante desta terra no inverno. Gosto também de entardeceres meio melancólicos que parecem querer me fazer chorar.

O sol foi ficando mais fraco e alaranjado, inundando de dourado a vegetação rasteira, a qual era possível acompanhar pela planície que se fundia no horizonte com um céu profundamente azul salpicado de nuvens. Gosto dos fins de tarde da fronteira como gosto de fronteiras. E o engraçado é que estar na fronteira me leva à fronteira, inváriavel e inexoravelmente. Fins de tarde são limiares, o exato momento em que sentimos alívio e pesar pelo dia que se foi e pela noite que chega, aquele angustiante momento fronteiriço em que não sabemos se é dia ou noite, se está anoitecendo ou amanhecendo, onde as formas ficam difusas e os olhos precisam de certo tempo para se acostumarem à ausência de luz e identificarem novamente quaisquer formas. É como se o tempo parasse naqueles segundos de transição, como se tudo, inclusive eu mesmo, nos fundíssemos em uma coisa só, indefinida, difusa, gigantesca e assustadora. Senti-me por alguns momentos imerso nessas sensações amorfas, nem boas, nem ruins.

Pensava nisso vendo um sol de fogo se por entre nuvens cor violeta, que sobrepunham um céu extremamente azul. De amarelo ouro foi descendo cada vez mais alaranjado atrás da coxilha verde que ia ficando vez mais dourada. E esse dourado foi invadindo tudo em volta, inclusive a mim, até sumir no horizonte, deixando no chão somente um tom azul cobalto levemente mais claro que o azul escuro no qual o céu se transformara. A terra encontrava o céu no horizonte, parecendo um só azul matizado, rajado pelo verde da vegetação rasteira e pelas nuvens róseas e violáceas.

Sentado em um banco localizado em um patamar levemente mais alto que o restante do lugar, que formava uma espécie de mirante, cercado de verde, com o céu e a coxilha à frente e uma igrejinha pequena e belíssima em estilo que lembra o barroco açoriano na retaguarda, bebendo chimarrão (ao melhor estilo destes pagos), perdi meu olhar na imensidão branda e árida do pampa. Somente conseguia ouvir os silêncios, contemplados segundo a segundo, entre um gole e outro. Silêncios e solidão compartilhados amainaram dores e foi inevitável relembrar o passado, repensar o presente e sonhar com o futuro.

Poderei recordar para sempre desse dia: ao entardecer contemplei, do alto de um mirante, meus escombros. Foi um momento raro, mágico, terno. Observei cada nuance que pude com carinho. Sentia apenas um vazio imenso, sem tristeza, apenas ausência de tudo, uma vastidão interior que encontrava outra vastidão. E nessa comunhão de infinitos particulares tentei respirar o mais profundamente que pude, tentei ampliar meus sentidos ao máximo para conseguir absorver a realidade sendo redescoberta naquele momento. E comecei a compreender de outra forma o sentido de existir e os desígnios do universo. E vi que não há como fugir do que ele reserva para mim.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

CALVIN & HOBBES

Talvez essa imagem tenha muito a ver com minha vida atual. Uma espécie de retrato da minha realidade no que chamo de "velho oeste". Calvin e Hobbes são meus personagens prediletos, ao lado de Charlie Brown, Mafalda e Rebordosa. O personagem Calvin teve seu nome inspirado no reformador religioso João Calvino, cuja matriz filosófica vai no sentido de questionar e refletir sobre a maldade e a desconstrução da humanidade do próprio homem. Nos quadrinhos, o interlocutor do personagem Calvin, Hobbes, um tigre de pelúcia que nas aventuras de Calvin ganha vida e torna-se seu fiel companheiro,  como não poderia ser diferente é uma referência direta ao filósofo inglês Thomas Hobbes. Não obstante, Hobbes tinha uma máxima que dizia: “o homem é o lobo do homem”, indicando que todos os homens tendem a, obscuramente, destruir outros homens.

Ando meio Calvin: Inquieto, desconfortável com algumas coisas, mas principalmente em constantes fugas da realidade dura e áspera deste mundo onde vivo por uma realidade mais branda e doce. Não, não sou esquizofrênico. Minhas fugas são conscientes e, como de praxe, tenho os pés bem fincados no chão.

É fabuloso poder ter um intelocutor, um “amigo Hobbes” de pelúcia personificado. Tenho muitos "Hobbeses". Alguns reais, outros nem tanto (inclusive este blog). Alguns são os meus eleitos, são meus queridos. Com eles brigo por sanduíches de atum e pela bola de futebol (e assim como Calvin sempre perco). É através deles que consigo encontrar “um lugar para ter razão”, como canta Nei Lisboa. Com eles e por eles me torno um ser humano melhor. Influenciado e afetado pelos sofrimentos do mundo, mas modificado pelo amor que encontro neles.

O que acho mais fascinante nessas tiras é o quanto eles conseguem falar das cruezas e feiúras da vida de forma doce e leve. Acho isso fantástico. Bom se a gente conseguisse sempre transformar a realidade sem distorções, tratando a vida real com leveza e humor. Tenho tentado com meu(s) Hobbes(es) a mesma coisa. Espero que juntos consigamos.

UM CERTO Sir PARSIFAL

Quando penso nos encontros que a vida pode me proporcionar lembro sempre da lenda de Parsifal, “o inocente casto”, e da sua busca pelo Cálice Sagrado. Na mitologia medieval, uma das explicações é que este cálice sagrado, o Santo Graal, teria ficado sob a tutela dos cavaleiros conhecidos como Templários, uma espécie de instituição militar e religiosa que tinha por missão proteger as conquistas das cruzadas e os peregrinos na Terra Santa. Na literatura medieval, a busca pelo cálice representava a tentativa do cavaleiro pela perfeição.

Do ponto de vista místico, a busca pelo Graal representa a busca por uma vida superior, por progresso espiritual. Nas lendas arturianas, com seus cavaleiros da Távola, só é possivel às pessoas de coração puro e isentas de pecado ver e tocar o cálice. O caminho do Graal está unido à idéia de um sacrifício e de uma viagem cheia de perigos para alcançar a iluminação, o renascimento ou a "vida eterna", segundo os cristãos. O início e o final da busca pelo Santo Graal são, por isso mesmo, momentos cruciais, pois é uma busca que não termina. O Graal tem que ser constantemente buscado no coração, na mente e no espírito. Sua revelação final representa aquele ideal de subida aos planos superiores de existência, objetivo máximo de todos os místicos. Ao entrar em comunhão consigo mesmo, se descobre não uma melancolia, mas um parceiro interno, uma relação que se assemelha à alegria de um amor secreto.

Existem outras histórias, que relacionam o cálice ao útero, sendo a representação do feminino e do vazio que engloba tudo, ao passo que a espada do cavaleiro representa a força masculina. Mas a idéia da busca pela perfeição e pelo autoconhecimento me agradam sobremaneira. Mesmo que autoconhecimento seja um mito contemporâneo, uma quase lenda urbana com matrizes socráticas. Mas isso é outro assunto. Obstinadamente busco em todas as esquinas e becos da vida o tal “cálice”. Busco dentro e fora de mim, como numa caçada insana pelo tesouro perdido.

Acho que somos todos meio Parsifal, meio cavaleiros medievais, enfrentando cruzadas inimagináveis em nome de um ideal e obsessivamente buscando a perfeição, buscando saciar um desejo em um objeto quase sagrado. Mesmo os mais céticos e cisudos buscam, mesmo que secretamente, aquele friozinho na barriga, aquele suor nas mãos, a palpitação, pupilas e papilas dilatadas e pernas trêmulas.

Admitam: todos gostam de um cafuné, de um cheiro no pescoço, do conforto do aconchego, de sentir aquela sensação estranha e deliciosa no plexo solar, aquele “frio na boca do estômago”. Eu adoro. Vivo disso, me alimento dessas sensações, tento reproduzi-las sempre que posso. Assumo que sou obsecado. Sou um Parsifal neurastênico, um Templário obsessivo e transtornado. Mas não tem coisa melhor na vida que ficar na cama o dia todo num domingo chuvoso, de pijama, cabelo em desalinho e cara amassada, com um chameguinho sem pressa, despreocupado, despretencioso. Ou aquele carinho terno, aquele amor brando e breve no fim da tarde, de permas pro ar sobre o tapete da sala, após um cansativo dia de trabalho. Aquele momento breve como um suspiro, que dura somente até o sol se por e a vida voltar ao (a)normal. Aquele encontro mágico e inesperado, quando não estamos devidamente vestidos, devidamente perfumados, devidamente preparados, porque, embora busquemos ávidamente, nunca estamos preparados para o amor.

Como um caveleiro do Rei Arthur, trato de manter meu reino, defendo com todas as forças minha ordem, fiel escudeiro que sou. Enfrento o que for preciso em nome do que acredito, mesmo aderindo a batalhas difíceis de vencer. Sou meio Lancelot, que mesmo sabendo que minha Rainha Guinevere é inviável eu tento, arrisco meu pescoço em nome do que sinto. Apesar de correr o risco de ser expulso, levo a cabo o que sinto. E exilado não me arrependo. Ainda que com minha lança sem fio, minha armadura enferrujada, cansado de tudo, enquanto eu acreditar em minhas próprias causas, luto.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

QUARTA-FEIRA GORDA

Era uma quarta-feira cinzenta. E de cinzas também. Muito embora naquele lugar onde estava, distante de tudo com o que se identificava, ninguém soubesse o que significavam aqueles dias que culminavam com a “quarta-feira de cinzas”. Em todo caso, amargava a quarta-feira como se de cinzas realmente fosse. E sem fantasias. Sentado na cafeteria de sempre, lendo pela segunda vez o mesmo livro, bebendo um expresso bem forte sem açúcar (sobre o qual dizia, em tom ácido e melancólico: “café tem que ser amargo, de doce basta a vida”), via a cidade fluir lenta pela janela da cafeteria. Tudo tinha um tom arrastado, preguiçoso, indolente. Ressaca do dia anterior, quando festejava-se a carne, antes da penitência cristã que começava. Não havia reverenciado a carne em festejos pagãos, mas sentia o peso da penitência e da culpa cristã sobre seus ombros.

Engraçado como a vida é, pensava, comemora-se da forma mais pagã sabe-se-lá-o-que num dia para no dia seguinte, iniciáticos, todos rumarem solenes à purificação. Em todo caso, não havia comemorado nada no dia anterior.

Havia desembarcado naquela terra com a mesma impressão que talvez teria a Família Real portuguesa desembarcando em terras inóspitas do Novo Mundo: estranhamento e espanto, arrastando arcas com seus tesouros e instalando suas vidas de desterrados num novo lugar. Mas seu caminho era o oposto, não estava desbravando um novo mundo – ou talvez estivesse, mesmo sem ter a exata consciência de suas conquistas. Estava sim redescobrindo a si mesmo ou fugindo de fantasmas imaginários. Misteriosamente quixotesco, miticamente socrático e desnecessariamente hercúleo.

Ainda olhando com olhar de estrangeiro (forasteiro de tudo o que via e ouvia) observava através da janela como se estivesse em uma redoma, pretegido do vento que soprava frio e balançava as copas das árvores da praça em frente. O ambiente era preenchido pelo aroma quente e aconchegante do café que bebia lenta e cerimoniosamente. Sentia um gosto amargo no fim de cada gole. Não dos excessos cometidos em nome do que julgava certo sucumbir ou do que não conseguia resistir. Tampouco da culpa institucional da quaresma que se iniciava. Era o gosto da vida que sentia indigesta e tóxica em seus poros. Não sentia, porém, qualquer desconforto agudo inabitual. Era a mesma dor fina e funda que o fazia ver com brandura e serenidade a vida passar lá fora, prostrado e conformado.

Seu olhar e seus pensamentos, perdidos entre o céu cinza e as copas das árvores, esbarraram num vulto suave, dourado e triste. Via refletido no espelho da grande janela, em primeiro plano, seu próprio semblante, prateado e sulcado pelo cansaço, e em segundo plano aquele vulto desconhecido e ao mesmo tempo familiar, de cabelos desalinhados, extremanente finos e prateados como os seus (sinal que o tempo foi realmente implacável com ambos).

Quando os olhares escuros e sem brilho de ambos cruzaram-se, a cena, de sépia que parecia, adquiriu magicamente cores mais vibrantes. Esse movimento durou poucos segundos, ou o tempo de três ou quatro passos, tempo necessário para passar pela fachada do antigo prédio de esquina.

Desviou o olhar para perde-lo nos contornos da pequena e bem esculpida mesa de ébano, sentado na mesma posição, segurando a xícara de café com mão direita, enquanto tentava em vão aquecer a esquerda no bolso do casaco, ele pensou, quase reconfortado, que as coisas ficariam bem, fosse o que fosse. E um vento gelado soprou da porta que se abria. O vulto dourado e prateado entrou lentamente, entre as golfadas geladas que faziam tilintar os adornos indianos e tibetanos espalhados pela cafeteria. Um aroma de alfazema e umidade misturou-se ao do café. Instintivamente seus olhos procuraram identificar e desvelar as formas que entravam. Via detalhes em close-up: o momento em que puxou a gola do longo casaco verde musgo de lã de alpaca, com grandes botões metálicos, que lhe conferia um ar nobre, composto também - agora conseguia ver sob a luz das lanternas orientais - por um nariz longo, fino e bem desenhado, pelos traços definidos e delicados e pelos olhos amendoados e tristes. Analisou detidamente cada detalhe, cerimonioso como bebia seu café. Seus olhares cruzaram-se mais detidamente. Não conseguiu ver como eram as mãos, sua mais secreta obsessão depois dos olhos, porque ambas estavam cobertas por distintas luvas de pelica, mas quase conseguiu sentir o roçar da pele ressecada contra a gola do casaco.

A porta fechou-se. O vulto agora dourado, prateado e verde musgo caminhou pelo longo salão. O som que ouvia mais nitidamente, apesar dos barulhos das conversas, xícaras tilintando e do sax de Chet Baker ao fundo, era o dos brilhantes sapatos de bicos finos que estalavam contra o assoalho de taboão envelhecido.

Não acompanhou com o olhar o movimento que se desenrolava. Fechou os olhos, ouviu os passos, sentiu o cheiro de alfazema (provavelmente dos incensos) e imaginou a cena, frame a frame, reconstituindo, de olhos fechados, o trajeto da porta até o balcão de carvalho ao fundo. Provavelmente o caminho foi percorrido com ar altivo e passos firmes, deve ter desabotoado o casaco, abrindo-o com sobriedade, tirado as luvas, desnudando mãos absolutamente brancas e finas, de dedos longos e unhas bem feitas. Colocou as luvas no bolso do casaco? Desenrolou o cachecol do pescoço, mostrando-o frágil e longo? Provavelmente retirou da testa os ralos e desalinhados cabelos prateados com ajuda das mãos, sentou-se no mocho alto do balcão, acomodando-se como pode com o longo casaco. Talvez tenha flexionado uma perna no banco e apoiado a outra no chão, mostrando a calça de alfaiataria risca de giz bem cortada e os sapatos impecavelmente lustrados. Provavelmente pediu um café para se aquecer, apoiando um dos braços no balcão, enquanto segurava com a outra o cachecol sobre a perna. Imaginando assim, em plano aberto, a cena composta pelo gracioso ser de pescoço longo, ar altivo, prateado, longilíneo e obscuro repousado no balcão, lembrava nitidamente uma obra de Modigliani.

Congela a imagem "modiglianesca" na memória. Abre os olhos e retoma a realidade. Pensa sobre o que acabara de fazer. Relembra de algumas de suas “terças-feiras gordas”, “quartas-feiras de cinzas” e muitas quaresmas. Sorri de canto. Volta-se para seu café muito amargo e para seu livro muito doce. Reler um livro é como revisitar o baú de lembranças e mimos do passado. Sempre se redescobre algo propositalmente esquecido.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

COM OS PÉS NO CHÃO E A CABEÇA NAS NUVENS

Tenho pensado muito, nesses últimos dias, no que uma das pessoas amigas que mais me conhece na vida me disse no fim de semana passado, entre umas cervejas, uns cigarros e uns petiscos, num boteco incerto de uma noite quente às vésperas do carnaval que tanto fugi. Não nos víamos a algum tempo e estávamos eufóricos com o reecontro. Coisas de amigos. Tínhamos várias urgências. De contar as novidades, de saber das novidades, de matar a saudade com foice, apagarmos ausências e diminuirmos distâncias. Conseguimos um pouco. O tempo que temos nunca é suficiente, mesmo que seja uma vida toda.

Entre um gole e outro, eu contava das minhas (des)ilusões, dos meus planos, das minhas impressões sobre a vida atual. Falava, principalmente, dos meus sonhos. Sou cético e tenho os pés no chão, que tenho consciência da realidade que me cerca, das possibilidades e impossibilidades, mas que sonho também. Ela disse que vivo com os pés no chão, mas tenho a cabeça nas nuvens. E faz sentido. Eu preciso sonhar, preciso das ilusões macias e conscientemente controladas para deixar a vida mais branda. Ser realista demais às vezes dói. É como caminhar com sapato sem palmilha. Eu preciso de palmilhas anatômicas, macias e resistentes para não sentir que o caminho pedregosos é tão áspero, para pensar que a caminhada é mais serena. Com essas palmilhas tiro o foco das pedras do caminho e consigo ver o que mais há em torno. Que é real também. E pode ser muito mais bonito. Por que temos que guardar esse sentimento cristão de penitência, de dor, de sofrimento? Por que temos que viver sofrendo? Sei, sofrer é parte do processo. Mas ser feliz também pode fazer.

Penso meio neuroticamente sobre essas realidades todas ou essas irrealidades que me cercam. Sempre tentei me afastar das ilusões e viver o mais próximo possível do real. Vejo que o limite entre eles é tão tênue. E tendo sempre a me boicotar, principalmente quando algo bom acontece. Me inclino a achar que se não for sofrido não é real, se não tiver um drama não sou eu. Tá bom, sou um drama boy. Mas estou tentando me lapidar.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

LIE TO ME, BUT TELL ME BEAUTIFUL THINGS


Em uma conversa descontraída dia desses eu disse, em tom de piada, que prefiro que mintam para mim, mas me digam coisas bonitas. Alguns até aderiram ao movimento que surgiu. Depois fiquei pensando sobre o assunto. Vejo que muitas relações se fundam no princípio de mentiras consentidas. Um finge que não faz, o outro finge que não sabe e vice-versa. Assim todos vivem bem. Vejo, porém, que em algumas situações pode até funcionar. Mentiras consentidas são bem vindas às vezes para manter a relação em pé. Pode até ser hipócrita, mas quem sou eu para julgar?

Viver com alguém é ter que tolerar, ser paciente, engolir sapos. Por isso minha vida afetiva às vezes é catastrófica. Sou pragmático e iluminista, hedonista e romântico. Osso duro, realmente. Sei que sou paradoxal. Sei que devemos ser tolerantes, pacientes e tudo e tal. Mas tem limite. Chega uma hora que preciso falar, não consigo ficar calado. Maldita boca! Por isso sou chatíssimo, sempre querendo discutir a relação, sempre querendo dizer o que penso.

Mas o assunto que deu início a este devaneio ia no sentido daquelas mentirinhas e joguinhos de casais, baseados nas máximas “quem não faz, leva” e “minta para mim, mas me diga coisas bonitas”. Sinceramente, prefiro não “fazer” e não “levar”. Quando “fiz”, nem sei se “levei”. Nunca quis saber. Claro que não queria “levar”. Quando “levei”, nem sempre “fiz” para revidar. Não tenho por princípio prejudicar quem quer que seja. Não somente por valores religiosos ou morais, mas por princípios éticos, mesmo que em pensamento já tenha realizado chacinas com requintes de crueldade. Não sou santo. Já prejudiquei querendo prejudicar, confesso. Da mesma forma, já menti para não piorar as coisas. Algumas coisinhas bobas, como me atrasar a um compromisso importante, não ceder e fazer um programa que a outra pessoa queria, esses boicotes bestas. Outras foram omissões mais pesadas, que não valem a pena lembrar. Não acredito que um relacionamento seja tranqüilo quando todas as pessoas dizem absolutamente tudo que pensam, fazem e sentem. Existem coisas que foram feitas para serem guardadas. Coisas nem sempre feias, nem sempre erradas, nem sempre escusas. Pequenas omissões. Eu chamo isso de privacidade. Nem sempre quero saber tudo do outro. Assim como nem sempre quero contar tudo. Algumas coisas destruiriam o ideal romântico que construí em torno do meu objeto de desejo. Algo de ideal deve resistir à intimidade e ao cotidiano. Uma amiga diz que “meias verdades são mentiras inteiras”. Faz sentido, principalmente na realidade dela, e até concordo com isso, mas não é universal. Acho que não funciona com todo mundo.

Fazendo uma retrospectiva das minhas aventuras amorosas, vejo que sempre existiu um fantasminha por perto. Essas alfinetadas, esses boicotes, essas negativas, essas vingancinhas, a tudo isso chamo de INSEGURANÇA. Quando a gente pensa que “quem não faz, leva”, estamos agindo do alto da nossa baixa auto-estima. Duvidamos de nossas próprias capacidades de seduzir e das capacidades do outro deixar-se seduzir por nós. É tão bom quando podemos tirar a armadura e deixar de agir como se estivéssemos numa cruzada cristã contra pagãos. Deixar de ver o outro como ameaça, como opositor, como algoz, como alguém que, em última instância, pode (e quer) nos ferir.

Por medo de perder, agimos com sentimento de posse, como se quando ouvíssemos um “sim” para nosso pedido tivéssemos assinado o termo de propriedade sobre a outra pessoa. Esse sentimento de posse nos inferioriza. Disso decorrem impulsos violentos às vezes. Compensamos com pequenas ou grandes vingancinhas, pequenos ou grandes boicotes, para sermos notados, para medirmos forças e conseguirmos ter a sensação que temos algum poder de barganha ou alguma força sobre o outro. Deixamos de comprar o vinho predileto, não vamos ao cinema na hora marcada, não aceitamos o convite para um jantar romântico no restaurante mais bacana da cidade, nos negamos a ir ao show da banda predileta. Até chegarmos ao ponto de consumirmos todos os recursos da relação com pequenezas sem fim. O que tinha tudo para ser tão bonito, torna-se um amontoado de mágoas, ressentimentos e mesquinharias.

Quando se trata de traição as cores ficam ainda mais fortes e o drama ainda mais pesado. Poucas coisas mexem tanto com meus brios de macho alfa. Se for por atração física, me sinto péssimo porque não sou atraente. Se for por envolvimento emocional, me sinto pior, porque não desperto mais desejo. Ser traído é perceber que não temos qualquer controle ou poder sobre o outro. É saber, também, que não somos mais tão importantes assim em sua vida.

Tenho consciência que quero me proteger da realidade na ilusão quentinha e segura do amor, longe da aspereza fria da vida real. COVARDIA é o nome desse sentimento. Talvez seja a única forma que encontrei de sobreviver. Não vejo mal nenhum em querer fugir, desde que seja com os pés no chão, claro. Mal há em realmente fugir. Não, não fujo. Não me escondo. Sou de enfrentar de frente o que vier. Embora doa fundo saber que não sou mais amado, principalmente se ainda amo, prefiro saber onde errei. Mas não quero saber do novo objeto de amor do meu objeto de amor. Porque isso tudo dói. É um enfrentamento desnecessário. Já tenho meus escombros para reconstruir. Já tenho que ver onde errei na construção dos alicerces, das vigas, na qualidade dos materiais empregados na construção. 

A vida vem dar na cara da gente com a chibata da realidade e é melhor, mais digno, maduro e honesto encarar de frente. Se tenho que meter a cara, vou com tudo, mas se sei que vai machucar, protelo o quanto der. No fundo, no fundo, o que queremos é a irrealidade. Queremos sonho. Como diria Clarice: “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”

ALLA CUCINA

Dizem que nossa memória mais intensa é a olfativa. Minha memória olfativa é dos cheiros da minha infância: O cheirinho do pão da minha avó, aquecido na chapa do fogão à lenha na pequena cozinha da humilde casa onde viviam duas das pessoas que mais amo na vida. Aquele cheiro de manteiga caseira era delicioso e quando recordo imediatamente me vem à boca o sabor que aquela tempo tinha. Lembro com saudades do cheiro da comida da minha avó e da mãe, que são cozinheiras espetaculares.

Minha mãe é uma midas da culinária. De pouco mais que nada ela prepara pratos de deixar os paladares mais apurados estupefatos. Ela avisa de longe que está por perto através do cheiro do que prepara. É cheiro de lar, de aconchego, de carinho. Ela tem outros diversos dons. Realmente ela é boa em tudo o que faz, não estou exagerando. E na cozinha ela é imbatível. Provavelmente porque cozinha com um prazer invejável. O carinho que imprime em alimentar quem é importante para ela (e até mesmo as visitas indesejadas dos fins de semana) é o ingrediente mais importante.

A cozinha é minha parte preferida da casa. Nos saudosos e intermináveis almoços de domingo na casa dos meus pais, fartamente servidos, depois de nos esbaldarmos com as delícias preparadas pela mãe, o que mais adoro é ficar sentado à mesa, conversando fiado com todo mundo despreocupadamente, até vasculhar o que a geladeira guarda para a sobremesa, para depois mergulhar lânguido no sofá da sala.

Penso que herdei o gosto em transformar ingredientes diversos em carinhos. Sei que não tenho o mesmo dom, mas o prazer em afagar com alimentos os que me são caros sim. E vou contar um segredo: não sou lá essas coisas na cozinha, mas sou metido, como em quase tudo que faço. Mas faço com gosto e adoro conquistar as pessoas pelo paladar. Em empenho nos detalhes, nos cheiros, nos sabores, nas cores, nas texturas, no equilíbrio de tudo que envolve a apresentação.

Prazer. Não somente para cozinhar, mas para tudo na vida. Esse é o segredo. Se quisermos que algo dê certo, temos que fazer com gosto, colocar em tudo o que temos de melhor. Como na poesia do Pessoa: “Para ser grande, Sê inteiro / Põe o quanto és no mínimo que fazes”.

Os relacionamentos que temos ao longo da vida, sejam quais forem, são mais ou menos assim. A gente tenta equilibrar sentimentos para obtermos uma relação que encha os olhos, com todos os cheiros, cores e sabores do amor. Mas para isso é preciso certo dom e muito treinamento também. Sou meio desmedido, tanto na cozinha com nos meus relacionamentos. Exagero no sal, no ciúme, na pimenta, na possessividade, no açúcar, nas exigências infundadas. Talvez devesse pegar com minha mãe umas dicas de como equilibrar os temperos da vida.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

VIDA DE SOLTEIRO: SOZINHO SIM, SOLITÁRIO NÃO

Às vezez ouço o que pensam e sentem pessoas que, assim como eu, vivem sozinhas. Na maioria são lamentos ou queixas. Falta da família, do namorado, dos amigos, da cama, do travesseiro, do cachorro. Entendo perfeitamente porque sinto na pele essas ausências todas. Ficar longe das pessoas que amamos é mesmo difícil.

Tento ver que, pelo menos em mim, essa incompletude é constitutiva. Sempre me faltará um pedaço. Quando tenho a ilusão de estar completo fico meio dormente e a sensação de ser incompleto some. Acho que é até bem normal, porque sou um hedonista clássico. Lido bem com essa incompletude, na maior parte do tempo. Ou pelo menos repito isso constantemente, até me convencer de que realmente é assim. Nos fins de tarde cinzentos desta cidade de ruas largas e calçamento desgastado, quando o sol vai ficando morno em tons de laranja através das copas das inúmeras árvores, de vez enquando baqueio, gauche na vida que sou. A boa e velha melancholisch fin de siécle, finalista e fatalista.

Se sinto falta de ter com quem pensar em voz alta, substituo por papel e caneta. Se sinto falta de sentar num boteco, tomar um chopp e divagar sobre a vida (dos outros), divago sobre a minha própria com um café e um livro. Se sinto falta de ter com rir de piadas infames, substituo pelos seriados da Sony. Se sinto falta do carinho dos meus pais e de alguns poucos e bons amigos (estes sim insubstituíveis), tentamos diminuir distâncias com pontes tecnológicas virtuais. Unguentos hi-tech.

Viver só tem algumas vantagens e infinitas desvantagens também. Mobílio a casa e ninguém se mete na minha decoração, mas não tenho a quem pedir opinião ou balisar minhas insanidades decorativas; não preciso dividir meus momentos “alone”, mas não tenho com quem dividir minha solidão; escolho o lado da cama (e durmo em ambos), mas não tenho aquele aconchego de dormir de conchinha de madrugada; fico horas no supermercado lendo nas embalagens a composição de todos os produtos e levo para casa o que me der vontade, mas não tenho aqueles dramas deliciosos como escolher queijo mussarela ou ricota ou discutir o que vamos ter para o jantar; durmo a hora que quero e acordo a hora que bem entender, mas perco a disciplina; cozinho o que agrada ao meu paladar, mas não tenho ninguém para elogiar (sim, narcisista, sim, adoro que elogiem o que cozinho); assisto o filme que desejar e não tenho com quem comentar, no final ou durante, o que vi. Sem contar que o pacote de pipoca é sempre muito grande somente para mim.

Comida é algo complicado para quem vive sozinho. Dificilmente existem no mercado pacotes de coisas em quantidades menores. Adoro cozinhar, mas opto por fast food para evitar desperdícios. Gosto de receber amigos em casa e cozinhar para eles. Mas não tenho problemas em cozinhar somente para mim. Cozinha é uma terapia, o fogão é meu divã. Só que falta espaço no freezer para os potes com o que sobrou. Ou sobram pacotes com metade do conteúdo na geladeira. Amigos: dois dos itens de sobrevivência indispensáveis a quem vive sozinho (e cozinha em casa) são potes de plástico que vão ao freezer e ao microondas e sacos com fecho, substituídos, sem tanto glamour, por prendedores de varal. Viver sozinho é ter que guardar as sobras nos armários, na geladeira, no peito.

Presenciei dramas dignos das tragédias gregas de pessoas com quem cruzei pelas esquinas da vida. Certo, cada um tem uma forma de reagir às adversidades. Creio que eu tenha lá um jeito mais comedido de lidar com a solidão. Não sou tão comedido quando se trata da falta de um encanador, um eletrecista ou uma faxineira, porém. A falta deles sim dói...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

SABER A HORA DE MUDAR DE RUMO

“Foi
Fica um gole de mim no café que restou
Mais amargo que frio, tens razão
...
Onde o meu coração desandou a bater
E onde a minha ilusão se desfez
...
Tua fria mudez me chamou à razão
Na dureza da luz me joguei”
                                        

(Adriana Maciel, Fórmica Blue)


O mais triste e sintomático do fim de uma relação é a perda da intimidade. Me pergunto como pode alguém que conheceu o mais íntimo, o mais profundo do pior de mim e ainda assim permaneceu, que disse, com olhos molhados e brilhantes que me amava, virar um completo estranho. É como quando a gente dança e se desconcentra ou desvia a atenção, quando falseia o passo. É a perda do jeito.


Quando termina, fica a saudade, o gole amargo do fim. Pode ficar mágoa e ressentimento também. Só que mágoa e ressentimento é ainda são formas de saudade do que perdemos. É sentir uma fisgada no membro amputado. Bem Chico. Metade cindida, perdida no caminho. Foi, mas ainda dói. Paradoxalmente, mais sofrido que a dor excruciante da perda da metade é ver que a dor está passando, a ferida parou de sangrar, a cicatriz está ficando cada vez mais imperceptível. Nesse momento surge uma dorzinha funda, mansa, contemplativa. Ver que a vida continuou. Dói saber que aqueles olhos brilhantes que faziam juras e iluminavam a escuridão da vida da gente agora podem iluminar outros caminhos. Mas dói também saber que o coração da gente parou de bater acelerado, as mãos não mais suam frias, as pernas não ficam mais trêmulas, não existem mais planos para o futuro, viagens, morar juntos, comprar um cão, redecorar a casa, decidir o jantar. Dói sentir que viver sozinho pode ser bom e é um bom caminho, afinal.


Acho que sofro mais quando percebo que eu não amo mais que quando percebo que não sou mais amado. Porque me dilacero fácil por amor e me reconstruo da mesma forma. Quem não quis um dia ser como aqueles andróides do filme O Exterminador do Futuro? Estraçalhados com uma bazuca, se liquidificam e se reconstróem dos escombros. Indestrutíveis. Não, não sou indestrutível. Mas adoraria. E tirando aquela cena em que o Exterminador diz no balcão do bar “fale com esta mão”, não admiro em nada a obra.


Chega uma hora que a gente começa a ver tudo com um certo estranhamento. Um olhar de estrangeiro. Tenho percebido em mim esse olhar de estrangeiro para praticamente tudo ultimamente. Até quando lanço um olhar sobre mim mesmo. Caminhando pelas ruas largas e arborizadas desta cidade, de paralelepípedos desgastados, com casario de porta na calçada e povo brejeiro, tenho pensado nessa estranheza e distanciamento. Como pode aquele serzinho que encaixava tão bem na gente na hora de dormir de conchinha ter se tornado o pior dos travesseiros de hotel vagabundo. Impossível ter uma boa noite de sono.


Não sei se tenho problemas ou sou tão bem resolvido que consigo superar todas as pedreiras da vida uma hora ou outra. O fato é que quando me desligo emocionalmente é definitivo. Não consigo mais ser como antes. Posso até continuar sendo companheiro, consigo viver ainda ao lado de quem amo, mas o amor nunca é o mesmo. Quando acaba definitivamente, porém, eu tendo a seguir meu rumo. “I want to be Alone”. Bem Greta Garbo em Grand Hotel. E raríssimas vezes me demovi da ideia de continuar em frente quando vejo que não há nada que valha a pena. Inteiro entro, inteiro saio. Se continuo tentando é porque ainda não mudei o rumo da embarcação.

UMA DOR


Os olhos dele eram profundos e escuros como poços. Abismos negros cercados de olheiras e vincos do tempo e dos desastres cotidianos. Marcas que conseguia ver com nitidez impressionante todas as manhãs, quando, pavloviano, emergia da cama ao som do despertador e cambaleante rumava ao minúsculo banheiro, do quarto não menos, alugado num subúrbio, pago com o suor de seus dias em um emprego medíocre.

Enquanto observava seus abismos abissais no espelho, distanciado como se fosse outra pessoa, lembrava daquela voz doce, suave e levemente rouca que certa vez lhe disse o que seus olhos eram. Daquele momento em diante, lembra, começou a ver o quanto seus olhos eram realmente soturnos. Ouvira que seu olhar às vezes pousava no infinito, e “clic”, desligava-se da realidade, pairando sobre o nada. Essa cisão com o que chamavam de “realidade presente”, foi traduzida assim: uma dor. Uma dor que trazia no peito como uma bagagem que não conseguiria jamais abandonar.

E era realmente em uma dor que pensava. Não sentia essa dor no momento em que pensava, mas olhava para dentro de si, para o passado, para lembrar das dores vividas, como sobreviventes de campos de concentração olham para suas cicatrizes para lembrar do holocausto. Não sentia essa dor, principalmente quando na companhia daquele que observara seu olhar distante, porque despira-se de seu passado e estava de peito aberto para o que fosse. Mas precisava lembrar, com se estivesse parado em frente a um monumento que lembrava os mortos da guerra, como se observasse Guernica em todos os detalhes. Precisava rememorar aqueles escombros acumulados até aquele exato momento. Que fosse para suspirar aliviado e ver que sobreviveu.

Não lembrava de suas dores com mágoa ou qualquer outro sofrimento. Era apenas uma reminiscência daquelas dores sentidas. Era uma lembrança quase terna de tudo o que foi e uma retomada do que conseguira tornar-se até estar ali, pousado sobre aqueles braços amorosos no leito secreto de ambos, um barco à deriva num mar revolto que magicamente tentavam acalmar com seus corações.

Ambos tinham lados obscuros. Identificaram-se por isso, reconheceram-se na multidão. Pensavam aliviados que esse segredo não confessado que deixavam, em silêncio e aos poucos, ser desvelado ou roubado pelo outro seria redentor. Uma ponte construída sobre angústias, medos e sonhos singelos como passearem de mãos dadas sob o sol.

Deitados lado a lado, vendo as ranhuras e amarelados do teto do minúsculo quarto de subúrbio, iluminados pelo pôr-do-sol que entrava pela janela, entre os musgos dos telhados de terracota que emolduravam em primeiro plano a janela, exaustos de suas certezas passadas e ansiosos por um futuro incerto, entrelaçavam com força as mãos, suspiravam profundamente três vezes para expelir seus vapores interiores na atmosfera, fechavam os olhos e lançavam-se na direção que seus corações mandavam.