tag:blogger.com,1999:blog-11792992255171731922024-03-13T15:30:02.236-03:00Última SinapseEspaço para divagações, confissões, pensamentos fragmentados e tudo o que o coração mandar.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.comBlogger96125tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-65271801126698148672014-03-24T16:41:00.000-03:002014-03-24T16:41:23.217-03:00O QUE NÃO TEM NOME, NEM NUNCA TERÁ <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtLSxPXSkfNOwcI1pQ7H4l4McnOFlGqqRX65jsoxFphXiRBD_nlrNy2lhyOFgUm305PXEgX8R64_lMbCbSS_ZHTNlCPRxdfhKnSNn52GJf1D-7iaXfoK_bXabsXPSlfyoP-qD_7Qfdgc80/s1600/Georgiy+Alexandrov.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtLSxPXSkfNOwcI1pQ7H4l4McnOFlGqqRX65jsoxFphXiRBD_nlrNy2lhyOFgUm305PXEgX8R64_lMbCbSS_ZHTNlCPRxdfhKnSNn52GJf1D-7iaXfoK_bXabsXPSlfyoP-qD_7Qfdgc80/s1600/Georgiy+Alexandrov.jpg" height="640" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Fotografia de Georgiy Alexandrov</span></b></div>
<div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>“O que será que me dá<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Que me bole por dentro, será que me dá<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Que brota à flor da pele, será que me dá<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>E que me sobe às faces e me faz corar<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>E que me salta aos olhos a me atraiçoar<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>E que me aperta o peito e me faz confessar<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>O que não tem mais jeito de dissimular”<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>– “O Que Será (À Flor da Pele)” - Chico Buarque -</i><br />
<span style="font-size: 5.5pt;"><br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--></span><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Sabe
o que é mágoa? Sim, isso mesmo que você ouviu, você sabe definir o que é mágoa?
Você já sentiu isso? Essa coisa tão funda, mas tão funda, que parece que você
pode segurá-la com os dedos indicador e polegar em forma de pinça? Não, não
estou perguntando só para que você me dê explicações científicas ou me
apresente suas construções intelectuais sobre o conceito ou sobre a etimologia
da palavra. Quero saber se você pode definir para mim um sentimento como sendo
isso, “Má-go-a”. Como se você fosse cego e explicasse como reconhece a cor
vermelha. Ou me descrevesse o gosto de uma fruta madura apanhada do pé. Ou
ainda, onde mora o amor. Lembra? Daquele filme que assistimos juntos uma vez.
Traduza o que é mágoa para você. Traduza-se. Traduza-me. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Por
que eu quero saber? Porque preciso urgentemente definir o que eu estou sentindo
agora. Isso não pode esperar até amanhã. Por quê? Porque quando amanhecer,
talvez seja tarde. Talvez a dor passe para sempre, talvez ela mude de lugar e
eu nunca mais consiga reencontrá-la, talvez eu aprenda a conviver com ela até
quase não perceber que ela come aos poucos minha alma, como a águia comia o
fígado de Prometeu acorrentado ao Cáucaso. E não quero isso. Sei que é tarde e
que você já estava dormindo, ainda lembro-me dos seus horários e sei que você
precisa de oito horas ininterruptas de sono e acordar antes do sol nascer para
fazer yoga e meditar. Eu dormia até mais tarde e acordava a tempo de passar
café bem forte para mim e esquentar seu pão integral de duzentos e oitenta
grãos, antes do seu último <i>ásana</i> do
Yoga Sutra. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Certo,
desculpe-me, serei mais objetivo. Só procurei você porque a melhor forma de
definir isso que sinto agora é sabendo o que você sente e o que pensa. Eu me defino
e delimito quem sou a partir dos limites do que é você. Não quero ser como
você. Deixe de ser soberbo. Quero me diferenciar de você. Não, não estou
menosprezando você. Não é despeito. Talvez seja mágoa. E é por isso que
procurei você. Apenas quero descobrir o que eu sou e o que sinto, quero descobrir
se sou algo que é o extrato, o sumo, que resultou do que eu era antes de você e
da fusão que fui com você ou se sou qualquer coisa como o bagaço que sobrou do
que éramos. Entende? Antes de conhecer você, eu sabia quem eu era. Agora só me
restaram dúvidas e ausências. Não tem importância. Apenas queria que você
respondesse a esta pergunta simples. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O
motivo de perguntar isso agora é que algo está crescendo no meu peito. Sim,
tentei fazer os exercícios respiratórios que você me ensinou para controlar a
ansiedade. E não bebi café depois das dez da noite. Bebi aquele chá de flores que
você me trouxe daquela viagem. Para onde você foi mesmo? Não adiantou. Não estou
ansioso ou tenso, apenas quero saber o que é isso que cresce aqui dentro. E
acho que foi provocado, de certa forma, por você. E suspeito que o que sinto é
mágoa. Então, por favor, ajude-me, e diga o que é esse sentimento negro e
amargo que tenho. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Não,
não quero culpar você por nada. Nem quero encontrar outro culpado. Não há
culpados. Sentir isso tudo agora sempre foi um risco ao qual me propus. Eu
sempre assumi os riscos de estar ao seu lado. A responsabilidade é minha. Não,
você está entendendo errado. Não estou querendo dizer que nunca precisei de
você para nada e que sou capaz de suportar tudo sozinho, embora eu ache que
isso é verdade. O que sinto agora é o resultado previsível (talvez já previsto)
desse processo de permitir que você entrasse no meu mundo e não me deixasse
entrar no seu. Suspeito que seu mundo tenha coisas interessantes. Não conheci
essas coisas porque você fechou todas as portas para mim. Mas você também desconhece
essas coisas porque nem mesmo você entrou em algumas salas. E sinto uma
profunda compaixão por você. Queria conhecer você tanto quanto queria que você
se conhecesse. Além disso, o que importava para mim era o meu próprio exercício
de permitir que você chegasse de mãos vazias e saísse com as mãos cheias,
deixando-me com as mãos vazias. Vazias de você e vazias de mim. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Sei
que posso estar exagerando. Afinal, você mesmo sempre disse que eu sou tão
altivo e autossuficiente. Porque eu sempre fiz questão de parecer independente,
dando a impressão que você não precisaria fazer nada para que eu fosse feliz. E
sinto que minha felicidade nunca dependeu de você fazer algo, mas dependeu de
você estar ali para que eu fizesse algo por você, por mim e por nós, ou pelo
menos para participar do que pudéssemos fazer juntos. Você não estava lá. Um
dia percebi que você não tinha ido embora; você nunca chegou, nunca esteve
comigo. São minhas ilusões, você não tem culpa e não entenderia. Deixa para lá.
Como cantaria Maysa, <i>“se meu mundo caiu,
eu que aprenda a levantar”</i>. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O
que você está comendo? É uma maçã? Estive pensando, coincidentemente, em maçãs.
E em nós. Tivemos uma maçã e deveríamos nos alimentar dela. E deveríamos cuidar
dela. Acho que o que aconteceu com a gente foi como reconhecer que nossa maçã
não podia mais ser comida porque ela foi apodrecendo aos poucos. Percebíamos
que ela estava apodrecendo, mas como ainda acreditávamos nela, cortávamos os
pedaços podres, valorizando as partes ainda sadias, já que não restava outra
alternativa porque não podíamos fazer com que ela se regenerasse. Até que
percebemos que pouco ou quase nada restou de polpa sadia e isso não seria
suficiente para alimentar nós dois. E precisamos jogar o caroço na terra para
que as sementes germinassem e delas nascessem outras maçãs para outras pessoas.
E cada um de nós foi procurar outros pomares. Certo, talvez não encontremos
maçãs tão bonitas, nem tão grandes, sem aquela casca vermelho-vivo lustrosa
onde quase podemos ver nossa imagem refletida, sem aquele cheiro adocicado de
vida. Mas podemos encontrar mais verdade. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Então,
você sabe definir o que é mágoa? Não devolva minhas perguntas com outras
perguntas. Quero que você diga primeiro, por favor. Não vou dizer antes de
você. Esse seu jogo é antigo. Eu sei, você sempre disse isso, sempre disse que
eu tenho respostas para tudo. Eu já conheço seus passos. Eu digo, você concorda
e diz que <i>“é isso mesmo”. </i>Eu dou-me
por satisfeito e assunto encerrado. Em tempos idos, isso era o suficiente para
eu voltar a dormir abraçado em você. Agora quero ouvir o que você realmente
pensa. Vamos lá, diga!<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Então,
doutora, nesse momento tomei consciência de onde estava. Consigo sentir até
agora seu hálito de maçã e gengibre, quando abriu a boca para talvez responder
o que eu havia perguntado. É como se eu estivesse em transe. Só que eu estava
com os olhos abertos, olhando profundamente meus olhos refletidos água turva da
pia entupida. E ali, completamente sozinho, pisando o chão frio com as pontas
dos pés, depois de vomitar a alma em jatos de rum e whisky, eu consegui finalmente
definir o que é mágoa. </b></span><span style="font-family: Arial;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-76725925855743997682014-01-03T16:54:00.000-02:002014-01-03T16:54:30.892-02:00O BARQUINHO VAI, A TARDINHA CAI<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjXVTqie_buKTijAyuK05bakc-YdgK9zHjC08WWim0a__JTOqbKIIs4GcWbKXdo5sijMiY_rviSeCdSICbQr05mhLo2qbmfsBSAABzGm9NFmTDYOuGZsAjyio0q7tgALTT2hJfgBN1aNVu/s1600/400px_CP0800_14_50.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjXVTqie_buKTijAyuK05bakc-YdgK9zHjC08WWim0a__JTOqbKIIs4GcWbKXdo5sijMiY_rviSeCdSICbQr05mhLo2qbmfsBSAABzGm9NFmTDYOuGZsAjyio0q7tgALTT2hJfgBN1aNVu/s1600/400px_CP0800_14_50.jpg" height="432" width="640" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: Arial;"><span style="font-size: x-small;">Série
Mar de Homens, 2001. Roberto Linsker. Gelatina/prata tonalizada. 30,1 x <st1:metricconverter productid="44,9 cm" w:st="on">44,9 cm</st1:metricconverter>. Redonda, CE.</span></span><span style="font-family: Arial; text-align: justify;"> </span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<b><span style="font-family: Arial;"> </span><span style="font-family: Arial; text-align: right;">[Para
ler ao som de Maysa, O Barquinho]</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Qual
é mesmo a palavra? Estéril! ES-TÉ-RIL, soletrava ritmado, enquanto mergulhava
as meias de algodão em uma espessa espuma branca. O que significa mesmo a palavra “estéril”?
Aquele que não tem capacidade de procriar; quem ou aquilo que não pode produzir
o resultado esperado; infecundado; vão; inútil; ineficaz; quem não possui
criatividade; sem valor; escasso. Há algum tempo ele sentia algo secar por
dentro, uma vastidão inominada que somente naquele momento teve uma definição:
Estéril. Vontades, essas tinha muitas. Mas nada que o movesse para algo que
pudesse designar “<i>producente</i>”. Palavrinha
mais academicista, pensava com rancor. Parecia que a vida era a busca exaustiva
por resultados quantificáveis, palatáveis, tabuláveis métrica e
cientificamente. E esses resultados palpáveis deveriam ser divulgados nas rodas
sociais para que os sujeitos pudessem ser reconhecidos como bem-sucedidos. O
reconhecimento alheio é a outorga do <i>status</i>
íntimo. Além disso, era necessário o sentimento de ser guardado por forças
misteriosas superiores. Dessa forma, o sucesso seria necessário para que os
bem-sucedidos pudessem <i>agradecer-a-deus-por-tudo-de-bom-amém</i>
e encontrassem a paz interior. Ou para que desejassem outras coisas e dessem
continuidade ao ciclo infinito.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Se
“producente” pudesse ser considerado o contrário de “estéril”, este seria o
resultado científico negativo de uma vida que não deu certo. Então, “estéril”
seria um conceito tão academicista quanto “producente”. Qualificando uma
existência como “estéril” ou “producente”, resulta disso uma vida bovina?
Seguindo essa lógica sim. Porque uma vida bovina é aquela em que existir
resume-se a pastar-defecar-dormir-pastar. “<i>Resulta</i>”? Que resultado poderá ser
esperado ou validado do mistério de existir? Será que são necessários
resultados? E se viver for a exata ausência de resultados? E se o que a vida quer
de nós é que vivamos simplesmente, sem interrogá-la e sem interrogarmo-nos? Fernando
Pessoa, nas Odes de Ricardo Reis, já dizia: <i>“Vê
de longe a vida. / Nunca a interrogues. / Ela nada pode / Dizer-te. / A
resposta / Está além dos deuses”</i>. E provavelmente por isso que há
esterilidade, porque pensamos demais ao invés de vivermos<i>. “Os deuses são deuses / Porque não se pensam”. </i>Porque não se
pensam. Enxotou de sua mente esses questionamentos espiralados e os pensamentos
intrusos que insistiam em habitá-la e voltou a concentrar-se em suas
atividades.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">A
vida sempre tinha sido uma cama de pregos na qual ele recostava-se todas as
noites. Mas naqueles novos tempos, sentia que algo estava mudando. Em alguns
momentos até parecia que a vida era uma nuvenzinha mansa, branca e fofinha. Ou
uma rede sob palmeiras, embalada pela brisa e pelo som do mar. Ou, então, um
quarto de hotel no décimo sexto andar de um arranha-céu em uma grande metrópole,
seguro e confortável, acarpetado, com cama macia, travesseiros de plumas, lençóis
de linho e temperatura constante controlada por computador, que era mais a cara
dele.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Não
importavam os espinhos do passado. Ele vivia tampos de doce letargia. Parecia
que tudo estava finalmente em seu devido lugar. Havia uma serenidade quase búdica,
coroada com uma calma de ansiolítico. Parecia, apenas parecia, que todas as
energias cósmicas e psicológicas estavam alinhadas. Sua consciência alertava-o que
isso era apenas uma sensação ilusória. Sabia que estava deixando de ver algumas
coisas simplesmente porque havia voltado o rosto para outra direção. E talvez seu
maior ato de sabedoria tenha sido simplesmente mudar de direção. Não
necessariamente buscar o caminho mais fácil, mas o que tivesse mais coração,
que quase sempre é o mais difícil. O segredo aparentemente era dar as costas ao
passado, ou pelo menos guardá-lo em seu devido lugar; um baú empoeirado que
fosse. Em alguns momentos pensava que isso não era “fazer as pazes com o
passado”. Entretanto, foi o único caminho viável para serenar seu coração.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Enquanto
esfregava as meias brancas buscava palavras que o definissem existencialmente.
Era seu maior passatempo solitário, e de solidão ele entendia bem. A brancura
das meias enxaguadas, imersas na água cristalina, trouxe à consciência um
momento esquecido no passado. As lembranças eram vagas. E reminiscências,
quanto mais difusas, mais insuportáveis para ele. O tecido branco atoalhado
mergulhado na água fria lembrava a metáfora que escreveu (ou leu) em algum
momento. A imagem era a de velas branquíssimas do veleiro deslizando calmamente
sobre o mar, reluzindo contra o céu quase turquesa, o qual no horizonte se
confundia com o mar, de tão azuis, deixando a sensação de formarem uma imensa
bolha líquida azul-resplandecente. Por que lembrar desse maldito barco no mar? O
bilhete! É isso, o bilhete que escreveu e não mandou. Ou mandou sem ler. Ou que
recebeu de alguém, não tinha mais certeza. Com sorte esse bilhete estaria em
uma caixa no fundo de um baú. O pedaço de papel instantaneamente tornou-se uma obsessão
e encontrá-lo virou uma meta de vida.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Fechou
a torneira, largou a bacia com roupas, enxugou as mãos na barra da camiseta e
arrastou os chinelos pela casa até a saleta onde ficava um baú antigo, uma arca
de memórias que nem sempre faziam sentido individualmente, mas que juntas reconstruíam
sua própria história. Retirou os objetos que estavam sobre o móvel e ergueu a
pesada tampa. Uma golfada de um cheiro morno de mofo, poeira e amarguras chegou
como um tapa em sua cara suada de janeiro. Num canto no fundo do baú estava
ela.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Limpou
mais uma vez as mãos na camiseta e segurou a pequena caixa envernizada, ornada
com arabescos em marchetaria. Essa caixa havia sido um presente de um amor
antigo que se foi. Originalmente, vinham trufas delicadas e perfumadas. O cheiro
do chocolate ainda permanecia vívido, assim como algumas manchas de licor no
fundo, resultado de sua incurável falta de jeito. Sentou-se sobre os pés e
abriu a caixa de pandora. Pôs-se, então, a vasculhar seu conteúdo. Nela eram guardadas
outras memórias, de outras pessoas, algumas fotos, uns cartões postais de
Paris, Praga e Roma – lugares que ele nunca conheceu - uns bilhetinhos
coloridos deixados sobre o travesseiro ou no meio de um livro, propositalmente
esquecidos. As memórias dentro das memórias, e essas dentro de outras memórias,
como uma <i>Matrioshka</i>, as bonecas
russas.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Não
sabia ao certo porque revisitar essas lembranças depois de tanto tempo. Abrir o
baú era sempre um misto de saudades infindas, dores pontiagudas e emoções
recalcadas por durezas da vida que retornavam com intensidade. Bravamente
covarde - ou covardemente bravo - ele enfrentava o baú de tempos em tempos.
Talvez para lembrar que ele era constituído por essas dores também. Ao melhor
estilo cristão, açoitando com flagelo a própria carne para que sentisse as
dores de Jesus na cruz e mantivesse viva a consciência que Ele sofreu por todos
nós, enfrentava seu passado para lembrar que ele próprio havia sofrido para se
tornar o que era naquele momento. Mas também porque vez ou outra ele queria
rever algum de seus mortos para que não ficassem para sempre esquecidos.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Tentou
não olhar detidamente todo o conteúdo da caixa. Algumas coisas não deveriam ser
lembradas naquela hora. Mas não adiantava. Seu coração palpitava a cada retrato,
a cada bilhete, a cada cartão postal e a cada carta de (des)amor. Seu objetivo
era outro: queria simplesmente lembrar das palavras em um pedaço de papel que falavam
sobre as velas de um barco. Era como lembrar um samba antigo, do qual sabia o
ritmo tamborilando os dedos, mas a letra fugia à lembrança. Curiosidade
obsessiva. Ele não gostava de esquecer quando era necessário lembrar. Da mesma
forma que não gostava de lembrar quando era inevitável esquecer. Achou o
bilhete no fundo da pequena caixa. Estava com uma mancha marrom de calda
licorosa das trufas. Pela caligrafia e pela amargura das palavras havia sido
escrito por ele. Era um rascunho coalhado de rasuras. Ele sempre titubeou para
escrever, reescrevendo exaustivamente sem nunca dar-se por satisfeito. Não
sabia se havia enviado. E se enviou, não saberia jamais se o bilhete foi lido.
Talvez triste, talvez providencial. As palavras eram as seguintes:</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Arial;"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Arial;"><b>“Deixei que a vida se encarregasse de
traçar um curso para minha caminhada, seguir o meu destino, regar minhas
plantas e amar as minhas rosas. Porque o resto é sombra de árvores alheias, já
dizia Pessoa, docemente interpretado por Bethânia. Pelo pouco que lembro, a
partir do teu silêncio, desde o dia em que te convidei para um jantar e não
recebi mais que a resposta evasiva habitual, decidi ajustar as velas no sentido
do vento. Não tenho escrito para ti desde então porque escrever era um processo
psicoterápico. Catarse, sabe? Como voltei para a análise, não tenho sentido
tanta falta de escrever, tento somente viver. E tem funcionado. De resto, tudo
anda no mesmo ritmo. Mas é um passo bom, sereno e perto da tranquilidade.
Existem ausências, existem faltas e lonjuras, mas existem recompensas doces
também. Espero que a vida não ande sendo madrasta contigo.”</b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Ele
reconhecia que poderia ser amargo e rancoroso, bastando um pequeno estímulo.
Sabendo desse monstro prestes a sair de dentro de si e espargir fel, exercitava
todas as manhãs seu silêncio. Será que essas palavras tiveram um destinatário?
Evidente que sim. O mais provável é que fosse ele mesmo. Mais que ser ouvido,
ele queria dizer para ouvir sua própria voz. Falar com as paredes, esmurrá-las
quiçá, poderia libertar de todo o mal. Se existia algo muito maior em sua alma
era sua capacidade de espargir amor. E ele sabia que seu fel era a face oculta
de seu amor, o lado escuro que deveria ser neutralizado ou banido, embora
tivesse a mesma essência e a mesma origem do amor.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Firmara
um contrato, um pacto tácito selado com Buda, com Jung, com Jesus, com Freud e com
as forças do universo de não falar tudo o que pensava, especialmente quando
iria ferir alguém ou prejudicar a si próprio. Nem Iluminado, nem anticristo,
tão somente um ser errático tentando não pisar as flores do jardim. Era a velha
metáfora do caminho do meio, tão difícil de encontrar no escuro em meio à
tempestade. Esse bilhete era uma resposta a uma provocação ou era uma
provocação à espera de resposta? Não fazia diferença. As palavras eram duras,
eram amargas, mas eram verdadeiras. Porque para que as flores do jardim
sobrevivam é preciso arrancar as ervas daninhas. E esse poderia ser o caminho
do meio.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Depois
desse bilhete outros foram escritos. Não do mesmo remetente e não para o mesmo
destinatário, provavelmente. Ou quem sabe sim. Afinal, se era um processo catártico,
narcisista e egomaníaco, o que ele queria escrevendo não era ferir o outro, mas
expurgar o que do outro feria as camadas mais profundas da sua epiderme.
Escrevia como se falasse em frente ao espelho, para que visse a si próprio
através do outro. Não importava, em última instância, em que consistia o outro
ou quais eram suas ações, importava o que ele fazia daquilo que o outro era de
diferente de suas projeções.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Ainda
sentado sobre o tapete de juta da diminuta saleta, foi transportado para o
pequeno barco de velas brancas, navegando calmamente sobre o mar. Sentia o
calor brando do sol. Deitado no convés, tentava olhar para o sol, como fazia na
infância, na tentativa de desafiá-lo, como se pudesse ser maior e mais forte
que a natureza. A luminosidade cegava-o e essa cegueira momentânea assustava e
divertia porque era o limite: Temia ficar cego para sempre, mas divertia-se com
a retomada paulatina da visão, como num milagre. Subverter a ordem natural do
universo sempre foi seu maior desafio, mesmo que fosse através de milagres. Ajustou
as velas no sentido do vento e deixou o barco levá-lo ao seu destino.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;">Abriu
os olhos, como se saído do estado meditativo. Já era quase noite. Ele precisava
correr contra o tempo. Havia muito a ser feito. Deveria colocar o vinho branco
para resfriar, terminar de preparar o jantar e arrumar a mesa com o esmero que
a ocasião merecia, separando a louça e a prataria polida previamente, as taças
cristalinas e reluzentes de tão limpas, acendendo velas aromáticas nos
castiçais de bronze, diminuindo a luz ambiente e colocando na vitrola um samba-canção
sereno e alegre, como era alegre a ocasião. Precisava ainda escolher cuidadosamente
a roupa e o perfume que usaria. Era imprescindível causar uma boa primeira impressão.
Pelo brilho da lua cheia de São Jorge, lua deslumbrante, que entrava pela
janela e inundava a sala, aquela pressagiava ser uma noite especial. E foi.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial;"><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGSKTyX7LQYhrF3bDjleFpGtyTqQuywVzrYE2mNf09031kHoys8a7SJdl91-eM81xg1j7JHl2fXzFzhN2W-hNcqhpDfqpxL3hyphenhypheneiYqlqeXCEZTGAO3yty_L78SQ9G8CU48piEsimUsTNbE/s1600/Apanhei-te+Acrilico+sobre+tela+-+Teresa+Gil.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGSKTyX7LQYhrF3bDjleFpGtyTqQuywVzrYE2mNf09031kHoys8a7SJdl91-eM81xg1j7JHl2fXzFzhN2W-hNcqhpDfqpxL3hyphenhypheneiYqlqeXCEZTGAO3yty_L78SQ9G8CU48piEsimUsTNbE/s1600/Apanhei-te+Acrilico+sobre+tela+-+Teresa+Gil.jpg" height="310" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial; font-size: x-small;"><b>"Apanhei-te". Acrilico sobre tela - Teresa Gil</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial; font-size: x-small;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;"><iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="360" src="//www.youtube.com/embed/0AtbEMk8vT0?feature=player_detailpage" width="640"></iframe><o:p></o:p></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-43844130285191785952013-10-25T16:22:00.000-02:002013-10-25T16:22:09.474-02:00A COLÔNIA QUE NÃO SAI DA GENTE<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgClBbP9sUuB2d-aaW1QViAshe9BCZk_C-DuSPvljYc7ZkgygQxcl2wvhrqPpuh1DnmC14MlcfKml6_FnjOWB5RBs88CACLn4duKSWueVHGMj8o1M0cg0BR0Up3oz-mIHpKHfdLJQn7A2o8/s1600/Jean-Baptiste+Debret.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgClBbP9sUuB2d-aaW1QViAshe9BCZk_C-DuSPvljYc7ZkgygQxcl2wvhrqPpuh1DnmC14MlcfKml6_FnjOWB5RBs88CACLn4duKSWueVHGMj8o1M0cg0BR0Up3oz-mIHpKHfdLJQn7A2o8/s640/Jean-Baptiste+Debret.jpg" width="504" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b style="font-size: small; line-height: 150%; text-align: center;"><span style="font-family: Arial;">Obra: Aquarela. Jean-Baptiste Debret</span></b></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial; font-size: x-small; text-align: center;"><span style="line-height: 24px;"><b><br /></b></span></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial; font-size: x-small; text-align: center;"><span style="line-height: 24px;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial;">Dia desses, eu estava almoçando com uma amiga e na
mesa ao lado chegou um grupo de quatro pessoas. O restaurante estava lotado e existia
uma única mesa disponível. Pouco antes, outro grupo havia deixado o local, abandonando
pratos com restos de comida, talheres, guardanapos e copos amontoados. Natural,
afinal os garçons fazem esse trabalho de organizar as mesas antes e depois de
utilizadas. Eles não são notados e fazem um trabalho silencioso. A não ser que
não venham imediatamente. Foi o que aconteceu. O garçom demorou a chegar para
atendê-los. Um ultraje. Prontamente, um rapaz desse grupo que acabara de chegar
tratou de juntar os utensílios da mesa para que eles pudessem ocupá-la. Muito
solícito. Segurando uma pilha de pratos e talheres, um tanto atabalhoado, chegou
a nós perguntando se já estávamos de saída. Já havíamos terminado de almoçar,
mas como é costumeiro, ficamos papeando enquanto eu tomava um café e minha
amiga comia sobremesa. Eu disse que não estávamos de saída, mas que ele poderia
largar a pilha de pratos sobre a nossa mesa até que o garçom, que estava
sozinho e se vendo louco para atender a todos, chegasse para limpar tudo.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Eu já havia percebido que existia alguém “diferente”
nesse grupo porque o tratamento de todos a uma das pessoas, em especial, era
diferenciado. A ele eram dispensados gestos e palavras exageradamente corteses,
e um tratamento constrangedoramente polido e subserviente. Além de todos se
esforçarem para falar a língua dessa pessoa.
Até aí tudo bem. É delicado receber bem um visitante. Mas algo era
visivelmente fora do tom. Ao ponto de uma pessoa, ao invés de chamar o garçom,
prontamente recolher pratos e posicionar a mesa ao gosto do convidado, jogando todo
o descarte na mesa mais próxima (a nossa) para livrar-se da sujeita e
desorganização.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Apesar de todo o rapapé e alarde dessas pessoas, ainda
tive um lampejo sobre meus pensamentos, achando que era preconceito meu pensar
que era um circo tudo aquilo. Mas minhas suspeitas se confirmaram quando ele,
meio constrangido, largou a pilha de louça sobre a minha mesa e como se não
bastasse completou: “Desculpa, é que tem um professor estrangeiro com a gente”. <i>Um
estrangeiro-eiro-eiro-eiro! </i>Isso ecoou em minha cabeça como um badalo. Aí tudo fez sentido. Então, estar com um
estrangeiro confere a essas pessoas o direito de desovarem sua sujeira em
território alheio? Os domínios do colonizador devem estar em perfeita ordem, enquanto
os domínios do colonizado ficam de qualquer jeito, inclusive com os detritos e
as sobras do próprio colonizador? Isso sem pensar na torpe troca de favores, na
submissão em troca de possibilidades acadêmicas escusas pelo fato do
estrangeiro ser professor, talvez destacado entre professores menos
importantes, os tupiniquins. Continuamos fazendo as mesmas coisas nesta <i>Terra Brasilis</i> desde o século XVI.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Naquele momento eu fiquei meio atônito e não comentei nada
para não criar caso por aparentemente uma bobagem. Tive vontade de dizer:
“Moço, chama o garçom. Minha mesa não é aterro sanitário”. Mas apenas concordei
em deixá-lo colocar a pilha da “nossa sujeira” longe dos olhos do estrangeiro.
Limpo e rápido. Era falha do restaurante não colocar mais funcionários em
horário de pico, obviamente. Entretanto, povo solidário que somos, eu deveria ser
cúmplice e tratar de causar boa impressão e proporcionar bem estar ao
visitante. Mas a forma escolhida pelo rapaz da mesa ao lado de resolver isso
não foi a mais cidadã e civilizada, embora demonstre sua grande brasilidade.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">O que o colonizador quer, em última instância, é um
novo <i>establishment</i>. O seu,
obviamente. E nós, que fomos subordinados historicamente aos níveis mais baixos
na pirâmide social, estamos acostumados com isso e achamos que está tudo bem,
está tudo ótimo. E pior: esperamos que eles olhem para nós e nos concedam a
honra de sentarmo-nos à sua mesa.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Posso estar sendo demasiadamente radical. Ocorre,
porém, que tenho um sentimento, apenas um sentimento, que me alerta para a
iminência de, travestidos de defensores dos nossos direitos, eles nos cercearem
e estabelecerem, com o peso de suas verdades, a obrigatoriedade de seguirmos
suas regras. Enquanto a dependência é econômica está tudo sob controle, pagamos
a conta e estamos livres, mesmo que às vezes tenhamos que vender nossas almas
num leilão para isso. Mas quando as celebridades impõem padrões de beleza e
riqueza, exigindo que sejamos tudo aquilo o que jamais conseguiremos ser, ou quando
as <i>Exodus Cry</i> da vida vem fazer
proselitismo por estas bandas, o buraco fica mais embaixo. Dentro de uma moral
religiosa retrógrada, esse grupo propõe a criminalização da prostituição e do
aborto, por considerar – implicitamente – que são abominações, assim como são
abomináveis a mulher que aborta clandestinamente ou a prostituta que não teve
outra opção na vida. Não tardará o dia em que criminalizarão tudo o que,
segundo eles, "fere os princípios da moralidade cristã", mesmo que os
colonizados não sejam cristãos. Não por acaso esse grupo americano de extrema
direita cristã foi recebido pelos fidalgos da Comissão de Direitos Humanos do
Senado. Ainda somos tratados como índios, sem alma e sem direitos individuais.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Não considero os estrangeiros inimigos. Tampouco acho
que somos superiores ou melhores em tudo. Mas existe na nossa relação com eles uma
pretensa exploração e um pressuposto de nossa submissão. Ademais, temos a
característica de considerar os colonizadores sempre bem-vindos. Temos
impregnado na pele um cheiro de colônia. De Brasil Colônia. Olhamos o
estrangeiro como superior porque somos uma nação com baixa autoestima. Carnaval
e futebol não cicatrizarão essa ferida de exploração histórica. Aliando isso à
falta de conhecimento, somos presas fáceis para exploradores.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Quando estamos na presença do colonizador à nossa
mesa, emerge das profundezas de nossa alma o sentimento forte e intrínseco de
colonizados. É como se fôssemos perdoados de uma dívida ou do pecado primordial
de sermos subdesenvolvidos, ou ainda como se fosse quebrada a maldição de
sermos terceiro-mundistas. Somos inundados por uma gratidão medíocre.
Subitamente, por nos julgarmos amigos do Rei, surge um brilho soberbo no olhar
pelo sentimento de superioridade àqueles que servirão de depósito para nossos
pratos sujos.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Se existe uma crise internacional, ela não nos
sensibiliza profundamente. Afinal, somos calejados da recessão, somos escolados
em crises e termos a sensação, embora ilusória, de estarmos saindo do atoleiro.
Reconhecermo-nos como emergentes já nos torna “um deles”. Temos cartão de
crédito internacional, viajamos de avião a qualquer hora (que luxo!), compramos
carro em cento e vinte parcelas e até financiamos nossa casa própria em trinta
anos. E queremos salvar nossa própria pele, ou melhor, ostentar aquela pele com
a marca da grife famosa, impressa bem grande. Beijo no ombro para a ralé!</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">Com a barriga cheia podemos dispensar mais tempo para
superficialidades e supérfluos. E adoramos futilidades! Ao que parece, os
americanos estão abandonando o “american way of life” porque já não lhes cabe.
Mas aqui ainda serve muito bem para a elite emergente. Para muitos é símbolo de
status consumir como os americanos, ostentar riqueza como os árabes e ter as
maneiras dos franceses ou ingleses.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">P</span></b><b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">or melhor que seja o que produzimos aqui, seja
material ou imaterial, o melhor de tudo o que produzimos ainda é “para
exportação”. Da mesma forma, o produto importado, mesmo sendo de qualidade
inferior é mais valorizado e é sinônimo de status pelo simples fato de não ser
fabricado aqui. Certo, a lógica não serve para os produtos chineses, que tem
preços e qualidades em geral bem inferiores, devido ao processo de produção,
mão de obra escrava e pelos altos impostos cobrados aqui, o que acontece desde
quando éramos colônia de Portugal. Mas isso já é outro assunto.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;">O</span></b><b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"> que aconteceu ao grupo do restaurante? Não sei. Todos
comeram o mesmo feijão com arroz e batatas fritas do buffet que os demais naquele
dia. Cada um deve ter tomado seu rumo provavelmente voltaram às suas cortes ou colônias
de origem. E o rapaz, o cicerone tupiniquim? Bem, talvez esteja acompanhado de outros
grupos e juntando pratos para acomodar outro colonizador. Ou tentando um doutorado sanduíche no
exterior. </span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b><br /></b></span><b style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Arial;"></span></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b style="line-height: 150%;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhs24VVzlIEReGPuVJ94sXdfaqTRyL9nCv-kh3kwfa7BgJW2Fb52V6kBl1hmZWBDVpD1s_FHLA0Qs9GGQy_rufbodgxZ6tNwcCWeiZEXmI-apwpBB-LLqyeagf9U9BoCkjCF1bEX56MpQOb/s1600/Debret.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="317" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhs24VVzlIEReGPuVJ94sXdfaqTRyL9nCv-kh3kwfa7BgJW2Fb52V6kBl1hmZWBDVpD1s_FHLA0Qs9GGQy_rufbodgxZ6tNwcCWeiZEXmI-apwpBB-LLqyeagf9U9BoCkjCF1bEX56MpQOb/s400/Debret.jpg" width="400" /></a></b></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-80858492139370588872013-06-25T15:24:00.001-03:002013-06-25T15:24:59.757-03:00SOBRE FÁBULAS E GIGANTES<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYiRiEmZcIEjcdCg_7yQvk5a80rOpPSqCZpuvPy7MfwIs65nxWh2HQsz9QhredV5wGuS0ij9i-VsPb_wMNoGMI6E_MpEzgBD9s3HxTugVuErTKABjd11USVMqdww7He5Vu5C1AbKf1L1DJ/s1600/4cataluna.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYiRiEmZcIEjcdCg_7yQvk5a80rOpPSqCZpuvPy7MfwIs65nxWh2HQsz9QhredV5wGuS0ij9i-VsPb_wMNoGMI6E_MpEzgBD9s3HxTugVuErTKABjd11USVMqdww7He5Vu5C1AbKf1L1DJ/s640/4cataluna.jpg" width="544" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Ontem
ouvi um relato com o qual fiquei profundamente tocado. Um amigo comentava sobre
um tempo em que trabalhou com integrantes do Movimento Sem-Terra (MST) em um
assentamento nos confins deste imenso país. Ele falava sobre as dificuldades
dessas pessoas sem condições dignas de moradia, sem escola, sem alimentação,
sem higiene, vivendo em barracões e dormindo em camas de varas e em constante
tensão, devido às represálias violentas de latifundiários e capatazes de
fazendas. Uma vida dura que a maioria de nós, <i>urbanóides</i> de classe média, só conhece pelos jornais e pelas
frestas das janelas que abrimos vez ou outra para ver como é o mundo do lado de
fora do nosso <i>bunker</i> climatizado a
acarpetado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">O
trabalho dele era prestar apoio emocional e espiritual a essas famílias, tão
privadas e carentes de tudo. Um dia, ele decidiu fazer um momento de reflexão
com um grupo. Abriu, então, espaço para quem desejasse falar sobre o que
sentia, para que fizessem pedidos ou expressassem desejos íntimos. Nesse
momento, uma senhora, mãe de dois filhos, ergue a mão. A palavra é concedida a
ela. Então ela diz que desejava que Deus permitisse que naquela região
existissem mais flores. Disse que queria que essas flores desabrochassem porque
os beija-flores estavam quase sem alimento, uma vez que a seca na região estava
sendo severa e a vegetação estava morrendo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Na
hora, contou-me ele, a primeira coisa que pensou foi: “Uma pessoa que está em
uma situação tão extrema se preocupar com a alimentação dos beija-flores? Com
tanta coisa para se preocupar, com filhos fora da escola, vai pensar em
pássaros? Tem alguma coisa errada nisso”. A reflexão que meu interlocutor me
deixou foi a de que, mesmo nas situações mais adversas, mesmo sendo privados de
tudo, não podemos deixar que a vida nos embruteça. E ele me dizia que levava
para sua própria vida, desse momento com essa senhora humilde, uma grande
lição: a de manter vivo dentro dele o que existe de mais humano. E confessou a
mim que desde então traz consciente um esforço diário para não deixar de pensar
nas necessidades daqueles que o cercam, preocupar-se com as necessidades dos
beija-flores, mesmo que suas costas doam e sua barriga ronque de fome. E eu
consegui sentir a verdade do que ele dizia através de sua voz serena e seu olhar
profundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-e3NfCoHKxEBUGSKtac0hnnK4TvNYy3LfGm7DWriPpYl83hFwR03kZT-qcV4jpN3G6WhcaG3fR-s3mTRsLdz9ahzHirrztHC5gzOlWpZUBgeRGfhQhBU05RoaxPuTBvaS72FqtiZquoju/s1600/manifesta%C3%A7%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="281" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-e3NfCoHKxEBUGSKtac0hnnK4TvNYy3LfGm7DWriPpYl83hFwR03kZT-qcV4jpN3G6WhcaG3fR-s3mTRsLdz9ahzHirrztHC5gzOlWpZUBgeRGfhQhBU05RoaxPuTBvaS72FqtiZquoju/s400/manifesta%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial;">Tenho
tentado ver de perto o que está acontecendo no país. Pinço aqui e ali
informações sobre essas manifestações que invadem as ruas, que em última
instância clamam por um país melhor e mais justo, tentando deixar de lado minhas
emoções, quase sempre afloradas e erráticas. Tenho o sentimento de que essas
mobilizações públicas são o retrato de um país que ainda engatinha no que se
refere à democracia. Um país que está aprendendo a reivindicar coletivamente nas
ruas seus direitos, que não conhece ainda o que é ter liberdade de expressão e
que, num dado momento, renega a coletividade de determinados grupos mais
heterogêneos. E principalmente que é manipulável por um poder paraestatal e
estatal, orquestrado pela mídia e por alguns partidos políticos que estabelecem
diferenças maniqueístas do tipo <i>"nós,
os bonzinhos"</i> e <i>"eles, os
malvados".</i> Acho que a questão é maior que esse debate dicotômico “pacifismo
VS. Violência”, partidário contra não partidário, a luta do rochedo com o mar,
do Estado com (contra?) o cidadão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Percebo
que existe uma cisão entre dois discursos ideológicos, que acabam criando dois
grupos bem distintos. Vendo o que vem ocorrendo <st1:personname productid="em Porto Alegre" w:st="on">em Porto Alegre</st1:personname> tenho
isso bem claro. Em uma das noites de manifestações, nas duas vias da Av.
Ipiranga, separados pelo Arroio Dilúvio, estavam dois grupos: Um, “pacífico”, “politizado”,
fazendo uma marcha de cara limpa e com palavras de ordem e cartazes de protesto
<st1:personname productid="em punho. Do" w:st="on">em punho. Do</st1:personname>
outro lado do arroio havia outro, enervado, de rostos cobertos, gritando
desordenadamente e portando pedras e paus. O primeiro usa a voz para ser
reconhecido. O segundo ameaça a ordem e o patrimônio. A mídia traz, de forma
emblemática dentro de uma lógica de consumo capitalista, que "milhares de
pessoas seguiram pacificamente pelas ruas e um pequeno grupo agiu com
violência". Protesto Pacífico e Vandalismo são produtos de consumo agora.
Guerra e Paz sempre venderam muito. Obviamente, a guerra é muito mais
lucrativa. E não é de hoje. Essas abordagens me causam desconforto. E tenho
percebido que esse discurso é sistematicamente repetido. Parece que existe uma
forma certa e uma forma errada de ir às ruas. E concordo que, em certo sentido,
existe mesmo. Não acho que depredação do patrimônio público e violência sejam
formas eficazes de reivindicação. Pelo contrário, é são formas até um tanto
burras. No fim, todo mundo paga a conta e ninguém consegue o que quer. Mas
talvez a questão seja ainda mais profunda. Não é somente o vandalismo em si,
mas a construção midiática – e social - que se faz do vândalo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Agora,
ergue-se a bandeira de uma manifestação sem bandeiras partidárias. Confesso que
acho um tanto contraditório. O <i>brazilian
way of life</i> “meu partido é um coração partido” é uma quimera, amigos. E
tenho os três pés atrás com esse tipo de discurso. Afinal, de que forma os
grupos se organizam politicamente sem um partido? Essas organizações não
deveriam, independente da sigla, estarem afinadas entre si e com a totalidade
do movimento? Rasgar bandeiras partidárias não será uma forma meio torpe de pulverizar
as reivindicações e tirar o foco político das manifestações? Lembremos que foi
um grupo (bastante!) partidário que começou esse movimento, o Movimento Passe
Livre. Onde está a liberdade de expressão e a livre associação política? Que
regras são essas que pululam agora que parecem querer estabelecer um <i>modus operandi</i> ou um código tácito e
implícito de conduta para as manifestações públicas que nega sua origem? Queimar
as bandeiras dos partidos políticos, levantar cartazes reivindicando questões
com propósitos de origem e matrizes ideológicas bem duvidosas, literalmente
vestir a bandeira do Brasil e cantar emocionadamente o Hino Nacional,
reivindicando de forma vazia e imprecisa que o país simplesmente mude, parece
ser a reinvenção de um ufanismo nacionalista rançoso com uma carga fascista
quase patológica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyVztCy71PnC06ryY7OmyfNCCBE9eB66cHCeFCoNtLkzIB9EVhfugLp5OnTnMK9mA5FeGeT7M2PxYuPT6DMehceekHvt057hbSI1RL3Kfb80_kJN3LNBTiepkxsCvSorVEZuObL3MpJ-UP/s1600/chargeProtestoLaerte.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="245" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyVztCy71PnC06ryY7OmyfNCCBE9eB66cHCeFCoNtLkzIB9EVhfugLp5OnTnMK9mA5FeGeT7M2PxYuPT6DMehceekHvt057hbSI1RL3Kfb80_kJN3LNBTiepkxsCvSorVEZuObL3MpJ-UP/s400/chargeProtestoLaerte.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial;">Como
todo “guri” que viveu preso e é libertado do controle paterno, o Brasil saiu
correndo ensandecido pelas ruas, gritando eufórico sua liberdade, querendo
provar tudo, tocar em tudo, absorver tudo, desajeitado e meio inconsequente. O
“gigante” parece um elefante na loja de cristais. Mas talvez estejamos provando
uma falsa sensação de liberdade. Talvez estejamos ainda dentro do cercadinho
que papai montou para poder nos controlar. Será que não nos tornamos os
manifestantes que “eles” querem que sejamos? Será que não estamos sendo
condicionados e formatados a pedir o que queremos “do jeitinho” que “eles”
querem? Parece que basta, para que exerçamos nossa cidadania, para que sejamos
“brasileiros, com muito orgulho, com muito amor”, vestirmos máscaras de Guy
Fawkes (aquela da série V de Vingança), que a imensa maioria não tem a menor
ideia de quem foi, nos enrolarmos em nossas cangas de praia com a estampa da
bandeira do Brasil e redescobrirmos um amor pelo país que há muito tempo
abandonamos, se é que algum dia sentimos. Esse patriotismo todo soa <i>fake</i> aos meus pobres olhos que já viram
muita bobagem acontecer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">O
gigante não está acordando, ele é ainda um recém nascido, desengonçado e
bobalhão. Não adianta obrigá-lo a andar de monociclo fazendo malabarismos se
ele está aprendendo a engatinhar e a balbuciar precariamente seus desejos e
necessidades. E lá no fundo, algo me diz que ele tem muito para amadurecer no
que se refere a lutas sociais. Ainda temos muito para aprender. Não sei se o
país anda no caminho certo. Nem sei qual seria o caminho certo. Tampouco se
existe um. Que o caminho se aprende ao trilhá-lo é tudo o que sei. A gente
aprende a caminhar, caminhando; a falar, falando; a reivindicar, reivindicando.
E a viver em sociedade, vivendo. Independente de estarem acontecendo coisas
certas do jeito errado, que pelo menos consigamos nos conectar aos nossos
sentimentos mais humanos. E que não nos esqueçamos também dos beija-flores. Assim
como nós, eles também tem fome. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizp1kQk0CKCJkP1NsHuVS8i5icMFoxaQqiMgMQsTVsXi60GWQbveZ6hOVXYH93r13UAhi4d0EcdNfEUaNhoiw-1iICVjteE6Wy_zgikSN7N5fuu4M9NTxZHkulB8AJN8G45MmE7Mg8ogrl/s1600/21jun2013---o-cartunista-gilmar-publica-charge-com-futebol-novela-protesto-e-reality-show-1371827776343_794x213.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="171" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizp1kQk0CKCJkP1NsHuVS8i5icMFoxaQqiMgMQsTVsXi60GWQbveZ6hOVXYH93r13UAhi4d0EcdNfEUaNhoiw-1iICVjteE6Wy_zgikSN7N5fuu4M9NTxZHkulB8AJN8G45MmE7Mg8ogrl/s640/21jun2013---o-cartunista-gilmar-publica-charge-com-futebol-novela-protesto-e-reality-show-1371827776343_794x213.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-70835404257359974452013-06-17T13:58:00.001-03:002013-06-17T14:56:55.371-03:00NANOCONTO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-x0EtekUNEF8/Ub9HsjIi88I/AAAAAAAAAgk/kIGig2HvX5Q/s1600/Ron+Mueck,+Angel+(Exchange+Agreement),+silicone+rubber+and+mixed+media,+1997.+The+Collection+of+Marguerite+and+Robert+Hoffman..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="http://2.bp.blogspot.com/-x0EtekUNEF8/Ub9HsjIi88I/AAAAAAAAAgk/kIGig2HvX5Q/s640/Ron+Mueck,+Angel+(Exchange+Agreement),+silicone+rubber+and+mixed+media,+1997.+The+Collection+of+Marguerite+and+Robert+Hoffman..jpg" width="504" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ron Mueck, Angel (Exchange Agreement), silicone rubber and mixed media, 1997. The Collection of Marguerite and Robert Hoffman.</span></div>
</div>
<br />
<br />
<span style="font-size: large;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;"><b><span style="font-size: large;">Ele surgiu. Eu suspeitava. Ele
chegou. Eu já esperava. Ele teceu. Eu arrematava. Ele tentava. Eu teimava. Ele partiu. Eu fiquei. Ele desistiu. Eu desesperei.
Não conseguimos. Seguimos. </span></b><o:p></o:p></span><br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
_________________________________________________________________________</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-5253074660970453282013-06-05T12:13:00.000-03:002013-06-17T15:03:00.855-03:00FRAGMENTOS DE VIDA GUARDADOS NO BOLSO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLu2-czEf8lLJjTAVVebpeJhkf2waPeUPvLdDOfO8J2Na3YC3O-sbLWxxfJYnAlBzGFpZ4v0Ilu-0Yxp1Od0dgWDUWIEtH8VVKmJGMIaZDuaF-xblqODUnLOgO7G73rkqr9hg5GC-qKkrx/s1600/22_FHA_rshow_ims2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="344" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLu2-czEf8lLJjTAVVebpeJhkf2waPeUPvLdDOfO8J2Na3YC3O-sbLWxxfJYnAlBzGFpZ4v0Ilu-0Yxp1Od0dgWDUWIEtH8VVKmJGMIaZDuaF-xblqODUnLOgO7G73rkqr9hg5GC-qKkrx/s640/22_FHA_rshow_ims2.jpg" width="640" /></a></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">William Kentridge: <b><i>“Drawing for the film Stereoscope [Felix Crying]”</i></b> - 1998-1999 - Charcoal, pastel, and colored pencil on paper 47 1/4 in. x 63 in. (120.02 cm x 160.02 cm). The Museum of Modern Art, New York.</span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span>
<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>“Tu misterio es mucho</b></span><br />
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Más interesante que</b><br />
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mi imaginación”</b><br />
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: right;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">(Perotá Chingó - Canción Para El Viento)</b></div>
<div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">A abundante e mansa chuva
fina que banhou meu caminho estava prevista. Ainda assim, fui pego de surpresa.
Da mesma forma que a chegada dele em minha vida, não esperava que chovesse tão
de pronto. Sempre duvidei de previsões do tempo, na mesma proporção que
desacreditei em oráculos, astrologia ou misticismos exóticos, muito embora
recorresse até mesmo ao ocultismo quando estava em apuros e ligasse o rádio de
pilhas todas as manhãs para saber como seria o clima do dia. Acho,
sinceramente, que tudo é superstição. Ignorância minha, eu sei. De fato, confio
tanto em meteorologistas quanto <st1:personname productid="em analistas. E" w:st="on">em analistas. E</st1:personname> por pensar que tudo é bobagem, não
daria tratos à bola quando interpelado pela Esfinge, sendo indubitável e
inevitavelmente devorado por ela a caminho de Tebas. Como duvido das previsões,
sempre ando sem guarda-chuva. E sempre acabo molhado. Também por culpa dessa
dúvida hiperbólica cartesiana patológica abandonei todos os meus analistas e
amantes. Ou fui abandonado por eles, nunca soube ao certo porque <i>a verdade</i> é algo completamente fora do
meu alcance. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Preparei-me com cuidado
para esse momento. Não para a chuva, obviamente, e sim para o encontro que
teria no fim desse caminho áspero de frio e umidade que enfrentava como se
fosse um valente cavaleiro. Dispensei aquele cuidado típico de quem quer causar
boa impressão sem parecer que esse é o objetivo. Vesti um casaco escuro de
veludo de corte ajustado, que disfarçava os excessos de uma vida inteira de
desregramentos, marcados indelevelmente em minha região abdominal, uma camisa
branca meio gasta no colarinho, o velho jeans surrado e o único par de sapatos
confortáveis que tinha, porque a estrada era muito comprida e as curvas enganam
o olhar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Apertei o passo para não
molhar-me. Foi meio em vão. Àquela altura tanto fazia. Mesmo querendo causar
boa impressão, não importava mais a aparência que eu tinha. Talvez quisesse,
bem lá no fundo, mostrar que não tinha essas máscaras, queria chegar o mais
próximo do que supunha – e queria – ser em essência, com minhas roupas largas e
velhas, minhas marcas e meu pouco senso de humor. Somente queria chegar,
desarmado, e dizer que não faria qualquer jogo. Até mesmo porque suspeitava que
desaprendera a jogar. Ou então, que nunca cheguei a aprender, afinal não
lembrava imediatamente de algum dia ter chegado a jogar e ganhar. Queria dizer
a ele que estava cansado de duelar, cansado de danças cadenciadas e marcadas. E
ela já havia me dito: “<i>A impossibilidade
e o mistério cansaram com força seu coração</i>”. Cansaram mesmo, Mrs.
Lispector. Queria libertar-me da carapaça. Assim, simples. Tinha vontade de
chegar e não sentir ameaças, não sentir constrangimentos. Queria somente olhar
fundo nos olhos dele e saber que seria nítido, cotidiano, que eu poderia
descalçar os sapatos apertados e as meias puídas, sem que ele reparasse no quão
feios e disformes são meus pés, muito brancos, com dedos curtos unhas irregulares.
Queria que, numa tarde qualquer de sábado, eu pudesse pousar livremente meus
pés estranhos sobre a grama fresca e sentir o cheiro de terra, deitado com os
braços abertos e os olhos fechados para senti-la fazer cócegas em minha nuca.
Queria esquecer asperezas sob o sol de junho, que eu sabia que surgiria nos
dias subseqüentes àquela chuva fina de outono. Então, ele repousaria sua cabeça
de cabelos dourados e finos sobre meu peito e não precisaríamos dizer nada
porque não havia nada a dizer. E mesmo que houvesse, prescindiríamos da palavra
falada. Bastaria sabermos que havia vida pulsando dentro de nós. Essa seria
nossa linguagem. Para mim seria suficiente sentir sua respiração tranqüila e
olhar sem pressa seus olhos de um verde-esmeralda profundo pousados nos meus,
negros como a noite. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Eu sabia que ele queria o
mesmo que eu. Ou talvez me esforçasse para reconhecer, como uma pomba
alimentando-se de farelos de pão jogados no chão pelas mãos rugosas de uma
austera senhora, os fragmentados sinais que ele não conseguira esconder.
Entretanto, como não creio nas minhas impressões sobre o mundo, tampouco em
meus próprios sentimentos e nos <i>insights</i>
que tenho, achei que poderia estar enganado. Se fosse realmente um engano,
jamais me recuperaria do fracasso. Aliás, reconheço tantos fracassos acumulados
que há tempos jazeu aquela sensação confortante que me fazia crer que as dores
do mundo me tornariam mais forte. Protejo-me do mundo justamente porque reconheço
minha precariedade e a cada nova marca na pele fico mais vulnerável,
fragilizado e dolorido. Por isso visto minha armadura de lata e saio pelo
mundo, buscando incansavelmente um coração. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Não queria mais
sofrimentos. Sendo assim, não dava muitos passos no escuro. Mas ainda restava
alguma coragem, embora também parca, que me impulsionava em direção a novas
possibilidades. E ele era uma possibilidade, eu via e era nítido para mim. Por
isso enfrentei uma noite escura e sem estrelas, por isso não amaldiçoei o
momento em que começou a chover e eu estava sem qualquer proteção. Eu estava
realmente sem qualquer proteção e era uma escolha consciente. Queria chegar
assim, mesmo molhado, ofegante e desalinhado e dizer que estava de peito aberto
e alma leve, que não estava pronto, mas estava inteiro ali naquele momento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Não sabia exatamente quem
ele era, nem física e muito menos psicológica e emocionalmente. Não conseguia
sequer recordar-me dos detalhes de seu rosto. Talvez isso faça parte do
mecanismo de defesa que minha mente ergue quando existe uma possibilidade de vida
fora de meu casulo autoimposto. Eu acessava minhas memórias difusas para que
não houvesse a chance de abordar um desconhecido. Mas não, isso não
aconteceria, eu sabia intimamente. Porque quando o visse saberia que seria ele,
mesmo lembrando apenas de detalhes impalpáveis e esparsos como um olhar
profundo, uma sensação leve de roçar de cabelos ou um gosto de mar ou
lágrimas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Cheguei cedo. Sou ansioso.
Sentei-me num canto e puxei um livro do bolso do casaco. Clarice Lispector, <i>“O Lustre”</i>. De tempos em tempos ela
retorna e me faz companhia. Respirei fundo, tentei achar uma posição
confortável no banco frio de concreto, protegido das intempéries em um coreto
coberto de glicínias roxas. Cruzei as pernas, abri o livro sobre elas,
mantendo-o aberto colocando ambas as mãos espalmadas sobre margens das páginas,
e pousei os olhos no seguinte trecho: <i>"Ele
estava vivendo longe. Eu te sinto em alguma parte e não sei onde estás -
conseguia ela pensar <st1:personname productid="em palavras. Seu" w:st="on">em
palavras. Seu</st1:personname> amor era tão fino que ela sorriu constrangida,
atravessada por uma frígida sensação de existir. Parecia-lhe extremamente
estranho que nessa mesma noite ele vivesse nesse mesmo mundo, que não
estivessem juntos e ela não visse o que ele fazia, tão mais forte que a
distância era o seu pensamento de amor. Amor era assim, não se compreendia a
separação - concluía com docilidade".</i> Se eu fosse dado a crenças
místicas nos mistérios da vida, acharia que era um sinal do universo. Talvez
uma mensagem de Clarice, talvez de Deus, talvez d’Ela a pedido d’Ele, talvez d’Ele
através d’Ela e do livro que eu tinha <st1:personname productid="em m ̄os. O" w:st="on">em mãos. O</st1:personname> fato é que sinto que Clarice me
entenderia, se estivesse sentada ao meu lado naquele banco do coreto da praça
da matriz. Se eu pudesse sentar com ela e conversar sobre a vida, eu diria que
estava sentindo, no momento em que li essas palavras, exatamente o que ela
tinha dito naquelas páginas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Olhei na contracapa a data
da publicação da obra: 1946. Provavelmente escrito entre 1943 e 1944. Isso era
o menos relevante. Ocorreu-me que esse livro havia sido escrito muitos anos
antes do meu nascimento. E lembrei-me de um pensamento infantil que era
recorrente até minha adultez: quão estranho é imaginar que existia vida antes
de nascermos! Que desconcertante é imaginar que coisas próximas – e importantes
- já estavam lá antes de existirmos! Eu tinha plena consciência que era soberba
minha pensar que nada de importante que se relacione à minha vida poderia
existir antes do meu nascimento, mas como disse, era um pensamento infantil. É
diferente de pensar na existência do Rei de Portugal ou na Rainha da França,
eles eram mitos distantes. Mas pensar que Clarice escreveu aquelas palavras que
eu lia e que pareciam escritas para mim, que pareciam diálogos que ela travava
comigo, era surreal demais para meu pobre coração. Quis voltar no tempo e
encontrá-la, especificamente nos dias em que ela escreveu aquelas palavras, a
fim de que ela própria confirmasse que ambos somos feitos do mesmo barro.
Impossível, naturalmente, afinal sempre fui um homem inviável constituído de
impossibilidades. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Será que ele eu éramos
feitos do mesmo barro? Para isso eu não precisaria desejar voltar no tempo.
Pelo contrário, desejava que o tempo passasse mais rápido, desafiando todas as
leis da lógica e da natureza, e que ele chegasse logo para que eu pudesse olhar
em seus olhos claros, que eu supunha indisfarçavelmente tristes, e confirmar o
que meu coração e minha mente suspeitavam, para que ele confirmasse que minha
pulsação alterada era indício da sabedoria do meu corpo sobre os mistérios de
existir. Algo em mim vibrava quando sentia a aproximação dele, mesmo que não
física. Eu gostava da sensação de sabê-lo próximo. Apesar da ansiedade e da
tensão desse encontro, do desconforto do banco onde estava sentado e da
ausência etérea da voz de Clarice, que em momentos como aquele me arrebatava
ainda mais, eu estava em paz porque encontraria alguém que dava indícios – pelo
menos em meu imaginário – de ser uma possibilidade de amor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Éramos tão desconhecidos e
ao mesmo tempo tão próximos. E embora fosse angustiante essa esfera vermelha
que se expandia em meu peito, eu estava arrebatado. Vivíamos de limites, de
precariedades, de antagonismos. Minha mente era inundada por pensamentos
contraditórios. Sentia um prazer enorme por saber que existia alguém que se interessava
por mim do jeito que eu era e logo pensava que muito provavelmente ele não me
conhecia, porque eu mesmo devia ter me mostrado com algumas nuances abrandadas
para ser mais facilmente aceito. Sentia uma paz quase búdica por saber que eu
poderia criar um elo profundo com alguém sem necessitar de defesas e sem
sentir-me ameaçado. E encadeada com essa sensação eu era invadido por uma
insegurança tremenda por pensar que essas experiências eram apenas projeções de
um sujeito inquieto e solitário que, em última instância, somente queria amar e
ser amado. Sentia uma ponta de medo pulsando no estômago por pensar que assim
como eu projetava nele meus sonhos de amor, ele fazia o mesmo, tentando fazer
de mim a peça quadrada que encaixaria no redondo espaço vazio de sua
existência. Será que ele me via de verdade ou via algo que queria ver? Será que
eu conseguiria corresponder às suas expectativas? O que ele queria, afinal, de
mim? A cada passo que eu dava em direção ao local marcado para nosso encontro
surgia um novo questionamento. Porém, ao invés de ser refreado em meus impulsos
na direção dele com esses pensamentos, comecei a andar mais rápido, como se
pudesse deixar toda dúvida para trás se corresse ao seu encontro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Caiu a noite, dura e fria.
A garoa cessara e as luzes dos postes refletiam fugidias nas poças d’água das
sarjetas. A rua, antes frenética de automóveis e pedestres, silenciara. Era
como se o tempo tivesse parado. Não havia sons externos, não havia movimento
fora de mim. Havia somente Clarice, a espera e eu. Eu conseguia ouvir meus
batimentos cardíacos, sentia minha pulsação acelerar e uma sudorese viscosa na
testa, que tentava secar passando a manga do casaco. Ele estava sensivelmente
atrasado, mas tentei achar uma desculpa, como habitualmente faço. Em mais de
duas horas muitas coisas poderiam acontecer: Poderia ser o trânsito; ele
poderia ter tido problemas mecânicos com o carro, com o táxi, com o ônibus, van
ou lotação, com o Zeppelin, balão ou helicóptero, porque não sabia de que forma
chegaria; poderia ser um acidente com ele; poderia ser um acidente com outra
pessoa que impediu a circulação porque a pista estaria inundada por produtos
químicos altamente tóxicos; poderia ter errado o caminho e ter se perdido na
cidade que mal conhecia, até acabar em uma boca de fumo, sendo seqüestrado por
uma facção terrorista da Al-Qaeda na América Latina; podia ser medo, dor de
barriga, ataque cardíaco fulminante, aneurisma cerebral, falta de vontade,
falta de jeito, falta de interesse, bomba nuclear, abdução alienígena,
convocação militar para defender nossas fronteiras de ataques do Irã. Poderia
ser ele, poderia ser eu. Poderia não ser nada. Nada disso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Esperei. Pensei. Busquei
justificativas. Segurava o telefone entre as mãos quase numa súplica para que
tocasse. Silêncio. Não resisti e tentei fazer uma chamada. Caixa postal.
Escrevi uma mensagem dizendo que estava aguardando no lugar marcado, que
entendia o atraso, supunha que algo de grave estava acontecendo e que ficaria
esperando por ele, mas não tive coragem de enviá-la. Ainda restava em mim algum
orgulho ordinário e descabido. Tentei recobrar a calma voltando às páginas
finais do livro. As últimas palavras de Clarice para mim naquela noite foram:
“[...] <i>de súbito, numa primeira
experiência de vergonha, ele sentiu dentro de si um movimento horrivelmente
livre e doloroso, um vago ímpeto de grito ou choro, alguma coisa mortal abrindo
no seu peito uma clareira violenta que talvez fosse um novo nascimento</i>”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><div style="text-align: justify;">
E foi um novo nascimento. Será que ele eu éramos feitos do mesmo barro? Nunca saberei. Engoli o choro, coloquei Clarice no bolso interno do casaco para protegê-la do mundo, ergui a gola, coloquei as mãos nos bolsos e saí rua afora sem rumo certo, saltando sobre as poças d’água, como fazia quando criança, até exaurir os pés ou até as poças e as lágrimas secarem.</div>
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br />
</span><span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;">* [Clarice
Lispector: <i>“O Lustre”</i> (1946)]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-85469021114604165232013-05-15T11:55:00.000-03:002013-05-15T13:36:46.844-03:00DE JUNIOR A RUSSO: A NÓS, QUE NÃO SOMOS MAIS TÃO JOVENS<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSLKNQNwJs0cd2NpzmhJF7W0CiMfxbKLvOq5VP9pAbqshG83M954qCvzr2b5MdGEMr4GKSjTk8f6VKqWRgf47wRjLDuMGdVMBFAQ5jXs4meaBNqiC5c94qEFLWRh2cPhT7axMy1W0zu7Hn/s1600/01.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="466" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSLKNQNwJs0cd2NpzmhJF7W0CiMfxbKLvOq5VP9pAbqshG83M954qCvzr2b5MdGEMr4GKSjTk8f6VKqWRgf47wRjLDuMGdVMBFAQ5jXs4meaBNqiC5c94qEFLWRh2cPhT7axMy1W0zu7Hn/s640/01.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;">Com atuações mornas e um recorte
temporal desconexo e pouco justificável, filme de Antonio Carlos da Fontoura
não chega a atingir o ponto de satisfazer a todos os corações oitentistas apaixonados
por Legião Urbana</span></i><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Já nos preparativos para ir ao cinema eu tive uma sensação quase doída
de saudade, só de pensar em revisitar uma fase da minha vida que foi de grandes
descobertas e transformações profundas. Sou nostálgico, isso não é segredo. Revisitei
minha adolescência. Voltei a ter treze ou catorze anos. Adolescer é complicado.
A gente está sempre à flor da pele - bem, eu continuo -, tudo afeta muito mais,
tudo acontece mais rápido, tudo na vida são urgências e precariedades. A
verdade é que crescer dói. E depois que o turbilhão de emoções passa, quando
olhamos para trás e vemos de longe o que vivemos, às vezes reminiscências vem à
consciência.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Quando o filme </span><i style="font-family: Arial;">Somos Tão Jovens</i><span style="font-family: Arial;">
entrou em cartaz eu já estava predisposto a cultuá-lo e pensava nos sentimentos
que seriam despertados em mim durante a exibição, ensaiando como conseguiria
engolir o choro ao revisitar meu passado despertado pelas músicas e imagens de
um de meus heróis mortos. Minha vida toda é cadenciada por trilhas sonoras
específicas. Na adolescência isso era mais forte. Sempre foi na música, na
literatura e no cinema que busquei refúgio e compreensão do mundo e de mim
mesmo. E fui fã (in) condicional e ardoroso de Legião Urbana desde oitenta e
bem poucos, quando eu ainda era guri de cara lisa e voz desengonçada. Supunha que
o filme seria uma apoteose de imagens e sons, que seria recheado com as músicas
da banda, quase um </span><i style="font-family: Arial;">songbook</i><span style="font-family: Arial;"> ou um
documentário. E ensaiava a dissimulação da catarse que teria quando os créditos
subissem e as luzes do cinema acendessem. Acho que esperei demais. Ou fui invadido
por outra coisa, por um sentimento inesperado, no limite entre a frustração e o
desapontamento.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgq2Rvu3b5yCmNW1w9KY2DACju7oJvu6CQW4td2G4GzvRHIeNL5H3UA8IiVnY23cNP4dnl7v6Bzt5z082WF5GPczvqC1B5kt_RBMe79f4BEzE2_ZiO2QlHEUJ6vlTFNzddv1rPCcX5hO8nc/s1600/somos+t%25C3%25A3o+jovens.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="279" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgq2Rvu3b5yCmNW1w9KY2DACju7oJvu6CQW4td2G4GzvRHIeNL5H3UA8IiVnY23cNP4dnl7v6Bzt5z082WF5GPczvqC1B5kt_RBMe79f4BEzE2_ZiO2QlHEUJ6vlTFNzddv1rPCcX5hO8nc/s320/somos+t%25C3%25A3o+jovens.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: Arial;">A produção, que foi um fenômeno de bilheteria e o maior sucesso do
cinema nacional de 2013 até o momento, faz um recorte entre 1976 e 1985 da
história musical do jovem Renato Manfredini Junior, um atípico adolescente de
classe média que vive em Brasília no período do fim da ditadura militar. O
filme de Fontoura, cujo roteiro é de autoria de Marcos Bernstein (Central do
Brasil), retrata um garoto retraído e frágil física e emocionalmente, que passa
de forma um tanto artificial pelo movimento punk, até realizar o sonho de ser
líder de uma banda de rock de sucesso. </span><span style="font-family: Arial;"> </span><span style="font-family: Arial;">Assim
como acontece com muitos adolescentes, a música era uma forma de
autoconhecimento e de expressão para Russo. Esse momento inicial da vida e da
carreira artística de Renato, de Manfredini Junior a Russo, é protagonizada nas
telas pelo ator Thiago Mendonça (Dois Filhos de Francisco). Do início da carreira,
com a formação da banda pós-punk Aborto Elétrico, embrião da banda Legião
Urbana, à formação inicial desta última propriamente dita, são dadas algumas
leves pinceladas na trajetória do autor de hinos de uma geração como </span><i style="font-family: Arial;">"Que País é Este?", "Geração
Coca Cola", "Eduardo e Mônica" e "Faroeste Caboclo".</i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ1UQuhv__dIRIWo6pWbydrsOufsABP9BukC2BIt9eYAbOc4j7JjW8Gd_C821zDPuYW-npcvCqEvEh3H7WDCz8UWHh-qPwK5ErJeRxne_nt52sjWuir6p6hFqmBmIkwO4z0f4MbkEfklFR/s1600/575630_570141119692317_1719376035_n.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZ1UQuhv__dIRIWo6pWbydrsOufsABP9BukC2BIt9eYAbOc4j7JjW8Gd_C821zDPuYW-npcvCqEvEh3H7WDCz8UWHh-qPwK5ErJeRxne_nt52sjWuir6p6hFqmBmIkwO4z0f4MbkEfklFR/s320/575630_570141119692317_1719376035_n.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Fontoura e Bernstein mostram um Renato mais Junior que Russo. Isso é
bonito e às vezes quase consegue ser poético, mesmo forçando um pouco a barra.
Eles nos apresentam um jovem que também era afetado pelas dores do mundo, que
também tinha uma adolescência permeada por sofrimentos, alegrias, descobertas,
frustrações e pelas limitações que o mundo impunha. Um adolescente comum que
falava a linguagem de sua geração.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">O filme é um intermezzo entre a formação intelectual e musical solitária
de Renato nos anos 1970 e o fenômeno que foi a banda Legião Urbana entre as
décadas de 1980 e 1990. Da mesma forma que o recorte escolhido pelo diretor não
foi o que fez mais justiça à trajetória, nem de Renato Russo e tampouco da
banda, as atuações dos principais atores foram medianas, pautadas por diálogos
artificiais, em especial as expressões construídas a partir das músicas
compostas por Russo. Sandra Corveloni (Linha de Passe) e Marcos Breda (Sargento
Garcia e For All) são os pais de Renato. Suas atuações não merecem maiores
comentários além do registro de não serem mais que bastante superficiais. Faltou
entrosamento e familiaridade com a história. O próprio Thiago Mendonça parece
demorar mais da metade do filme para encontrar o ponto certo do personagem,
embora acerte nos trejeitos em alguns momentos e até consiga arranhar o timbre
de Renato quando canta ao vivo. Porém, somente demonstra alguma veracidade mais
orgânica ao lembrar vagamente Renato Russo com a barba e os óculos de grau
característicos do cantor em tomadas em planos bem abertos. De resto, o filme é
arrastado e demora a encontrar o tom. A primeira metade do filme é uma
introdução arrastada para algo que não chega a acontecer na metade final.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">A banda Legião Urbana foi um marco na cultura musical do país. Foi um
dos principais expoentes do rock brasileiro dos anos 1980. Isso tem uma carga
enorme. Mas a proposta, pelo menos ao que parece, era contar o início da
carreira de Renato e até o surgimento da Legião Urbana e não a trajetória da
banda ou uma biografia detalhada do cantor. A impressão que fica é que haverá
uma continuação do filme. Quem sabe não vira uma trilogia do tipo Crepúsculo?
Acho meio herético, </span><i style="font-family: Arial;">but okay</i><span style="font-family: Arial;">. A bem da
verdade, faltaram elementos, faltou profundidade, faltou paixão. Sobrou
superficialidade, atuações que ficaram como promessas e uma história que ao
final nos deixa com a sensação de que algo se perdeu no caminho ou não foi dito
por preguiça dos realizadores. A impressão é que foi retratada uma vida
observada pelo buraco da fechadura. Faltou amplitude.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0TjWw2tHUpmwHlEXeuhlr9FpqblBQ9pOT3BlxniSo4SA34iyMoZTtsy5Eaf5upMpZ8p-00E9zzV_fF7khuoVvdt1vjdd-ZnZ8k3I5Ii3XZ8gFt2_rcvr23bVmvuC63WMkEUNY2omNDunn/s1600/filmes_1440_Somos-Tao-Jovens_18.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0TjWw2tHUpmwHlEXeuhlr9FpqblBQ9pOT3BlxniSo4SA34iyMoZTtsy5Eaf5upMpZ8p-00E9zzV_fF7khuoVvdt1vjdd-ZnZ8k3I5Ii3XZ8gFt2_rcvr23bVmvuC63WMkEUNY2omNDunn/s400/filmes_1440_Somos-Tao-Jovens_18.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial;">Como contar a biografia de um ídolo no cinema? Como fã, talvez nenhuma
biografia faça justiça a um artista da envergadura de Renato Russo. Da mesma
forma que alguns escritores, como Caio Fernando Abreu, Charles Bukowski,
Fernando Pessoa, Clarice Lispector, outros cantores como Cazuza, Chico Buarque,
Maria Bethânia e outras bandas como The Smiths e umas boy bands insípidas,
Renato Russo e a Legião Urbana povoaram meu imaginário pós-infante e pré-adolescente.
As músicas da Legião traduziram-me. Confortaram, desestabilizaram,
transformaram meu mundo interior. Ousaria dizer que parte do que sou – ou pelo
menos do que fui nessa época – devo a essa potência transformadora das letras e
melodias dessa banda. Por isso eu sempre esperarei mais de uma biografia, seja
contando a trajetória musical do grupo, seja contando a trajetória pessoal de
Renato Manfredini Junior, o Russo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Sua voz ecoou fundo em minha geração continuou ecoando nas gerações
posteriores. Essa face de Renato permeia sua obra, sua poesia e nos faz
relembrar que mesmo que nossos rostos mostrem as marcas do tempo e das batalhas
nem sempre vencidas, somos jovens e ainda é cedo, cedo, cedo. Há nesse filme claramente
a escolha de não se explorar as tragédias pessoais de Renato, como sua morte
prematura, vitimizado pela AIDS em 1996, ou sua homossexualidade, que é tratada
com sutileza e delicadeza. Respeitoso e honesto com a memória do cantor, que em
raras oportunidades expôs na mídia sua vida íntima, o filme não traz novidades
ao grande público, mas não faz sensacionalismos baratos. E por isso, exatamente
por isso, o filme já vale a pena ser assistido. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjen5Z76B3KDMfLrIEPN7f8IIa-oyz-dwPiBNfKVK0NRPHUIFdFA_s1DoUA1TClcC5jsPc-n7KqXONKllQmeeezqXHBxNzj0MB7gm5S0_ndqMmcqLQZzBNwfeQ8rmHIDJrxDiIhz3aqXPfH/s1600/Filme+renato+russo+legi%25C3%25A3o+somos+t%25C3%25A3o+jovens.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="307" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjen5Z76B3KDMfLrIEPN7f8IIa-oyz-dwPiBNfKVK0NRPHUIFdFA_s1DoUA1TClcC5jsPc-n7KqXONKllQmeeezqXHBxNzj0MB7gm5S0_ndqMmcqLQZzBNwfeQ8rmHIDJrxDiIhz3aqXPfH/s640/Filme+renato+russo+legi%25C3%25A3o+somos+t%25C3%25A3o+jovens.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 6.0pt; tab-stops: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-2271785145810630602013-05-07T11:36:00.000-03:002013-05-07T11:36:45.887-03:00QUANDO FAL(T)A O CORAÇÃO<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0mR4yiW46Mdu1GVSsg40EaFDK053ZDk0mOdAuaooA2yWbrcxd_RppwrtLfKWfIvKRISb26gLN-ce3Uy-q3lVmQVeiwkjZk2FkAomGQ608KVbYtvN5Ff7R_4X18fdhDCrwLkdnNEmlXWaW/s1600/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-7.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0mR4yiW46Mdu1GVSsg40EaFDK053ZDk0mOdAuaooA2yWbrcxd_RppwrtLfKWfIvKRISb26gLN-ce3Uy-q3lVmQVeiwkjZk2FkAomGQ608KVbYtvN5Ff7R_4X18fdhDCrwLkdnNEmlXWaW/s640/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-7.jpeg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Tem
um dia da semana que é o meu predileto. É o dia em que as salas de cinema tem
promoção de meia entrada. É meu dia de cinema barato <st1:personname productid="em Wonderland. Nesse" w:st="on">em <i>Wonderland</i>. Nesse</st1:personname> dia, chego cedo para conseguir
comprar ingressos e para não enfrentar muitas filas. Nestas terras longínquas
ao sul do equador as pessoas cultivam filas como entes queridos. Às vezes,
porém, sou surpreendido. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Cheguei
na hora do início da sessão. Imaginava ter que enfrentar uma multidão. Enganei-me.
Não havia fila. Nem ao menos a moça da bilheteria estava em seu posto. Tampouco
a moça da pipoca ou a que recebe os bilhetes controla a entrada dos espectadores.
Aliás, nesse caso, a da pipoca e a da porta eram a mesma pessoa. Além de ser essa
mesma moça quem higienizava os sanitários, como ela mesma comentou. Sinais da
crise? A sala de exibição estava completamente vazia. As duas funcionárias do
cinema, cujas funções eram acumuladas, não pareciam estranhar o fato de estar
acontecendo uma sessão praticamente particular, o que me leva a crer que é um
fato corriqueiro. O fato de o filme não cair no gosto do público brasileiro não
me espanta. Não existe uma política de formação de público por estas paragens.
Os espectadores aqui não são talhados para esse tipo de produção porque o ritmo
diferente do <i>blockbuster</i> americano é
estranho ao olhar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">De
Coração Aberto (<i>À Coeur Ouvert</i>) é uma
produção franco-argentina e conta com a participação da musa francesa Juliette
Binoche (Mila) e do venezuelano Edgar Ramírez (Javier) nos papéis principais. Binoche,
que já participou dos pungentes Os Amantes da Ponte Neuf (1991), A Liberdade é
Azul (1993), do aclamado O Paciente Inglês (1996) e do interessantíssimo Cópia
Fiel (2010), fica apagada nesta produção. Reconhecidamente uma das grandes
atrizes francesas da atualidade, parece que nos últimos anos ela não tem feito
boas escolhas. Ramírez, por sua vez, talvez esteja no auge da carreira. Somente
em 2012 participou de três produções: A Hora Mais Escura, Fúria de Titãs 2 e De
Coração Aberto. Desses assisti somente o último, confesso. O roteiro e a
direção ficam a cargo de Marion Laine. Este é o segundo longa da diretora, que
também assina a direção do sensível e intimista <i>Un Coeur Simple</i>, de 2008, baseado na obra do escritor francês
Gustave Flaubert. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDIoereMWSFr0zbEbEwmlqTsxV3ybnhtqHszHYhpEZZbMJxFU4x3SHNcGmsTct7PZUqLwsC_vMKHLUubv5M4vEELqk4FT8XVQfzv3s1bPND_p31ENUzYQM0wJMbX8gWnJP54Wh-KeaWC_E/s1600/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-13.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDIoereMWSFr0zbEbEwmlqTsxV3ybnhtqHszHYhpEZZbMJxFU4x3SHNcGmsTct7PZUqLwsC_vMKHLUubv5M4vEELqk4FT8XVQfzv3s1bPND_p31ENUzYQM0wJMbX8gWnJP54Wh-KeaWC_E/s400/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-13.jpeg" width="400" /></a><i><span style="font-family: Arial;">À Coeur Ouvert</span></i><span style="font-family: Arial;"> é um filme interessante. A trama é repleta de símbolos
possui vários pontos atrativos. Javier e Mila formam um casal de cirurgiões
cardíacos apaixonados, independentes, alternativos, descolados e bem longe do
padrão dos casais convencionais. São parceiros na vida e no trabalho. Ele é um
latino que conseguiu reconhecimento na Europa. Ela é francesa. Ele é competente
e alcoólatra. Ela é talentosa e uma ameaça profissional a ele. Vivendo juntos
há dez anos, são surpreendidos por uma gravidez inesperada, o que melindra a
relação e traz à tona medos e angústias individuais de ambos. E isso é mostrado
quase de forma explicativa logo nas primeiras cenas do filme. Daí em diante,
existe pouca – ou quase nenhuma – surpresa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">O
esvaziamento das salas nas exibições desse filme deveria ser um sinal. Já havia
lido que a produção foi um fracasso de bilheteria em seu país de origem, mas
não via isso como um sintoma. Porém, após a exibição saí da sala com a sensação
de que os atores estavam um tanto descompassados com a atmosfera do filme e
entre si, o que me dispersou e me fez olhar o relógio várias vezes. Em alguns
momentos a narrativa é arrastada e há dissintonia entre discurso e ação. Com a falta de uma boa direção, os
protagonistas ficaram sem um balizador do tom de suas atuações. Binoche estava
um tom abaixo e Ramirez um tom acima. A delicadeza quase etérea dela e a
voracidade hercúlea dele em uma narrativa, que ao que parece aspirava ser
naturalista, ficaram negativamente acentuadas e desconexas. Ao invés de serem
exploradas as chagas de corações abertos em uma relação em crise, parece que
foi realizada, de forma febril e inconseqüente, a crônica de um amor louco que
beirava a histeria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Nessa
geléia de enganos de uma narrativa repleta de obviedades e truculências, os
diálogos superficiais e monótonos não chegaram sequer a ser um rascunho do que
talvez fosse a ideia do filme. Existem tentativas de instigar o espectador com
metáforas e simbologias artificiais, como a relação bem óbvia da profissão de
ambos com o título do filme e com a ideia de corações partidos e a casa onde
eles vivem, que se deteriora à medida que a relação se transforma. Mesmo que eu
não esperasse a redenção do amor, ou tivesse criado qualquer expectativa com relação
aos destinos da trama, parece-me que desfecho foi abrupto, como uma necessidade
premente de encerramento porque os recursos – financeiros e narrativos - escassearam.
Ademais, a atmosfera realista e naturalista da trama se dilui em um final
alegoricamente fantástico repleto de artificialidades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Apesar
de algumas virtudes do roteiro e do talento dos protagonistas, o filme se perde
em superficialidades e falhas de direção. É um filme que não é mais que
tangente. Tangencia os temas centrais, tangencia a profundidade da relação dos
protagonistas, tangencia as simbologias que aponta ao longo da narrativa. Mesmo
com uma boa fotografia, que se percebe pelo cuidado com alguns detalhes de luz
e textura, o filme tem algumas quebras que tiram a atenção do espectador de
forma inevitável. Talvez tenha faltado traquejo à Marion Laine. Faltou jeito e
um olhar mais sensível na direção dos atores, na condução das tomadas, na
montagem (que às vezes é bem sofrível). No fim da sessão entendi os motivos do
fracasso. E embora não justifique a sala onde assisti ao filme estar vazia - porque
os motivos aqui no Brasil são outros - faz sentido uma sessão praticamente vazia.
É lastimável porque o filme tinha tudo para dar certo. Porém, o pulso de Laine
foi frouxo. Espero que ela tenha mais sorte (e lucidez) na próxima investida. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGLuBbSa_n0-Fdmsk-GS69Zpv8pTHuEhaeQEzTXKl5hsSV1h6CsrgMTEWcrK6wnOU60ry4j_mcINGJXrbSLRocmyEZbSPCljmp7r8O7-nGCsxQPH2TgaVzKWPZnWIPsBfLzjSHAXXZOhTH/s1600/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-3.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="416" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGLuBbSa_n0-Fdmsk-GS69Zpv8pTHuEhaeQEzTXKl5hsSV1h6CsrgMTEWcrK6wnOU60ry4j_mcINGJXrbSLRocmyEZbSPCljmp7r8O7-nGCsxQPH2TgaVzKWPZnWIPsBfLzjSHAXXZOhTH/s640/a-monkey-on-my-shoulder-copyright-marion-stalens-3.jpeg" width="640" /></a></div>
<o:p></o:p><br />
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-34319063052551779202013-04-23T11:12:00.000-03:002013-04-23T11:12:19.495-03:00ACERVO PARTICULAR<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzyRCo9SUVuiRqBWVrP4jupiDWigiY-EHtP_hIb0sKaD082O4ClJo1Hbxc4fVKiTBPXO553BprXkWsCCGMkyEPQGFznRm3y3eCYMViaA7aUIg9t706AzUhYWusXqpxWDN7qiQZ64wpjiqp/s1600/1+Personal+Saint+by+Natalie+Shau.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzyRCo9SUVuiRqBWVrP4jupiDWigiY-EHtP_hIb0sKaD082O4ClJo1Hbxc4fVKiTBPXO553BprXkWsCCGMkyEPQGFznRm3y3eCYMViaA7aUIg9t706AzUhYWusXqpxWDN7qiQZ64wpjiqp/s640/1+Personal+Saint+by+Natalie+Shau.jpg" width="504" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: x-small;"> <span style="font-family: Arial; text-align: center;">“Personal Saint”, by Natalie
Shau</span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial;">[Para ler ao som de "These Days" – Nico]<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Arial;">Parábola sobre a vida cotidiana mais
comum que poderia ser a biografia de qualquer um. <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Meu
nome é Nico. Este não é meu nome original, mas detesto meu nome de batismo. Meu
pai que me perdoe, mas é um nome realmente muito feio. Por isso rebatizei-me. Gosto
de ser chamada assim, lentamente: <i>Ni-co</i>.
Descobri dia desses, mexendo no fundo de uma gaveta do banheiro, que tenho uma
coleção bizarra e involuntária. “Coleciono” escovas de dentes de pessoas que
passaram fugaz e efemeramente pela minha vida, que surgiram do nada e
desapareceram sem deixar rastros. A bem da verdade, algumas marcas ficaram. E
eu esfrego, nego e escondo para que elas desapareçam ou sejam esquecidas. Só no
último ano, “conquistei” quatro novos bustos para o <i>hall of fame</i>. “<i>Tornei-me
perita em extrair faísca das britas e leite das pedras</i>”, lembrando
Calcanhoto. “<i>Acordo</i>”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Se
eu fosse dada a crenças ocultistas, diria que meu banheiro tem uma maldição: A
maldição do porta-escovas. Depois desse emblemático momento, no qual meu
território é demarcado por um forasteiro e o espaço vago da escova de dentes é
ocupado por um objeto novo e estranho, o prazo para que a escova (e eu) sejamos
abandonadas por quem a cravou nesse lugar é de sete dias. Certo, sete dias pode
parecer exagero. Mas já existiram situações em que o sumiço aconteceu em menos
tempo. E tenho vontade de cantar para todos eles: “<i>I had a lover, / I don't think I'll risk another / These days, these
days. / And if I seem to be afraid / To live the life that I have made in song
/ It's just that I've been losing so long.</i>”*<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjr0mTLoo2X89fCSMJGJ8OHDPLQg-YuGKu0IjkOyujATC4Vj47o4hsRDQxHrEahjq1T0arMrB8FYtPQanJBp5Cayb22vqnS1mAbDQcMSJxUThIeeKsg0hgnHLOjlBlyIF1xUJ55MF438Q_/s1600/1+aaaa.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjr0mTLoo2X89fCSMJGJ8OHDPLQg-YuGKu0IjkOyujATC4Vj47o4hsRDQxHrEahjq1T0arMrB8FYtPQanJBp5Cayb22vqnS1mAbDQcMSJxUThIeeKsg0hgnHLOjlBlyIF1xUJ55MF438Q_/s400/1+aaaa.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: Arial;">Já
pensei em fazer uma instalação em uma parede da sala com esses objetos. Quase
como um memorial em homenagem a mortos de guerra. O nome seria bonito: “<i>Memorial do Amante Desaparecido</i>”. Numa
sala branca e completamente vazia, colocaria na parede cada uma em uma moldura,
também branca, como uma caixa de madeira com vidro, e sob elas uma legenda
contanto sua história. Seria hilário e triste. E como as pessoas adoram ver a
desgraça alheia, eu cobraria ingressos. Histórias de separação e abandono
sempre captam público. Seria sucesso garantido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Vendo
essas escovas eu percebo que, assim como a gaveta de meias, as escovas de
dentes contam muito da personalidade de seus donos. Por que acho isso? Porque
fiz uma longa pesquisa de campo, ao longo de vários anos. Se você tiver a
chance, dê uma espiada na gaveta de meias (vale gaveta de cuecas ou calcinhas)
de seu/sua pretendente e veja se a gaveta não é exatamente uma fotografia da
forma de viver dessa pessoa. Veja se as meias estão dobradas em pares ou soltas,
empilhadas ou todas misturadas, se são coloridas ou se são todas brancas, se
estão separadas por cor e tipo, se são na maioria de algodão, esportivas ou
sociais, se estão encardidas, furadas ou puídas. Perceba o que você sente ao
ver essa gaveta. Repare em suas próprias reações. E ao menor indício de que
algo está errado nessa gaveta, acenda a luz vermelha de alerta. E fuja enquanto
é tempo. Provavelmente existe algo que será, no futuro, um foco de tensão entre
você e seu/sua aspirante a par(<i>tner</i>).
Por outro lado, se a gaveta lhe causar boa impressão e admiração - ou inveja
porque a sua é muito mais caótica - veja nisso um estímulo e invista nessa
relação. Mas alerto: Nunca, nunca mesmo, deixe que a outra pessoa perceba que
você fez esse tipo de análise! Essas idiossincrasias nunca são bem vistas pela
população “normal”. Essa investigação deve ser muito particular e sigilosa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Mas
voltemos às escovas que herdei e seus respectivos donos. Uma delas está
praticamente intacta, é uma daquelas cheias de tecnologias, anatomias e ergonomias,
do tipo que tem propaganda na TV em laboratórios iguais aos da NASA e os atores
- sempre com dentes alvíssimos - usam jalecos tão brancos quanto os dentes.
Cerdas super macias, cabo emborrachado, tons neutros. Deve ter sido usada no
máximo duas vezes e provavelmente foi comprada com o intuito específico de
ocupar meu banheiro. Ele era assim também: asséptico e parecia ter sido criado <st1:personname productid="em laboratrio. Outra" w:st="on">em laboratório. Outra</st1:personname>
delas é nova também, suponho. Teve pouco uso, pelo menos. É dessas baratinhas,
simplíssimas, reta, em plástico de cor lilás de gosto duvidoso, tamanho grande
e cerdas médias. É do tipo que se compra em supermercados, normalmente são
quatro ou cinco unidades de cores berrantes num pacote promocional, provavelmente
o valor por cada uma não chega mais que alguns centavos. Seu dono, se fosse
colocado à venda no mercado público, também não valeria muito mais que isso. Outra,
ainda, é uma escova dessas de viagem, cujo cabo vira um estojo para proteger as
cerdas. Brinde de uma rede de Hotéis, é aquele tipo precário de escova de
dentes, que deve ser usada pelo tempo em que se está hospedado no hotel ou até
ser encontrada uma drogaria 24h para que se compre uma escova digna. Não foi o
caso, acho. Escova de viajante, ela é também bem viajada. Provavelmente ele
encontrou-a perdida em sua mala de resolveu desová-la aqui <st1:personname productid="em casa. Pr£tico. Suas" w:st="on">em casa. Prático. Suas</st1:personname>
cerdas estão gastas e tortas e o estojo que deveria protegê-las de contaminação
mais parece uma daquelas placas de laboratório para cultura de fungos, tamanha
a quantidade de resíduos esbranquiçados e pretos de creme dental e bolor. Seu
dono deve estar perdido até hoje em alguma ponte aérea entre Amsterdã e Teerã e
a escova jamais fará falta, porque sempre há um novo hotel no caminho entre
nada e lugar nenhum. A última é idêntica à escova de dentes que uso. Achei uma
coincidência tão romântica duas escovas exatamente iguais em meu banheiro. Cheguei
a pensar que poderia ser algum sinal do universo para que eu não perdesse a
esperança na humanidade. São escovas simples e anatômicas, de tamanho pequeno e
cerdas macias, haste transparente com detalhes emborrachados na extremidade e
possuem protetores de cerdas na cor da haste. Para não confundir as duas, fiz
uma marca na minha. Não tive nem tempo de fazer confusão pela manhã. A escova
foi utilizada uma única vez. Esperei semanas que ela fosse utilizada novamente.
O símbolo do infinito, que tatuei na minha escova em sua homenagem, ficou. A
escova dele foi para seu devido lugar. Quando desisti de esperá-lo
infinitamente, joguei-a na gaveta para perdê-la de vista para sempre. A gaveta
do esquecimento é um bom lugar para elas - escovas e pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Mas
<i>para dor de amor eu não faço sal</i>a**. Por
isso, hoje decidi: visitas à minha casa somente guiadas e sem pernoite. Ou
então posso fornecer um kit-permanência, de cortesia, com escova, creme dental,
fio dental, talvez algum mimo opcional, em uma nécessaire que deve,
obrigatoriamente, ser levada embora no dia seguinte e retornar na próxima
visita, caso exista. Talvez devesse colocar meu cartão de visitas, nunca se
sabe. Porque, né, assim todos estaremos livres das maldições ou de vagarmos,
erráticos, pelo <i>samsara</i>. Mas ainda
não coloquei isso <st1:personname productid="em pr£tica. E" w:st="on">em
prática. E</st1:personname> provavelmente nunca colocarei. Esta é uma daquelas
metas das listas de início de ano que nunca cumpro. Deveria incluir na próxima
lista que devo carregar minha própria escova e cravá-la em banheiro alheio.
Seria minha libertação. E antes disso preciso anotar na porta da geladeira para
não esquecer e repetir como um mantra: - <i>Nico,
imponha limites: Sua casa, suas regras.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Apoio-me
sobre a pia com a mão direita e com a esquerda seguro essa quase meia dúzia de
escovas. Inclino-me e vejo minha imagem refletida no espelho. Mesmo sentindo
ser prática, cotidiana e nítida, ao melhor estilo Passagem das Horas, esse
processo de construção e reconstrução de mim mesma é cansativo. É preciso
encerrar um ciclo para começar outro. É preciso liberar espaço na gaveta, mesmo
que seja para enchê-la com as mesmas coisas. Penso nisso pouco antes de jogar
todas essas lembranças na lixeira ao lado do vaso sanitário. E sinto uma
pontinha de mágoa no peito porque no fundo, bem lá no fundinho mesmo, queria
ter uma vida pacata, de casinha com cerca branca, jardim florido, cadeira de
balanço na varanda e em seu interior sonhos compartilhados. Porque a
Felicidade, desse jeito mesmo com letra maiúscula, como se fosse o nome de um
ente querido, é assim bem Nora Ney: “<i>Felicidade
é uma casinha simplesinha / Com gerânios, em flor na janela / uma rede de malha
branquinha / E nós dois a sonhar dentro dela.” </i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Encerro
mais um ciclo nesta ciranda infinita. Enquanto ouço o barulho das escovas
batendo no fundo da lixeira, tiro o pé do pedal que sustenta a tampa erguida,
fazendo com que ela bata em um soco seco. E penso, bem Nico - a outra: “<i>Esses dias eu pareço pensar sobre / Como
todas as mudanças vieram em minhas direções / E eu penso se eu vou ver outro caminho.”</i>
***<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;">Amanhã, quem sabe?</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfdugEc15H-98vaRdrUXSUnOZzMxfadu0bvQgVlSvdK5xQ-oss_PhVh-EbxFCViulLqIlf3fUfYT7m6FqAq4hX3WxtAuc_U1pUBl-cQ8BRDlc5hfQVbDB6lhsNtxjDmic5Yv6trSjohp9y/s1600/1+barra.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="234" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfdugEc15H-98vaRdrUXSUnOZzMxfadu0bvQgVlSvdK5xQ-oss_PhVh-EbxFCViulLqIlf3fUfYT7m6FqAq4hX3WxtAuc_U1pUBl-cQ8BRDlc5hfQVbDB6lhsNtxjDmic5Yv6trSjohp9y/s640/1+barra.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial; text-align: justify;">____________________________</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">*
“Eu tive um amante</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Eu
não acho que arriscarei outro</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">Esses
dias, esses dias</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">E
se eu parecer estar com medo</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">De
viver a vida que eu criei na música</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">É
só que eu estive perdido há tanto tempo” (Nico – These Days)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;">**Ralador
– Mariana Baltar<b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;">*** “These days I seem to think about</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;">How all the changes came about my ways</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial;">And I wonder if I'll see another highway.” (Nico – These Days)</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;"><iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="360" src="http://www.youtube.com/embed/0_z_UEuEMAo?feature=player_detailpage" width="640"></iframe><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: EN-US;"><br /></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-34665833654333959962013-04-10T21:09:00.000-03:002013-04-10T21:09:34.901-03:00E VOCÊ, JÁ FEZ SEU “OUTING”?<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj3WFIj-eP-P8RVLix1Ul3SCIQXi4F8Lx1hbMd1gNmaQemkXYSPj8V1mb7EEvsYEdy2U-IH4NJB0lJ8FrsizEyJ8t6bGbUm0DL4dMPuhKlc-BUfjnzrM7NZwHLcAUi3rTlaVkxKpDdDAPS/s1600/closet.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="284" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj3WFIj-eP-P8RVLix1Ul3SCIQXi4F8Lx1hbMd1gNmaQemkXYSPj8V1mb7EEvsYEdy2U-IH4NJB0lJ8FrsizEyJ8t6bGbUm0DL4dMPuhKlc-BUfjnzrM7NZwHLcAUi3rTlaVkxKpDdDAPS/s640/closet.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Lembro quando você me
falou,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">dentro do armário,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">só tem bolor e
naftalina.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Vem já pra fora, meu
bem,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">que só aqui é que tem,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">calor e adrenalina.”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">(Zeca
Baleiro – Armário)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Sair do armário”</span></i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"> é um termo com o qual ainda estamos
nos familiarizando. Mesmo quem não sabe exatamente o que significa, já ouviu o
termo em alguma roda de conversa e tem uma ideia, mesmo vaga, do significado. Trocando
em miúdos, a saída do armário é a decisão de indivíduos, que desenvolvem
relacionamentos homoafetivos, de assumir publicamente suas inclinações amorosas.
A origem do termo é um tanto controversa. Em uma versão irreverente - que eu
particularmente acho engraçada, sendo verdadeira ou não - compara o “<i>Coming Out”</i> ("sair para fora")
de indivíduos homossexuais ou bissexuais com um Baile de Debutantes, ou seja,
uma espécie de apresentação desses sujeitos à sociedade. O termo <i>“coming out”</i> teve a palavra “<i>closet</i>” agregada posteriormente, segundo
consta por volta dos anos <st1:metricconverter productid="60, a" w:st="on">60,
a</st1:metricconverter> partir do levante de Stonewall, <st1:personname productid="em Nova Iorque" w:st="on">em Nova Iorque</st1:personname>, numa
alusão à vida no armário como uma vida de negação, sombras, sigilo e segredos escamoteados.
Então, sair do armário é sair das sombras, é deixar a escuridão e assumir
publicamente <i>“a dor e a delícia de ser o
que é”</i>, como cantaria nosso bom Caetano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Nos
últimos dias esse tema tem povoado ainda mais nosso imaginário coletivo e as <i>timelines</i> de nossas redes sociais. Nem
sempre de forma positiva, às vezes de forma indigna, vez ou outra em tom um
tanto desrespeitoso e jocoso, em vários momentos de forma incoerente,
preconceituosa e até mesmo leviana. Mas se há democracia, é necessário que haja
esse espaço para o debate, para posturas corretas e distorcidas e para a
manifestação livre de pensamentos. Percebo que o tema surge como uma atitude de
revolta e repúdio às posturas totalitárias, principalmente de religiosos fundamentalistas.
Ao que parece, <i>“o amor que não ousa dizer
o nome”</i>, termo que o escritor Oscar Wilde utilizava para referir-se à sua
homossexualidade, está mostrando sua cara, em reação a uma minoria que se diz
representante de uma maioria. E desconfio que essa “<i>maioria</i>” não foi consultada se queria ser representada por esse seleto
grupo. Eu, pelo menos, não fui. Você foi?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDCqu4dMbgSSjVC2ewIAswdV1Lk5Nl3enzljQ_5HJcd7uSl93N6LbdtdL0sCk_OZmZIjUvDFWqQFHrb90j3bdS0XQxfwdUGIS5IpqZExDPCnJU4Q7aFbhVwjZ0zBk7X-pak6I7QpEd2nG0/s1600/36352077.o.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDCqu4dMbgSSjVC2ewIAswdV1Lk5Nl3enzljQ_5HJcd7uSl93N6LbdtdL0sCk_OZmZIjUvDFWqQFHrb90j3bdS0XQxfwdUGIS5IpqZExDPCnJU4Q7aFbhVwjZ0zBk7X-pak6I7QpEd2nG0/s400/36352077.o.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Não
se faz política apenas em movimentos sociais organizados ou ocupando cargos
públicos. Tampouco apenas em redes sociais. Fazemos política a todo momento, da
hora de acordar até a hora de dormir, desde os atos mais simples, como o de escovar
os dentes todas as manhãs ou o “sagrado pingado com média” em pé no balcão do
boteco da esquina. Militamos socialmente com o porteiro do prédio, com o
motorista do ônibus, com a atendente da farmácia, com o pai, com a mãe, com o
irmão, com o namorado ou a namorada. E até mesmo sozinhos em nossos quartos, no
escuro, às três da manhã, enquanto pensamos nas mancadas que damos na vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Em
uma entrevista dada ao jornal O Estado, Daniela Mercury diz o seguinte, sobre sua
recente união homoafetiva: <i>"Ou se
assume o ônus de quebrar padrões ou você vive numa posição de
discriminado." </i>Esta frase é de uma profundidade enorme. O ato de dizer
ao mundo sobre sua orientação sexual é, para muitos, libertador e revolucionário.
Mas qual é a real necessidade de falar ao mundo sobre <i>por quem nossos sinos dobram</i>? Simples. Porque é uma forma de fincar
a estaca no chão e delimitar nosso espaço, nosso lugar no mundo. Porque é um
ato político. No entanto, mais que mostrarmos quem somos, é uma forma de
mostrarmos a que viemos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Ouvi
pessoas criticando essa superexposição de algumas figuras públicas em relação a
algo que é estritamente de foro íntimo. A quem interessa saber dos sentimentos mais
ternos e particulares que dispensamos aos demais? Quem quer saber, em última
instância, com quem nos deitamos? Que necessidade é essa que homossexuais ou
bissexuais tem de declarar ao mundo suas afeições que heterossexuais não
possuem? Essas foram perguntas que eu também me fiz. E arrisco uma resposta.
Não interessa a ninguém a quem destinamos nosso amor, ninguém tem que saber
quem é o fiel depositário dos nossos sonhos e desejos. E digo que não, não é
exclusiva de homossexuais a necessidade de falar publicamente sobre seus
sentimentos. É uma necessidade humana. Mas tem um tom contestador (ou
subversivo) quando um homossexual vem a público falar sobre sua intimidade. Subverte
a ordem porque choca ver quebrado o modelo de amor que povoa nossa imaginação.
Alguns ficam, no mínimo, estarrecidos ao imaginar que não existe somente o
modelo “Papai e Mamãe”, “João e Maria”, “Adão e Eva”. Como essas pessoas, que
tem suas convicções abaladas, vão sobreviver à existência afetiva - e como estrutura familiar - de “Adão e Ivo”?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Pensado
como ato político, <i>“sair do armário”</i>
não é somente uma decisão de liberdade individual, é também um direito social. Mais
que falar sobre sexualidade, é dizer que sujeitos políticos nós somos. Ao externarmos
publicamente o que pensamos, expondo nossos sentimentos mais íntimos, sejam
eles quais forem, definimos nosso lugar no mundo. E isso é um ato importante na
nossa construção como indivíduos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Ações
afirmativas surgem de uma demanda originada pela suposta maioria hegemônica
heterossexual, que normatiza conceitos, posturas e sentimentos, que estabelece
o que é certo e o que é errado. Principalmente proíbe veementemente o exercício
daquilo que ela própria definiu como errado. E não é uma imposição, não é uma
“ditadura” (gay), como muitos bradam com tochas em riste, querer defender o
direito a não viver conforme uma norma estabelecida por terceiros sobre algo
que é absolutamente íntimo e particular. Por isso é importante que o oprimido
mostre sua cara e use sua voz. Por isso é importante que existam grupos
organizados para defender esses interesses. Porque é imprescindível dizer que
amor não tem credo, amor não tem gênero, amor não tem cor. O amor está em todos
nós e é um direito nosso exercê-lo como manda o coração. Como diria Drummond, <i>“Amor foge a dicionários / E a regulamentos
vários”.</i> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Precisamos
sair do armário. Não para assumirmos publicamente nossa sexualidade. Para muito
mais que isso. Para assumirmos quem somos em essência, <i>“assumir o ônus”</i> de declararmos quem somos em profundidade, para
lutarmos por dignidade e por nossos direitos mais fundamentais como humanos,
para gritarmos em uníssono por aqueles que não conseguem gritar, para
estendermos a mão àqueles que são iguais a nós. E àqueles que são diferentes de
nós também. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Em
tempos de Felicianos e corjas de inquisidores moralistas, covardes e hipócritas,
é necessário cada um faça seu “<i>outing</i>”
e juntos brademos que somos evangélicos, católicos, umbandistas, budistas,
negros, brancos, pardos, índios, homens, mulheres, gays, bissexuais,
heterossexuais, transgêneros, jovens e velhos. Porque somente sabendo e
assumindo quem somos, poderemos escolher conscientemente quem nos representa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-31474719425075611282013-04-10T11:46:00.000-03:002013-04-10T11:48:41.604-03:00O LADO BOM DA SESSÃO DA TARDE<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFrXt-VBpqzQkdhNtqADvqCVlJcOMxVeI7pDzghbGK2GEKQyAEFDL7knIgGcsk4AdB3rwhELml8KiRikHgyzInkgX9R5PsdJs34MIVZZakAmZe_XqNgMm9hlnog-7QcJXVuoKkJEm6BrQl/s1600/3132589209.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="368" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFrXt-VBpqzQkdhNtqADvqCVlJcOMxVeI7pDzghbGK2GEKQyAEFDL7knIgGcsk4AdB3rwhELml8KiRikHgyzInkgX9R5PsdJs34MIVZZakAmZe_XqNgMm9hlnog-7QcJXVuoKkJEm6BrQl/s640/3132589209.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mesmo tendo certa resistência a determinados tipos de produções cinematográficas, me propus a assistir (em meu ritmo biológico peculiar) a todos os filmes concorrentes, pelo menos nas principais categorias, e aos vencedores do Oscar 2013. Já havia comentado sobre <i>Amour</i>, de Michael Haneke. Agora é a vez de registrar algumas impressões sobre o incipiente “<i>oscarizado</i>” O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook), dirigido por David O. Russell, o mesmo de O Vencedor. As virtudes do filme são confirmadas pela quantidade de indicações ao Oscar, o que mostra que a obra está afinada com o objetivo do Academy Awards. Ou então que o Prêmio da Academia está afinado com a finalidade comercial do filme, demonstrando a coerência de um prêmio cujo objetivo é reconhecer e celebrar a indústria cinematográfica americana. Foram oito indicações, incluindo melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator (Bradley Cooper), melhor ator coadjuvante (Robert De Niro) e melhor atriz (Jennifer Lawrence).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pelo elenco e pelo roteiro já é possível medir a febre da produção. Pat Solitano Jr. (Bradley Cooper) é um homem que entra em crise, perde o emprego e um casamento fracassado e é internado em um manicômio judiciário. Por decisão da mãe (Jacki Weaver) é levado para casa dos pais para continuar o tratamento, em liberdade condicional. Ele retorna obcecado por reconstruir a vida que ele mesmo pôs a perder. No processo de reinserção na vida “normal”, ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence), uma mulher também desajustada que provoca mudanças em seus planos futuros. Com esse enredo já tive certa preguiça e já previ o que aconteceria. Não me enganei. Impossível não fazer spoiler logo na segunda frase da sinopse ou já no título do filme no Brasil, não mais infeliz apenas que o título em Portugal (“<i>Guia Para um Final Feliz</i>”).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFecCmcj2HR2pewEBjOVdNEdM5ZVc1_evPtwet3SRVTM0GWHudKDUJZ8NgMm7tCnfaeKO4SVmugc4iCSSrI7JCTR42-uHxu-K4bky-STJWWPjOwsVR1BgL4P-a-2jyaagnFkzTFfJS3iQx/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFecCmcj2HR2pewEBjOVdNEdM5ZVc1_evPtwet3SRVTM0GWHudKDUJZ8NgMm7tCnfaeKO4SVmugc4iCSSrI7JCTR42-uHxu-K4bky-STJWWPjOwsVR1BgL4P-a-2jyaagnFkzTFfJS3iQx/s400/images.jpg" width="270" /></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora Jennifer Lawrence, vencedora do Oscar, do Globo de Ouro e do SAG Award de Melhor Atriz, esteja realmente boa no filme - e sua atuação o salve em alguns momentos mais enfadonhos - ele não passa de um americanóide previsível. Apesar de todo mérito da moça - e de Robert De Niro, justiça seja feita - ainda acho uma injustiça ela vencer a espetacular e densa atuação de Emmanuelle Riva em Amour. Quando penso nessas injustiças da Academia, lembro que o prêmio não é para os melhores do ano, é para os melhores do ano nos Estados Unidos. Então meu coração se acalma.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Minha sorte é que era um dia qualquer de meio de semana, num fim de tarde com pouco ou quase nada para fazer. Entre um papo relativamente descontraído (e muito inusitado) em uma cafeteria e uma passada de olhos no jornal do dia vi que o filme começaria em quinze minutos. Não hesitei e me joguei na sessão. E se a proposta era um passatempo qualquer sem pretensão alguma, o filme se prestou perfeitamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O lado bom do filme é ser bem feito, bem amarrado e sintonizado ao que se propõe. Ele diz a que veio e cumpre satisfatoriamente. Resumidamente, ninguém se lembrará dele daqui a seis meses, mas é um filme honesto. É “levinho”, “divertidinho”, “bonitinho”. É um filme "inho". Mas confesso agora: em alguns momentos torci para que acontecesse o que aconteceu no desenrolar da trama. Adoro clichês, inclusive na vida real. Pena que do lado de cá da tela, nem sempre os finais são felizes. Por isso nos refugiamos da vida real nessas salas escuras, nem sempre confortáveis.</span></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHWiXHjN7NJV0Ua5aRYA1difFqOdKcTKnFDbdANn_spljSapKfv3K7VMBTUbzWsiIDqobo0qYkdL0Sh3zLPO8fB9p_O_tQFtDEjD8V9ELKxH5QQ2gY8q8TpgXpCh7xW3QWnMJ4cd18cnzd/s1600/images+%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHWiXHjN7NJV0Ua5aRYA1difFqOdKcTKnFDbdANn_spljSapKfv3K7VMBTUbzWsiIDqobo0qYkdL0Sh3zLPO8fB9p_O_tQFtDEjD8V9ELKxH5QQ2gY8q8TpgXpCh7xW3QWnMJ4cd18cnzd/s640/images+%25281%2529.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: Tahoma; font-size: 9.5pt; line-height: 115%;"><span class="textexposedshow"><br /></span></span></div>
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-19552817848495447152013-03-30T20:08:00.000-03:002013-06-17T14:55:48.274-03:00BATE OUTRA VEZ<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiajkW6s3SYzZuXZS_xR8KtRCsI0bZf4vlIRyv60DpZL1EHQyuY20bWr650MuQxoxyJWMEd4AMgD7cYoT9g5pYiHRvdkVGnAPlY11ooOFYsVLFKxwyk0szuQHFTZbL3ji9jHWEDXtogyz3I/s1600/Goni+Montes+-+ilustra%C3%A7%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiajkW6s3SYzZuXZS_xR8KtRCsI0bZf4vlIRyv60DpZL1EHQyuY20bWr650MuQxoxyJWMEd4AMgD7cYoT9g5pYiHRvdkVGnAPlY11ooOFYsVLFKxwyk0szuQHFTZbL3ji9jHWEDXtogyz3I/s640/Goni+Montes+-+ilustra%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="424" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Goni Montes - ilustração</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não foi a esperança em meu coração, como na música, que bateu outra vez. Pela fresta eu vi que era ela quem batia novamente à minha porta. Depois de tanto tempo, só não esqueci seu rosto porque ainda guardava um retrato seu na carteira. Essa imagem eu capturei no primeiro e único encontro que tivemos, até esse momento em que ela invadiu novamente minha vida sem ser convidada. Queria levar comigo uma lembrança dela, como se fosse uma parte de sua alma que me acompanhasse para sempre. Por isso roubei-lhe aquele segundo e congelei-o em minhas retinas com auxílio da minha Carl Zeiss. Como na música, fotografei-a com minha rolleiflex e revelou-se sua enorme ingratidão. Não foi assim romântico como cantado por Tom Jobim. Estava com minha máquina fotográfica, que não é rolleiflex e quando ela não percebia, registrei-a num momento de distração. Ela nem deve ter percebido. Ou se percebeu, para ela tanto fez.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Revelei em casa mesmo essa fotografia. Era como se precisasse dar à luz aquele ser que criei. E pensei que poderia ser meio mórbido ou bizarro, meio como aquele “hábito” pessoas tinham de fotografar seus mortos, lá no início da fotografia, por volta do século XIX. Para aquelas pessoas era, entre outros motivos, uma forma de negar a morte e guardar recordação de seus entes queridos. Acho que queria guardá-la comigo porque no fundo sabia que ela iria embora logo depois. E ela realmente foi. Fiz várias cópias da imagem, com vários tratamentos diferentes. Nunca confessei esse meu “segredinho” a ninguém porque temia ser considerado um psicopata. E tinha mais medo de ter que concordar com as pessoas que dissessem isso. Uma das cópias era grande, coloridíssima. Pensei em colocá-la numa moldura bonita e entregar a ela de presente. As outras eram todas menores. A menor é a que carregava na carteira. Em tamanho 5 cm x 7 cm. Mas ainda assim era possível ver seus olhos tristes e aquele quase sorriso. Ela nunca sorriu abertamente. Esboçava quase-sorrisos, meio de lado, espremendo os cantos da boca. Talvez tivesse medo de ser descoberta na alegria, talvez não se sentisse digna da felicidade. Talvez nem achasse graça mesmo das minhas piadas infames sobre banalidades. Ela sempre foi séria, sisuda, preocupada, reflexiva, corroída por dúvidas existenciais neuróticas. Não era austera (adoro esse termo), era simplesmente sem senso de humor, quem sabe. Meio ríspida, beirando a agressividade, às vezes. Simples assim: Ela era seca no limiar da grosseria. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas essa foto que carrego na carteira era sua marca em minha memória. De tempos em tempos eu revisitava essa imagem e as lembranças irreais que criei dela, quando procurava trocados para pagar o estacionamento, ou um café, ou para comprar chicletes ou preservativos, de madrugada, em uma loja de conveniências 24h qualquer, num dos infindáveis e infrutíferos encontros fortuitos que tive para esquecer ausências e solidões. Ela inundava minha memória nessas horas como uma onda. E depois recuava novamente, fluída e evasiva, para o esquecimento. Quase sentia remorso por não tentar mais uma vez procurá-la, por não ligar ou não mandar uma mensagem qualquer, mesmo que lá no fundo eu soubesse que ela nunca atendeu aos meus chamados porque não estava interessada em mim como eu estava interessado em nós. Eu olhava a foto para não esquecer os detalhes do seu rosto: os olhos muito escuros, pequenos, meio juntos e levemente estrábicos, o nariz que te tão pequeno parecia impossível, a boca miúda, reta, de lábios finos, incompatível com o maxilar quadrado. Seus detalhes - tão pequenos - não eram propriamente um grande feito estético. Ela não era uma mulher de close up. Devia ser vista de longe e em conjunto. Na totalidade, inacessível e distante, ela era uma mulher interessante. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Somente depois percebi que a foto em minha carteira era uma memória distorcida da realidade. Descobri isso quando ela bateu novamente à minha porta. As pessoas mudam, eu sempre soube, mas achei que ela não mudaria. Na verdade, eu não queria que ela mudasse. Ou melhor, eu queria que ela realmente fosse aquilo que eu imaginava dela, aquilo que eu queria que ela fosse. Claro que jamais confessaria que eu queria que ela fosse o que eu imaginava dela. Apenas queria que ela fosse, espontaneamente, tudo o que eu imaginava. E ela era outra. Talvez eu também tenha me tornado outro, quando vi que ela não era nada daquilo que eu criei. E nessas horas não há nada a fazer. Ninguém é vítima, ninguém é culpado. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Meio atabalhoado, abri a porta. Naqueles olhos negros eu ainda via a mesma moça da fotografia. Ela chegou como uma mensagem cifrada, convidando-me para jantar, como se pouca coisa ou nada tivesse acontecido. E nada aconteceu mesmo. Somente meses de absoluto silêncio, telefonemas não atendidos e mensagens não respondidas. Eu não tinha nada a perder. E suspeitava que não tinha nada a ganhar também. Entretanto, nunca dei tratos à minha intuição. Sem hesitar, aceitei o convite. Ficou sob minha responsabilidade decidir a que lugar iríamos. Acho que ela fez isso por cordialidade. Talvez por preguiça. Talvez por desinteresse, o que era mais provável, depois percebi. Pensei em um lugar neutro, nem muito impessoal, nem intimista demais, com boa comida que agradasse a todos os paladares. Gosto de culinária sofisticada, exótica, mas gosto de comidas aconchegantes e familiares. Depois de muito ponderar decidi: uma cantina italiana, minha zona de conforto. Sou inseguro e pouco criativo. Dificilmente ela não gostaria desse tipo de cozinha e eu tinha a desconfortável sensação de não poder errar em nada, de forma alguma. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Marcado o dia, o local e o horário, esperei que o momento chegasse. Nas horas que antecederam o encontro, fiquei um pouco ansioso. Nada demais. Procurei pela casa algo para fazer, a fim de aliviar a tensão pré-encontro. Procurei nas palavras de Jack Kerouac sobre a vida de Buda algo que distraísse minha mente. Servi uma dose dupla de whisky sem gelo, mais para dispersar a atenção da expectativa - que eu criara psicoticamente - com a sensação do líquido descendo rascante pela garganta do que o efeito relaxante do álcool. Coloquei uma música, um Chico Buarque melancólico cantando Olhos nos Olhos me ardendo por dentro mais que o whisky. Sentei-me próximo à janela, esperando o tempo passar, como se ela estivesse prestes a chegar. Claro que ela não chegaria. O combinado não foi esse. Quando acertamos os detalhes de nosso encontro, dispus-me a ir buscá-la em casa, em tom cavalheiresco. Ela não aceitou. Preferiu que nos encontrássemos no restaurante no horário marcado. Disse ainda que iria em seu carro, em tom contestador como se queimasse sutiã em praça pública. Embora não seja ecológico irmos sozinhos em dois carros, não insisti. Talvez fizesse parte de sua mise-en-scène fazer a linha independente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cheguei dez minutos antes do horário marcado. Cabelo penteado, barba feita, encharcado de loção, camisa alinhada, sapatos perfeitamente lustrados. Robótico e detestando tudo em mim. Como no primeiro encontro eu esperei por ela dois chopps, achei que teria uma tolerância de alguns minutos. Talvez se eu chegasse antes pareceria que sou ansioso (e eu sou!). Então, resolvi estacionar e esperar no carro ela chegar, uma vez que ainda não tinha visto seu carro estacionado em frente ao restaurante. Liguei o rádio. Olhos nos Olhos novamente. Não muito apropriado, mas deixei a música mesmo assim, batucando no volante para dispensar a tensão, que a uma hora dessas me causava taquicardia e suores frios. Fiquei pensando sobre a situação que estava vivendo naquele exato momento. E no fundo eu queria ver como ela suportaria me ver tão feliz, como na música, mesmo que eu precisasse dissimular com uma felicidade de Prozac. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desci do carro e acendi um cigarro. Há tempos parei de fumar, mas ainda insisto em usá-lo como bengala de determinadas situações. Na primeira tragada funda que dei senti uma leve tontura. Então vi o quão ridículo estava sendo. Apaguei-o com a ponta do sapato de couro reluzente. Acho que nunca havia lustrado tão bem um par de sapatos. Decidi entrar, para poder escolher uma mesa razoável, em local estratégico, e beber algo, como já era costumeiro, enquanto esperava ela chegar. O restaurante era pequeno, acolhedor e estava lotado. Da porta dei uma olhada geral para me certificar que ela não estaria. Então a vejo acenando para mim. Eu estava atrasado. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cumprimentamo-nos formalmente. A formalidade típica de quem algum dia teve alguma intimidade. Éramos dois velhos conhecidos que não se viam há muito tempo, nada mais que isso. Desculpei-me pelo atraso, mas não disse que havia chegado há quase vinte minutos. Pedi uma bebida para acompanhá-la. O que aconteceu desse momento em diante foi uma sucessão de estranhamentos e equívocos que me causaram algo entre a estupefação e a decepção, tendendo mais à segunda. É como diz uma amiga minha, citando Mario Quintana: “A esperança é um urubu pintado de verde”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nossa conversa esteve longe de ser fluida. Se fosse transcrita, formaria no máximo quatro laudas de frases meio desconexas que davam a impressão de serem dois monólogos distantes e ecoados. Se esses diálogos transcritos fossem o roteiro um filme, resultariam em aproximadamente cinco minutos de filmagem. Um curta-metragem. Mas na prática era como se eu fosse protagonista de um longa-metragem experimental de dezesseis horas, rodado em uma única tomada, sem cortes. Ela contou-me sem entusiasmo de seus dias, de seu trabalho, das viagens que aparentemente tinha feito sozinha, dos desencontros e da falta de comunicação e contato mais próximo com as pessoas. Engraçado que ela reclamava das outras pessoas exatamente uma postura que ela estava tendo comigo até aquele momento. Enquanto ela falava, eu pensava em outras coisas. Queria saber o que existia por trás daquele discurso que ela fazia, onde ela estava naquilo tudo, onde, detrás daqueles olhos escuros e opacos, estava aquela mulher que criei. Onde ela queria chegar com aqueles pensamentos desencontrados e incompletos?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Localizado exatamente à minha frente havia um relógio enorme, decorado em ébano e cobre. Um pêndulo dourado imponente quase me hipnotizava durante os longos silêncios que pontuaram nossa conversa, quando eu não tinha coragem de olhar para ela porque temia que saltassem da minha boca que tudo estava sendo um grande erro e que eu iria embora. Perdia-me em pensamentos, enquanto olhava os detalhes entalhados do relógio. Eram flores, pássaros, folhas e umas formas que eu não identificara se eram cobras ou dragões porque para impressioná-la havia decidido deixar os óculos no console do carro (e pouco enxergo sem eles). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Contei-lhe também sobre meus dias, sem muito entusiasmo, por mera formalidade e para romper o silêncio constrangedor que insistia em se instaurar entre nós. Além de não haver nada muito interessante a ser contato, não tinha muito interesse em dividir minha intimidade com aquela que a cada minuto que passava se tornava mais desconhecida. Tentei dar um ar mais interessante às banalidades de minha vida mediana, sem parecer que estava querendo enaltecer meus feitos, nem tampouco desmerecê-los. Acho que não consegui. Minha máscara sempre cai antes do fim do primeiro ato e acho que não sustentei o personagem. Sentia o suor escorrendo pelas minhas costas sufocadas numa camisa xadrez azul justa demais. Tinha vontade de tirar os sapatos, de desabotoar a camisa e afrouxar o cinto. Não que me sentisse tão confortável perto dela, pelo contrário, era ainda mais constrangedor estar vestindo uma camisa de força em frente à moça de rosto lavado, cabelos amarrados, sapatilhas de pano e camiseta branca em minha frente. Na chegada, quando escorreguei no ladrilho úmido do salão, brinquei que estava desacostumando a caminhar com sapatos porque só usava tênis e ela ainda se achou no direito de criticar meu esforço em arrumar-me com cuidado para encontrá-la. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Lembro que em nosso primeiro encontro, o outro além desse, dividimos alegremente uma porção medíocre de iscas de carne com torradas num boteco qualquer, ao som de blues envolventes. Trocamos gentilezas acerca da última torrada, cristãmente partida ao meio. E rimos descontraidamente da jocosa porção servida, como rimos do chopp morno e do atendimento ruim. O que importava naquela hora era a companhia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De semelhante com o primeiro encontro, o segundo tinha a nossa incapacidade de nos envolvermos. Na verdade eu me envolvi depois do primeiro encontro, mas não foi recíproco. Ainda consegui manter meu equilíbrio, mesmo cortejando a insanidade. Nossa segunda noite terminaria como a primeira, talvez. Iríamos para minha casa, beberíamos um vinho ou algo assim, eu colocaria uma música, diminuiria a luz, nos aproximaríamos, eu finalmente poderia tirar os sapatos, que a essa altura pareciam instrumentos medievais de tortura, e dormiríamos juntos. Provavelmente haveria uma distância abissal entre nós. Trocaríamos carícias mornas, ela seria fria e eu mocho. No dia seguinte, recobraríamos a consciência, sentiríamos um constrangimento disfarçável, pularíamos o romântico café na cama e eu chamaria um táxi para que ela fosse embora da minha casa o mais rápido possível. Então, trocaria os lençóis, abriria todas as janelas e apagaria os vestígios dela em minha vida, sentindo algo entre solidão e repulsa. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A cada cinco minutos eu olhava a hora que o relógio marcava. O tempo se arrastava torturantemente. Pensei em encurtar o encontro comendo mais rápido, pois assim poderia dizer que era hora de ir embora. Ainda estávamos no couvert e ela não parecia muito inclinada a pedir o prato principal. Acenei para que fizéssemos o pedido o mais breve possível, insinuando que estava famélico, quando na verdade estava até com uma leve indisposição. Até que pedíssemos a entrada, o prato principal, a sobremesa e o café já haveria passado a noite toda e enquanto isso eu imploraria para que a chave da minha cadeira elétrica fosse girada. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Finalmente o primeiro prato chegou. Tratei de servi-la, gentilmente, e depois servi uma porção para mim. No fim, ela reclamou que eu havia comido a última bruschetta de mussarela de búfala tomate e manjericão, deixando somente a de presunto de Parma, que ela detesta enfaticamente. E tive uma revelação através daquela última bruschetta: Se com a entrada ela fez isso, o que restaria quando fosse servido o prato principal? Nessa altura, eu já havia desistido de pedir sobremesa, mesmo sabendo que aquele lugar servia uma torta tiramissu deliciosa. Não havia clima e isso estenderia demasiadamente o jantar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O problema naquela hora era a companhia. Foi então que vi que ela não existia. E que eu não existia para ela. E que a reclamação não era por causa da maldita bruschetta. Era eu o problema. Porém, aquele pãozinho torrado com queijo, azeite e ervas revelou minha absoluta miséria existencial. Depois que ela me tratou como um assassino de sonhos por haver maculado a última infame bruschetta, que ela achava-se no direito de reivindicar como sua, fiquei tão consternado e sem ação que tudo o que queria voltar para minha casa, vestir meu pijama e assistir a reprise de algum filme antigo na TV, protegido do mundo, protegido dela, protegido de mim mesmo. Nossas vidas, que se uniram através de uma torradinha com molho de maionese dividida em duas partes iguais, se afastaram derradeiramente por causa de uma fatia de pão italiano coberto com mussarela de búfala. A única lembrança que fica dela em mim é a certeza de, na próxima vez, lembrar de pedir porções individuais e escolher melhor minhas companhias.</span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-64054569180702532362013-03-18T09:59:00.000-03:002013-03-18T09:59:43.598-03:00ISSO QUE SE CHAMA AMOR<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_UB-DYfYQcZeuhtTmjxMyszdEW4SzuhToBaylUS-jlgJ6kq5k194jx_i3CIuEE907bV9DoUn91VB0N1Z-TfHJLhV0Z3xx2AVlhFWwrbEtfu2oNi9AQHnwpqArH-OgI458qWr24hbkhMqq/s1600/amor9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_UB-DYfYQcZeuhtTmjxMyszdEW4SzuhToBaylUS-jlgJ6kq5k194jx_i3CIuEE907bV9DoUn91VB0N1Z-TfHJLhV0Z3xx2AVlhFWwrbEtfu2oNi9AQHnwpqArH-OgI458qWr24hbkhMqq/s640/amor9.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>Solidão, compaixão e dignidade: os ingredientes do amor de Haneke</i> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Michael Haneke mexe com o que
tenho de mais profundo. E não é uma sensação boa. Acho que é comparável a um
exame invasivo, como uma endoscopia. Ou pior. É algo comparado a uma sessão
pesada de análise. Daquelas que fazem a gente sair sem saber para que lado
correr. Ele me deixa atabalhoado como um bom analista deixaria. Saio do cinema
destroçado e grato, tal qual aquele bom analista que me manda embora da sessão
sem saber se conseguirei caminhar até o elevador. Bons cineastas, assim como bons
terapeutas, são aqueles que nos tiram de nossa zona de conforto. Obviamente que
isso não é bom o tempo todo. A bem da verdade, quase nunca é. Principalmente
porque me refugio do divã na poltrona do cinema. Às vezes prefiro ver filmes
bonitinhos e levinhos, que me fazem ver o mundo mais colorido, da mesma forma
que troco uma sessão de análise por uma boa conversa num boteco com meus
queridos. Quem gosta de mexer em feridas profundas o tempo todo? Quem gosta de
sentir constantemente um soco no estômago? Quem gosta de ver que o mundo (Nota:
o nosso mundo interior<a href="" name="_GoBack"></a>) é meio feio, meio cinza? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ele me chegou numa tarde cinzenta
e fria de sábado, embora sendo março. (Nota: dia apropriado para um café
fumegante e uma fatia generosa de torta com abundante calda de chocolate.
Chocolate conforta em dias cinzentos). Desde o lançamento do filme eu esperava
o momento certo de assisti-lo. Sabia da badalação que o cercava e vivia um
misto de receio e indisposição em relação à obra. Confesso que não sei se esse
dia foi o mais acertado. Achei o início do filme lento, arrastado, em vários
momentos meu pensamento voou longe, tentei me acomodar melhor para vencer o
sono e a dispersão. Queria parar na metade e ir tomar um <i>cappuccino</i>. Foi aí que vi que esse era o objetivo do diretor, como
sempre. Assim como fujo de sessões pesadas de terapia, fujo de filmes que
reviram minhas vísceras existenciais. Mesmo querendo sempre ser arrebatado e
surpreendido por tudo e por todos, acho que comecei a assistir ao filme esperando
ver algo mais “amoroso”, em sentido vulgar e corriqueiro mesmo. Fui
surpreendido por uma visão da vida que me deixou, no fim da sessão, um tempo
não contado olhando para o teto, tentando recobrar o fôlego e emergir. Estava
esvaziado. Sentia-me como se minha vida toda e minha visão romântica do amor
tivessem sido tomadas de assalto e eu tivesse recebido um choque elétrico nas
pálpebras. Ver outras vidas (im?)possíveis - mesmo sendo pela janela que Haneke
abriu - e ter contato com um outro olhar sobre o mundo (interior e exterior) é
assim, tira a gente do eixo. E é aí que ele me pegou de jeito: gosto da obra do
cineasta austríaco justamente por seu jeito amargo de mostrar um mundo duro. Ou
da crueza como mostra um mundo amargo. Sem rodeios, sem ufanismos, sem
eufemismos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-sNYsL62G2iueDHE6ozF-HtRQ31voelNd04e89BgaFQQUu9ZQOMKdMqAq1ESsBqBlOPS6HSKKUJqgvlRYR7-9xOnfhxiyFPQkSQXwb-QegWM4q_2_HweXluS1tZZGr96txevZpE5uQulK/s1600/amor4.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-sNYsL62G2iueDHE6ozF-HtRQ31voelNd04e89BgaFQQUu9ZQOMKdMqAq1ESsBqBlOPS6HSKKUJqgvlRYR7-9xOnfhxiyFPQkSQXwb-QegWM4q_2_HweXluS1tZZGr96txevZpE5uQulK/s400/amor4.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por isso alerto: Haneke não é
para Sessão da Tarde. A exemplo de outros filmes inquietantes, como <i>Caché</i> (2005) e A Professora de Piano (<st1:personname productid="La Pianiste" w:st="on"><i>La
Pianiste</i></st1:personname>, 2001), Amor (<i>Amour</i>, 2012) não é uma obra que trata de questões como velhice,
compaixão, solidão e companheirismo de forma complacente. <i>Amour</i> é um filme que fala sobre o que é o verdadeiro amor (quando
há amor). Sobre os limites da vida a dois. Sobre o fim da vida. E embora seja um
filme sombrio e arrastado, principalmente para os padrões hollywoodianos, foi o
vencedor do Oscar de melhor filme em língua estrangeira, tendo sido indicado
também para melhor filme, cenário, direção e atriz (Emmanuelle Riva). <i>Amour</i> venceu, ainda, a Palma de Ouro no
Festival de Cannes e os Cesares de melhor filme, ator, atriz e diretor.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A obra, escrita e dirigida por
Haneke, é um tratado sobre a vida, sobre o lado amargo dela. E embora envolva
sempre a sombra da morte, não é um filme que trata diretamente sobre o tema.
Não é por acaso, penso, que a cena inicial mostra um cadáver em decomposição
sendo encontrado pela polícia e toda a trama se desenrola <st1:personname productid="em feedback. A" w:st="on">em <i>feedback</i>.
A</st1:personname> trama gira em torno da vida cotidiana de um casal de idosos,
Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant), que vivem sozinhos
em um amplo apartamento parisiense. A partir de um acidente vascular cerebral
que paralisa um lado do corpo de Anne, vê-se a decrepitude dos protagonistas, o
limite da devoção de Georges e a luta de ambos para manterem sua dignidade. O
elenco ainda conta com a participação de Isabelle Huppert, como Eva, a filha do
casal, que aparece em alguns momentos para lamentar e choramingar a situação da
mãe. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>Amour</i> trata de maneira seca e dolorosa, pungente e compassiva, das
formas que encontramos de sobreviver a nós mesmos e aos nossos desastres. É um
filme que esmiúça dos sentimentos mais profundos e mais humanos como se
trilhasse o curso das águas de um rio através de um leito repleto de pedras. É
um filme que fala sobre como sobreviver quando chegamos ao limite inevitável. É
impossível acompanhar Haneke nessa viagem e permanecer o mesmo. É impossível
sair do cinema do jeito que entramos. Se você está pronto para embarcar nessa
incursão, respire fundo, abra os olhos e experimente-se.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMzpu4Ap29xNAFZzylKDFf6R3W2vI4wEDL4fM09bORi3mfZ0AO06HJFDK8MjpFAvNC3Pqtmb5yoJqr4i5051RfiK_9kphd9USHzGp7bmWQUJ5UMAk-oK1lTWnUgtkMWedaPnoCXrnZy31B/s1600/amor5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="90" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMzpu4Ap29xNAFZzylKDFf6R3W2vI4wEDL4fM09bORi3mfZ0AO06HJFDK8MjpFAvNC3Pqtmb5yoJqr4i5051RfiK_9kphd9USHzGp7bmWQUJ5UMAk-oK1lTWnUgtkMWedaPnoCXrnZy31B/s640/amor5.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-47526959111693697752013-03-08T17:02:00.003-03:002013-03-18T15:49:42.043-03:00PARA A PAGU QUE EXISTE EM CADA UM MANDO UM BEIJO<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEXmnipFxVFrLm5NYAEBV7j-JVC28DCYfT09ctgTmqIRdA3L0us817iLrmIICKljx6X0HmJD55cuM8kJp0uJhzhz4tUwNbQ84o8Zq2dk6VejI6QGJXpgPBHiZSs8rvL26eucXix6V7-A2t/s1600/PARA+A+PAGU+QUE+EXISTE+EM+CADA+UM+MANDO+UM+BEIJO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="478" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEXmnipFxVFrLm5NYAEBV7j-JVC28DCYfT09ctgTmqIRdA3L0us817iLrmIICKljx6X0HmJD55cuM8kJp0uJhzhz4tUwNbQ84o8Zq2dk6VejI6QGJXpgPBHiZSs8rvL26eucXix6V7-A2t/s640/PARA+A+PAGU+QUE+EXISTE+EM+CADA+UM+MANDO+UM+BEIJO.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Hoje é dia de render
homenagens. Pululam flores, mensagens, frases de efeito que enaltecem a condição
feminina. O problema é que, para muitos(as?), é somente hoje. E eu queria
apenas que isso não fosse necessário.<i><o:p></o:p></i></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Hoje
cedo fui interpelado por uma moça, uma conhecida, no elevador. Ela me perguntou
o que eu faria para homenageá-la. Perguntou, à queima-roupa, o que eu daria de
presente a ela. Não entendi. Era muito cedo e eu ainda estava sonolento, <i>“operava por instrumentos”</i>, sem óculos
de sol, sem fone de ouvido e sem café preto na veia. Perguntei se era seu
aniversário. E ela lascou que obviamente não, mas que hoje é o dia dela, porque
é o Dia Internacional da Mulher. Não me contive e respondi: <i>“Acho que eu mereço
flores. Meu lado feminino clama por homenagens no dia de hoje. Graças a vocês, me
tornei Pagu. Um beijo.” </i>Se fosse possível comandar a trilha sonora do elevador
naquela hora, eu colocaria, ao invés do tradicional Kenny G, Caetano cantando <i>“Super-Homem (A Canção)”.</i> Porque o que
eu queria dizer a ela é justamente isso: Que minha porção mulher que até então
se resguardara é a porção melhor que trago em mim agora. <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho
certo ranço dessas datas que lembram as lutas das “<i>minorias</i>”. Dia internacional da mulher, Dia da Consciência Negra, Dia
do Orgulho Gay, Dia do Índio. Acho tudo meio alegórico e quase folclórico.
Compreendo que são movimentos que objetivam maior visibilidade e servem como um
grito de grupos oprimidos, não necessariamente minoritários. Servem para criar
um espaço de reflexão e crítica, para lembrarmos eventos violentos e dolorosos,
para essas marcas que carregamos na memória não sejam apagadas e principalmente
para que as situações do passado não se repitam. Porque todos temos lutas
diárias, todos matamos um leão por dia para conquistarmos nosso espaço. Mas
fico incomodado com essa necessidade feroz de bramir quem somos e a que viemos.
Acho humilhante ter que me agregar aos meus pares e gritar em coro para ser
respeitado pelo que sou. Acho doloroso ser considerado minoria. Acho triste ser
oprimido por outra minoria mais forte que quer solapar minha condição, seja ela
qual for. <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sei
que tenho uma visão um tanto romântica e idealista da vida. Sei que é ilusão
pensar que um dia nada disso será necessário. No meu mundo ideal, todo dia é
dia de todo mundo. E a gente vive junto e a gente se dá bem, como cantaria Lulu
Santos. Entretanto, no elevador hoje cedo, fui trazido à realidade pela moça
que queria ser reconhecida em sua condição primordial. Tive vontade de
perguntar: <i>“Mas afinal, o que você fez para merecer esse presente que
reivindica?”</i> Mal sabe ela que eu a reconheço e a valorizo todos dias, não
somente hoje. Ela não tem ideia do que as gerações anteriores à sua precisaram
fazer, neste mesmo dia 08 de março, para que ela pudesse pedir presentes
descuidadamente no elevador. Mal sabe essa pobre moça, que a data de hoje talvez
não tenha despertado nela um sentimento de valorização de si mesma pelo que
realmente é. <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se
o mecanismo social é de pregar a igualdade, não é estabelecendo diferenças que
seremos iguais. Saliento que não acho que devemos ser tratados como iguais, mas
devemos ser respeitados em nossas idiossincrasias. Igualdade é tratar o semelhante
como semelhante em suas particularidades e o dessemelhante como dessemelhante
em suas peculiaridades. Mas semelhantes e dessemelhantes não são outra coisa
senão o mesmo barro. Eu me construo, o outro me constrói, eu construo o outro,
o outro constrói a si mesmo. Explico: Não sou mulher e objetivamente nunca
serei. Mas bem no fundo, tem coisas femininas com as quais me identifico. E me
torno mais mulher a cada dia. Aprendi a, femininamente, me sensibilizar com o é
digno e me dessensibilizar com o que é descartável. As mulheres que lêem este
texto agora, se lançarem um olhar apurado sobre si mesmas, tenho certeza que
também identificarão traços masculinos. E nem por isso serão homens. <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Não acredito, sinceramente, que valoriza e enaltece a
condição feminina, castrada desde sempre, definirmos papéis. Não é porque somos
mulheres que merecemos ser reverenciadas, tampouco porque somos homens que
devemos reverenciar. Não é estabelecendo a diferença entre <i>“coisas de mulher”,</i> e <i>“coisas
de homens”</i> que seremos tratados com o respeito que merecemos. Não nascemos
homens ou mulheres, mas nos tornamos. E é por isso que hoje rendo homenagens a
todas as mulheres que me fizeram ser um pouco mulher. </b><b>Então,
meninas, hoje é também meu dia. Vamos trocar flores?</b></span><br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b> </b><br /><o:p></o:p></span></div>
</div>
<span style="font-size: 12pt;">
</span>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-29105105519137335962013-03-01T18:19:00.000-03:002013-06-11T13:26:40.651-03:00HOCUS POCUS: E UM AMOR NOVINHO SALTA DO CHAPÉU DE UM LOUCO!<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjU_EwfQPCHZO-lTwdHem8IyUZ8YkBKqZvWzKoxLtTtbJr-VLZi-tiDN0AiBVzSDRGGtbVwOPY6RoeazO04uWwIPRxelV2XD2U-VdoUhbThSeNYcfXjkDPZ7gDms81MMcCvueO42kcdcfh/s1600/tumblr_m580zwdIIa1rua0q0o1_500+(1).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjU_EwfQPCHZO-lTwdHem8IyUZ8YkBKqZvWzKoxLtTtbJr-VLZi-tiDN0AiBVzSDRGGtbVwOPY6RoeazO04uWwIPRxelV2XD2U-VdoUhbThSeNYcfXjkDPZ7gDms81MMcCvueO42kcdcfh/s640/tumblr_m580zwdIIa1rua0q0o1_500+(1).jpg" width="510" /></a></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: right;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></i></b></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: right;">
<b><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Antes
de declarar sua preferência por alguém, espera-se que você venha a conhecê-la
gradualmente e por meio de palavras; não devemos cair de amores (ou de tesão) à
primeira vista.” <o:p></o:p></span></i></b></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: right;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">(Alain de Botton: “Como Pensar Mais
Sobre Sexo”. Ed. Objetiva. Pág. 42)<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Com a citação de Allain de
Botton já começo este texto de forma um tanto amarga. Saliento, entretanto, que
amargura pode ser boa. Vide um espesso, aromático e forte café preto. Cafés
assim devem ser sorvidos com parcimônia, permitindo que seu sabor inunde cada
papila. E sem açúcar. Adoçar um café de qualidade deveria ser crime passível de
proibição perpétua de bebê-lo por profanar seu Santo Corpo Negro. Ou ainda a
referência a um “bom veneno”, que como canta Nina Becker, “<i>é amargo e os melhores vêm em pequenos frascos</i>”. A amargura nos
alerta sobre os perigos do mundo, objetivos ou não. Temos instintivamente a
noção primitiva de que o que é amargo é nocivo e pode nos matar e o que é doce
é benéfico e nos nutrirá. Diabéticos, porém, são o exemplo de que venenos podem
ser doces também. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Não quero falar sobre
amarguras. Na verdade quero sim. Mas vou falar das doces amarguras. Ou das
doçuras amargas. Quero falar das doces e amargas ilusões que perdemos e nunca
mais encontramos. E vagamos erráticos desde então, querendo recobrar nossa
insanidade infantil e ingênua primordial. A busca de Parsifal pelo Santo Graal
perde! <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>É confortável viver
iludido. A gente vive melhor. As ilusões nos mantêm vivos e esperançosos. São
elas que alicerçam as religiões, os casamentos, as instituições familiares e as
sociedades corporativas. Sem ilusão, o mundo talvez fosse um caos completo. A
vida que chamamos de real – mesmo sem saber se é porque não sabemos mais o que
não é real – é mais dura. E mais amarga, obviamente. Por mais tentados a
iludir-nos que vivamos, sempre sopra aquela voz no ouvido (esquizofrenia?)
dizendo que não adianta fechar os olhos porque o sonho morreu. But <i>I have a dream</i>, embora meu sonho seja
mais egoísta que o de Luther King. <o:p></o:p></b></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0VKBJiKc5unflT1-QYby9ttITSKrtMhB3iKsH-AuG9vweB8QnSFCbTDVtnPqjd9UTZegw8ema_hfCe9Yta47sUwhLESGdWDGezXrPDsueYRDgia2_lzUGr3wWircQipE0d1K2fiX8yoQj/s1600/zin_zan_the_magician_vintage_image_reproduction_for_framing_ec902a87.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><b><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0VKBJiKc5unflT1-QYby9ttITSKrtMhB3iKsH-AuG9vweB8QnSFCbTDVtnPqjd9UTZegw8ema_hfCe9Yta47sUwhLESGdWDGezXrPDsueYRDgia2_lzUGr3wWircQipE0d1K2fiX8yoQj/s400/zin_zan_the_magician_vintage_image_reproduction_for_framing_ec902a87.jpg" width="267" /></b></a></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Percebo, andando pelas ruas
e principalmente pelos bares da vida, que as pessoas andam ávidas, cansadas e
impacientes. Desejosas de algo que nem sabem o que é porque nunca viveram.
Todos nós temos a ilusão midiática e mercantil de <i>Amor,</i> assim mesmo com letra maiúscula, e buscamos essa satisfação
imediatamente. O Amor é algo intangível tratado como produto, é um bem que
esperamos encontrar nas prateleiras de lojas de departamentos ou sites de
compras (leia-se sites de relacionamentos). Não vemos o outro, vemos através
dele nossa própria imagem refletida em suas pupilas. Bem Narciso. O outro não
passa da possibilidade de ser o <i>puzzle</i>
encaixado na lacuna que temos em nossas existências. Ele não precisa existir de
verdade, basta não reclamar de ficar encaixado no espaço diminuto que destinado
a ele, mesmo que ele seja um octógono enfiado em um triângulo. E isso é
urgente. Tem que ser agora. Porque qualquer um pode ser potencialmente “o
grande amor para a vida toda da semana”. <o:p></o:p></b></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>O “Grande amor” foi
submetido à outra lógica nestes tempos difíceis para sonhadores. Antes era
envolto em uma aura de perenidade e constância. E era uma quimera, convenhamos,
mas isso é outro assunto. Agora, o amor eterno dura vinte e quatro horas e
durante esse período é para sempre. Tudo é chama. Nada é imortal, portanto. Mas
há a obrigatoriedade, velada e tácita, de ser infinito enquanto dure. Será uma
maldição de Vinícius de Morais para as gerações futuras? Se comparado com o
passado, amar hoje é menos ilusório. Mas gera muito mais frustração. Amor de <i>fast food</i> neurotiza o coração. E se o
sujeito choramingar reclamando, tudo desmorona. Assim: <i>CLIC</i>! Libertamo-nos de amarras sociais e vivemos um amor tão livre,
mas tão livre, que se tornou soberbo, arbitrário, intransigente e intolerante
com tudo que é diferente de si. Egomaníacos, queremos um duplo de nós mesmos.
Buscamos neuroticamente alguma coisa que nos falta. Queremos vestir uma calça
tamanho 36 quando nossa cintura é 42. E tem que caber! <i>Duela a quien duela</i>. E tem que ser perfeito e incrível no espaço de
um estalar de dedos. Ou somos todos condenados à escuridão e ao ostracismo
eternos. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Sistematicamente, incautos
vendedores de ilusões batem à porta oferecendo-nos, envoltas em tecidos
brilhantes, promessas de felicidade eterna. Com elas chegam-nos certificados de
satisfação garantida ou devolução de nosso tempo perdido. Eles aparecem meio
Vanessa da Mata, cantando ao pé do ouvido: “<i>Se
você quiser eu vou te dar um amor desses de cinema</i>”. Faz parte da mise-en-scène do canastrão caricato. E volta e meia caímos nessas teias. Por mais desconfiados e
desencantados que estejamos, uma mentira almofadada bem vivida pode ser melhor
que a realidade fria de mármore. Pelo menos precária e provisoriamente. <i>Saída pela esquerda</i>, Leão da Montanha.
Bons encontros spinozianos são bem-vindos. Bons orgasmos freudianos - se que é
existem - são necessários. Bons passatempos para dias chuvosos, para tardes
sonolentas, para noites friorentas. Para ir ao cinema, para jantar fora vez ou
outra. Para satisfazer necessidades físicas e psicológicas, objetivas e
subjetivas. Não há mal algum na precariedade, desde que honesta.<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Entretanto, até aquilo que
é provisório, precário, ilusório e fronteiriço tem que ser maturado. Existe
certo ritmo e determinado rito que lhe são próprios. Como um vinho precisa de
tempo para chegar ao ponto ideal, uma boa refeição demanda de rituais e tempo
precisos para ser apurada, uma relação <i>fast</i>
também precisa. E não é porque é “<i>fast
relationship” </i>que devemos quebrar todas as regras sociais (?) que dão sabor
a ela. O fato é que, assim como para um bom apreciador de gastronomia macarrão instantâneo
não tem vez, para um bom amante, amor instantâneo é miojo. Se café instantâneo
não satisfaz o paladar de um bom barista, não vai ser uma paixão instantânea
que vai satisfazer o coração. Contudo, a título de exercício livre da
ludicidade, ser iludido conscientemente, tendo um olho a pestanejar e outro que
agita, pode dar uma cor a dias nublados. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial;"><b>Ilusionista que se preze,
engana-nos e aplaudimos, entusiasmados com o frio na barriga que sentimos. E
parafraseando Caio F. Abreu, digo: que <i>nem</i>
seja assim tão doce! Não importa. Desde que seja intenso sem medida certa, no
tempo que for necessário, sem toque exato, mas que ainda assim seja um tiro
certeiro. Doce ou amargo, tanto faz, mas autêntico e honesto. Que não seja
febril e histérico, mas que seja lúcido. E que não queira nos fazer parecer um
hambúrguer do McDonald’s no Drive Thru em dia de McLanche Feliz. </b><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjO3HwX_Fbvo9lMFR35XUmOfjcCeXu78fbkE4-ZQm2doq-JKHkoUN2g3lB8jkxP3BlXY9kIu8fClFxU6ljjaXSn0IBHvV-0cY4QQquSsP1c3B6sdIdM5EnObeIgv2gtwSyLkz_Fj6HOQ6R9/s1600/tumblr_m7q7igldi91qzx4bjo1_500.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjO3HwX_Fbvo9lMFR35XUmOfjcCeXu78fbkE4-ZQm2doq-JKHkoUN2g3lB8jkxP3BlXY9kIu8fClFxU6ljjaXSn0IBHvV-0cY4QQquSsP1c3B6sdIdM5EnObeIgv2gtwSyLkz_Fj6HOQ6R9/s320/tumblr_m7q7igldi91qzx4bjo1_500.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></b></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-50073262873053721672013-01-29T20:47:00.002-02:002013-01-29T20:47:47.967-02:00SOBRE CINZAS<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5-A5uUgKxkRmYp24DWtrBUGvMGNSms8QqhF7N3t1onerg6F_QlXHFc9kzdjbZsgr2V29YhZ44iKKN4_I1ZbmuFuLtCB9zy2iYhOqhSN0c7ApiB3z2wqq5OeSEA9v9sHclZM2gSRBe2-ee/s1600/Fotogradia+de+Jo%C3%A3o+Machado+-+Guarulhos-+SP+(+olhares.uol.com.brjoaomachadobahia).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5-A5uUgKxkRmYp24DWtrBUGvMGNSms8QqhF7N3t1onerg6F_QlXHFc9kzdjbZsgr2V29YhZ44iKKN4_I1ZbmuFuLtCB9zy2iYhOqhSN0c7ApiB3z2wqq5OeSEA9v9sHclZM2gSRBe2-ee/s640/Fotogradia+de+Jo%C3%A3o+Machado+-+Guarulhos-+SP+(+olhares.uol.com.brjoaomachadobahia).jpg" width="448" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: x-small;"><b>Fotografia de João Machado - Guarulhos- SP ( olhares.uol.com.br/joaomachadobahia)</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>É nas horas de vulnerabilidade que
vemos nossa verdadeira face. A face feia de nossa finitude, de nossa
incapacidade, de nossa impotência e de nossa limitação.<o:p></o:p></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Tentei fugir
de todas as formas deste assunto. Relutei o quanto pude me expor ao sofrimento
de reviver minhas tristezas e meus desastres pessoais através da aproximação e
do reconhecimento dos sofrimentos alheios. Tentei não mexer ainda mais numa
ferida que, embora não marque minha carne propriamente, dói fundo em mim como
se fosse minha. Queria poder recobrar
minhas forças em silêncio meditativo, porque acho que é o mais digno a ser
feito numa hora de burburinho midiático quase histérico. Por respeito a mim e
principalmente por respeito a todos os diretamente afetados. Tentei não expor
ainda mais uma tragédia que ainda pulsa sangrenta em nossa memória, ampliada pela
lente de minhas perdas pessoais. Não queria explorar de forma sensacionalista o
sofrimento e a comoção de centenas de pessoas. Sofrimento que humildemente
assumo meu neste momento. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Temia ser
mais um a poluir as vidas das pessoas com relatos inflamados e empapuçados de
sentimentos muito particulares. Mas não consigo deixar de falar sobre isso. Este
é o assunto em todas as rodas de conversa pelas ruas, em todos os meios de
comunicação, em todas as redes sociais. E o tema bate à porta da minha memória
o tempo todo desde o último domingo. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Não evitei até
agora falar exaustivamente sobre essas dores por covardia ou algo parecido. Nada
disso. Evitei porque queria decantar minhas aflições afloradas. Porque estamos
todos ainda sob efeito de intensas e recentes emoções. Porque todo mundo se
sente um pouco vítima e um pouco sobrevivente, um pouco familiar de cada vítima
neste momento. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Era para ser
mais um domingo comum, hiperbolicamente ensolarado de Janeiro. Era para ser
mais um domingo de bermudas e chinelos, de churrasco com a família, chimarrão
com os amigos no calçadão, de choppinho no fim da tarde, de caminhada no
parque. Era para ser um domingo de preguiça e ressaca da festa da noite
anterior. Mas não foi assim que aconteceu. O domingo amanheceu com o céu
manchado por nuvens negras de fumaça tóxica e um cheiro de desespero invadiu
nossas casas. Um silêncio desolador pairou sobre todos nós. E esse silêncio era
rasgado por sirenes frenéticas e choros desesperançados. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Fui solapado
pelos telefonemas aflitos de amigos e familiares estupefatos. Minha preguiça
dominical foi abruptamente rompida por uma enxurrada de informações na TV e na
internet. Com a voz ainda em falsete de sono eu dizia, atabalhoado, que mal
sabia o que estava acontecendo e que dormira tão profundamente que não atenderia
facilmente qualquer telefonema antes das nove e meia da manhã. Parecia que <i>La</i> <i>Doña
Muerte</i> havia entrado em meu quarto sem pedir licença e destruído para
sempre a minha paz. Que direito ela tinha de me ceifar a tranquilidade de um
domingo qualquer? Que direitos quem quer que fosse tinha de dilacerar milhares
de corações, ceifar centenas de vidas, desconsolar famílias inteiras?<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Esse domingo
marcará injusta e violentamente nossas vidas, direta ou indiretamente, para
sempre. Porque não existe forma de não nos afetarmos com o que aconteceu aqui, em
nosso quintal, não importa se moramos <st1:personname productid="em Santa Maria" w:st="on">em Santa Maria</st1:personname>, Bogotá ou Tóquio. Nesse domingo,
todos estávamos no mesmo lugar. Porque não dá para fechar os olhos para as
lágrimas do vizinho, fechar os ouvidos para o choro ruidoso do amigo, do pai ou
da mãe, negar a boca para uma palavra de consolo a um desconhecido devastado no
meio-fio da calçada. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Tenho
crenças religiosas fortes, mas não gosto de dar explicações religiosas para os
fatos. Acho que Deus - quer você acredite Nele ou quer que Ele exista ou não -
não tem nada a ver com isso. Não foi Ele quem condenou pessoas a morte. Nem o
diabo, como muitos insistem ignorantemente em afirmar. Não foi Ele quem decidiu
que haveria uma tragédia com mais de duzentas e trinta mortes. Não foi Ele quem
decidiu <i>“matear com a gurizada no céu”</i>,
como alguns dizem para amainar a dor na alma que não cessa. Não será Ele que
vai consolar as vítimas, tampouco seus familiares. Entretanto, isso que digo não
tem absolutamente nenhuma relação com falta de fé. Pelo contrário. Acredito
firmemente que fé é fundamental. É nela que buscamos forças, é através dela que
nos reconfortamos. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Compreendo
que para muitos “Deus” é a representação de sua fé. E digo que tudo bem se
acreditarem que <i>“foi Deus que quis assim”</i>.
Cada um encontra sua forma particular de dar sentido ao seu mundo. Porém, ainda
prefiro acreditar que Deus não <i>“existe”</i>
para isso. A função dele em nossas vidas é outra. Mas gostaria de falar sobre o
que entendo por fé e sobre a fé que vejo pelas ruas nestes dias estranhamente
silenciosos. Uma fé fundamental para que continuemos existindo neste mundo de
forma subjetiva, porque para existirmos de forma objetiva não precisamos de quase
nada além de um pouco de água e alguma comida. A fé a que me refiro é uma fé
pura e simples nos atributos de humanidade que os seres humanos - suspeito que nem
todos - possuem. Uma fé que nos conforta quando enfrentamos duramente a
realidade de não termos mais nossos queridos entre nós. É a fé mais humana e
sincera no próximo e em nossa capacidade se superarmos a nós próprios. Não é
uma fé metafísica, mística, mágica ou espiritual. É sim aquela fé na existência
de alguém que estenda a mão quando estamos sofrendo, aquela fé que nos impele a
oferecer um copo d’água, um ombro, um abraço, cinco minutos de nosso tempo escasso
para ouvir em silêncio o outro chorar. É a fé naquelas pessoas que arriscaram
suas próprias vidas para salvar as vidas de desconhecidos. É a fé no amparo
fraterno, no acolhimento sincero, na solidariedade sem qualquer retorno ou
recompensa.<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>Acalma meu coração
ver a união das pessoas nesses momentos de sofrimento. Vi diversas
manifestações de solidariedade e de humanidade, em meio a tanta violência e
atrocidade, em meio a tanta negligência e omissão. Porque é nessas horas de
vulnerabilidade que vemos nossa verdadeira face. A face feia de nossa finitude,
de nossa incapacidade, de nossa impotência e de nossa limitação. É quando o
outro sofre que vemos nossa própria imagem refletida. E muitas vezes é nossa
pior face. Vendo o sofrimento alheio, nos deparamos com os nossos e vemos que
também podemos sofrer tanto quanto o outro ou mais. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b>É quando
sofremos extremamente, e achamos que não vamos ter forças para superar a dor incrustada
em nossos corações, que emerge nossa verdadeira essência humana. Mostramo-nos mais
verdadeiros quando emergimos de nossos escombros. Não tal qual Fênix, a deusa pássaro
da mitologia grega que morria e renascia de suas próprias cinzas, porque não
renascemos. Apenas continuamos vivos, com todas as cicatrizes que nos competem.
E de uma forma ou de outra, seguimos em frente. E que bom que às vezes surgem
outros seres que nos estendem a mão para que juntos sobrevivamos aos nossos
desastres. </b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwyLOZq36kZ_-HhyphenhyphenDl0DnO17IrrhP84glWIcLmyH0M4xzgi6GMepoIRb8iTK2gXygSieY47K6bcqHPMoW1FcZZc4jw2-4Xk2_dTI2Io5MwhXXPkAQwC5yHjKV0IvgdX8gwDCTclBBGM-ja/s1600/Fotografias+de+Jo%C3%A3o+Machado+-+Guarulhos-+SP+(+olhares.uol.com.brjoaomachadobahia).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="176" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwyLOZq36kZ_-HhyphenhyphenDl0DnO17IrrhP84glWIcLmyH0M4xzgi6GMepoIRb8iTK2gXygSieY47K6bcqHPMoW1FcZZc4jw2-4Xk2_dTI2Io5MwhXXPkAQwC5yHjKV0IvgdX8gwDCTclBBGM-ja/s640/Fotografias+de+Jo%C3%A3o+Machado+-+Guarulhos-+SP+(+olhares.uol.com.brjoaomachadobahia).jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: small; text-align: center;">Montagem com Fotografias de João Machado - Guarulhos- SP ( olhares.uol.com.br/joaomachadobahia</b></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-71908986989528395672013-01-05T22:29:00.002-02:002013-03-06T10:36:01.734-03:00O PALHAÇO MAIS TRISTE DO MUNDO<br />
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmc1ap1GE1LUbdRgS51wRVsl5YYYzsFtj8mdjKtNiUuUB_NjgqfrIMZbs3wra5ejVe99dIu47s72V5xrKxmf19tjS_sp8xp6_aWXXQrCht18pXFEsSWYPx0x3loxGugu7Cigdp4dCUT523/s1600/2012-Oil-Painting-By-Andrew-Salgado-If-One-Mans-Joy-is-Another-Mans-Sadness.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmc1ap1GE1LUbdRgS51wRVsl5YYYzsFtj8mdjKtNiUuUB_NjgqfrIMZbs3wra5ejVe99dIu47s72V5xrKxmf19tjS_sp8xp6_aWXXQrCht18pXFEsSWYPx0x3loxGugu7Cigdp4dCUT523/s640/2012-Oil-Painting-By-Andrew-Salgado-If-One-Mans-Joy-is-Another-Mans-Sadness.jpg" width="552" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"> </span><b style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 8.5pt; text-align: center;">Andrew Salgado, “<i>If One Man’s Joy is Another Man’s Sadness” </i>(2012).
Courtesy Beers.Lambert</b></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Voltei pra me certificar<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Que
nunca mais vais voltar<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Vais
voltar, vais voltar”</span></i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">(Bastidores
– Chico Buarque)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tu sabes
como é quando ficamos exauridos? É, exauri. Por isso estou aqui, olhando minha
cara no espelho mais uma vez. Esfrego um lenço úmido para tirar a maquiagem,
mas ela não sai, apenas desenha manchas disformes e coloridas em minhas faces
sem expressão alguma. Minha cara é um grande borrão agora. Todas as cores
misturadas, sem qualquer lógica, mas com todo sentido. Somente agora vejo que o
verdadeiro sentido de minha existência está expresso nesses borrões que
desenhei querendo apagar minha própria história de palhaço tatuada para sempre
em mim. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Na verdade
não vejo sentido no que tenho sentido. E nem sei se deveria ter algum sentido.
Talvez não haja sentido no que não é sentido. Ou talvez todo sentido da vida
esteja em analisa-la sem procurar sentido. O que eu estou dizendo agora? Deveria
suspender o gim. Não! Somente ele me compreende. Por isso ergo o gim! Um brinde,
respeitável público! Um brinde ao mais infeliz de todos os palhaços! Não estou referindo-me
a ti. Tampouco falo contigo. Estou falando sobre este palhaço besta que vejo no
espelho agora. Sim, sou eu mesmo. São para mim os aplausos. São para ti as lágrimas
que luto para não derramar cada vez que te vais. Pode ser para nós o brinde?
Não, nunca poderá. O brinde é também todo meu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tranquei a
porta do camarim, fechei as janelas e <i>chorei,
chorei, até ficar com dó de mim*</i>. Quero que os aplausos cessem. Quero que
as vozes cessem. Quero que as palavras cessem. Quero que os ruídos, interiores
e exteriores, silenciem. Existem muitos ruídos aqui dentro de mim. Desejei (e
como desejei!) ter junto a ti silêncios povoados de significados indizíveis,
aqueles momentos em que os silêncios seriam maculados por palavras.
Ficaríamos quietos em nós mesmos e um no outro, enquanto veríamos o tempo
rasgar vagarosamente nossas vidas, delegando ao justo esquecimento nossos
passados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Mas silêncios
são complexos. Para distinguirmos os férteis dos inférteis é necessário que
conheçamos ao outro intimamente. Quanto a nós, nunca chegamos a nos conhecer. Como
diz a música, “<i>existe um preconceito
muito forte separando você de mim**</i>. Mas não me vitimizo. A culpa foi minha
também. Nunca consegui ultrapassar o abismo dos teus olhos esverdeados e
brilhantes. Da mesma forma, nunca compreendeste o que calou minha boca seca.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Não esperei
grandes demonstrações tuas. Queria as <i>“minimalezas”</i>,
as sutilezas, as gentilezas e as cotidianidades. Queria anoitecer e amanhecer contigo.
E quando anoitecesse, queria apenas garantias de que amanheceríamos juntos. Queria
que tivesses para onde voltar das tuas longas jornadas. Queria a certeza de que
eu poderia ir e teria um porto para atracar quando voltasse. Mas sempre voltei
para a casa vazia e para a cama fria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O que precisei
a vida toda - e nunca tive de ti - é presença. Nunca foi companhia o que te pedi
em todos os momentos de mendicância extrema e indigna. Tampouco me satisfaziam os
presentes raros que trazias de além-mar. Tu saías antes do sol nascer porque o
cais é apenas uma parada provisória. E deixavas tuas migalhas sobre o
criado-mudo esperando calar-me. Quanto a mim, navegar não é preciso. Viver é
preciso. Mas exigir isso de ti é muito, não é mesmo? Teu espírito é elevado
demais para satisfazer meus desejos tão primitivos e egomaníacos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Disparatado
da minha parte desejar que me quisesses quando estavas aqui olhando-me nos
olhos, como dizias querer-me nas cartas, escritas com caligrafia impecável, que
mandavas dos portos onde chegavas. Tuas cartas tinham o cheiro dos lugares por
onde passavas e se eu inspirasse profundamente o papel conseguia sentir o
cheiro acre das tuas mãos hábeis <st1:personname productid="em iludir-me. Sabes" w:st="on">em iludir-me. Sabes</st1:personname>, teve um tempo no qual eu seria
capaz de identificar de onde o sujeito vinha pelo cheiro de sua bagagem. Os
lugares tem cheiros característicos. Este lugar, por exemplo, cheira a mofo. Este
é o seu cheiro, por mais que limpem e perfumem com flores, essências e incensos. E a casa que eu queria que fosse nossa cheira a morte, principalmente agora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Soou a
primeira campainha, preciso terminar de vestir-me. Mas não é isso que queria
dizer. Minha teoria é que as cidades têm cheiros característicos e que eu
consigo identificá-los porque sempre fui um andarilho atento. Pretensão minha?
Talvez. Assim como foi pretensão minha achar que serias capaz de transformar
nossas vidas ou que eu seria capaz de manter-te junto a mim por vontade tua.
Assim como sou um astuto em identificar aromas, sou persuasivo para satisfazer
minhas vontades. Eu quis que ficasses porque cansei de ser um cavaleiro andante.
Talvez agora tenha conseguido fazer-te permanecer, não? Mas agora não quero que
fiques. Acho que teu lugar é o mundo, tua casa são os sete mares. Por isso
quero despedir-me definitiva e dignamente de ti.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Defendo-me
de ti mostrando-me a ti. Soou a segunda campainha. Hora de entrar no palco mais
uma vez. Preciso da peruca colorida, do meu nariz e do sorriso falso. É triste
ser reduzido a um personagem, porém esses elementos são minha marca e jamais
serei alguém sem eles. Agora eu sou o personagem, a máscara grudou
definitivamente em minha cara e devo aceitá-la. Logo precisarei retornar ao que
chamamos precariamente de lar para encontrar-te, meu querido. Preciso limpar as
marcas do nosso último encontro, recolher os cacos espalhados pelos cantos,
arejar e incensar todos os cômodos para as boas energias entrarem, dar-te um
beijo de despedida na testa e após carregar até o porto a arca onde o teu corpo
que um dia quis meu e jogá-la ao mar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">* Trecho da
música Bastidores – Chico Buarque de Holanda<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">** Trecho da
música Preconceiro – Antonio Maria e Fernando Lobo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-65749862871728023372012-12-31T14:55:00.000-02:002012-12-31T14:55:05.625-02:00DA ETERNA BUSCA POR SENTIDO <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDjA0F_iiFoVE3pzfk9mFdh-wLI1Bu7gKwdw27KOcuBmcNFdrlvqpNFZULlQ-hn-_IN94N1vD0oWeILVL2fGg4Tm-QaO2s4S4kEeE7CcId8QRhR9Lumz1cLsFYS4gO75CDc8v6zuleOdM5/s1600/colcha+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDjA0F_iiFoVE3pzfk9mFdh-wLI1Bu7gKwdw27KOcuBmcNFdrlvqpNFZULlQ-hn-_IN94N1vD0oWeILVL2fGg4Tm-QaO2s4S4kEeE7CcId8QRhR9Lumz1cLsFYS4gO75CDc8v6zuleOdM5/s640/colcha+2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>“Para fazer uma colcha de retalhos,
deve-se escolher os retalhos com cuidado. Se escolher bem dará destaque à obra,
mas se escolher mal as cores ficam sem vida e tiram sua beleza. Não há regras a
serem seguidas. Deve-se seguir o instinto e ser corajosa.” <span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></b></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>(Trecho do filme Colcha de Retalhos)<o:p></o:p></b></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><span style="line-height: 115%;">ONDE MORA O AMOR? Esta é a pergunta central da trama do
sensível e feminino <i>Colcha de Retalhos
(How To Make An American Quilt)</i>, de 1995, o primeiro longa metragem
dirigido pela australiana Jocelyn Moorhouse. A história gira em torno das
(re)construções existenciais da
personagem <i>Finn</i> (Winona Ryder), uma acadêmica
que está escrevendo uma tese sobre trabalhos femininos coletivos em diversas
culturas. Sua teoria é que todos os trabalhos artesanais coletivos dessas mulheres
são realizados de forma ritualística. Prestes a concluir sua tese, depois de
diversas tentativas frustradas de realizar outros trabalhos similares e
abandoná-los por perder o interesse pelos temas, ela decide deixar a vida que
levava com o noivo <i>Sam</i> (Dermot
Mulroney) e passar uma temporada de verão na casa de sua tia <i>Glady Joe</i> (Anne Bancroft) e de sua avó <i>Hy</i> (Ellen Burstyn), com o objetivo de
repensar os rumos sua vida acadêmica e pessoal. Reencontra, então, os rituais
de um grupo de mulheres de uma pequena comunidade no interior da Califórnia,
com os quais está familiarizada desde a infância. Elas reuniam-se, sob o
comando da forte <i>Anna</i> (Maya Angelou)</span><span style="line-height: 115%;">, com o objetivo de confeccionar colchas de retalhos com
temas específicos, que é uma tradição bastante comum no interior dos Estados
Unidos. Juntas formavam o que chamavam de <i>Clube
da Costura</i>. Naquele verão, o tema da colcha que o clube preparava era o
resgate das memórias de amor daquelas artesãs, sob o título <i>“Onde Mora o Amor?”</i>. Cada uma delas
seria responsável pela elaboração de um quadrado da colcha e o trabalho final
seria presente de casamento para <i>Finn</i>.
Desse trabalho artesanal são tecidas suas histórias de amor (e de dor) ao longo
da vida até chegarem àquele momento. <o:p></o:p></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><span style="line-height: 115%;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Alguém aí deve estar se perguntando: por que resgatar esse
filme lá do fundo da prateleira para escrever sobre ele agora? Tenho alguns -
talvez bons - motivos para escrever sobre ele. Assisti a esse filme pela
primeira vez há muitos anos e sempre fiquei com uma sensação de que faltava
algo e que eu precisava revisitá-lo para costurar o que ficou para trás. Sempre
deixei para depois. E isso é uma característica minha também. Procrastinar ou
postergar poderiam ser agregados ao meu nome de batismo. Não costuro meus
retalhos muito bem por falta de jeito ou preguiça mesmo. Mas lá no fundo eu sabia
que precisava revisitar as sensações que tive quando assisti ao filme pela
primeira vez e que uma hora dessas seria o momento. Aconteceu agora. <o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Nesta época do ano, quando somos enxovalhados por rituais
externos a nós, quando somos impelidos a repensar nossas vidas, avaliar o que
vivemos e projetar nossos sonhos frustrados de hoje com o combustível da
esperança num futuro distante e incerto, porém melhor (?), senti que precisava
rever algumas coisas esquecidas por aí. Certo, assisti ao filme para começar. Isso
foi há alguns dias atrás. Demorei a escrever porque precisava decantar minhas
emoções. Até porque assisti ao filme em um momento de letargia deliciosamente
preguiçosa e amorosa de feriado. Agora, passado algum tempo, sento-me e tento
escrever sobre minhas impressões para não ficar falando sozinho pela casa. <o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Abri a janelas e deixei a luz da manhã entrar, tomei um banho
demorado, vesti uma roupa confortável. Cheiro de sabonete, pasta de dentes e
café recém passado. Limpeza. Do corpo e da alma. Café de um lado, cigarros do
outro (nem tão limpo assim). Não bebo nem fumo, entretanto, mas deixo tudo ao alcance
da mão. Cerco-me de coisas que podem me proporcionar familiaridade, aquela
almofadinha fofa nas costas, a xícara grande de porcelana branca, incenso de
alfazema, a camiseta velhinha de “andar em casa”, chinelos de dedo e Billie
Holiday como trilha sonora. Queria uma vitrola para ouvir o chiado do vinil
harmonizado com a voz potente de Holiday e uma máquina de escrever igualzinha à
da personagem <i>Finn</i>. O som seco dos
tipos marcando o papel é delicioso e lembra algo da minha infância. Se sons
tivessem cheiro esse teria o cheiro do pão-de-ló da minha mãe recém saído do
forno. <o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRThyphenhyphenTJywodp67BTJrJ7HdsmKryhFSK7EyHdT3PQ-KZce25q0hsq3y4Vv-E5vlsHtnzJkT-viajqB-6Mq5NDvXcYyOB0hLGkZPChWP2qTb-6lsalY59AGQXrCAjfsL3mNjwb9VOpAoZis6/s1600/colcha+3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRThyphenhyphenTJywodp67BTJrJ7HdsmKryhFSK7EyHdT3PQ-KZce25q0hsq3y4Vv-E5vlsHtnzJkT-viajqB-6Mq5NDvXcYyOB0hLGkZPChWP2qTb-6lsalY59AGQXrCAjfsL3mNjwb9VOpAoZis6/s400/colcha+3.jpg" width="400" /></a><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O que mais me tocou no filme foi a forma de retratar a
construção das memórias e os vínculos que formamos com outras pessoas, através
dos rituais que desenvolvemos para que essas relações aconteçam. Fiquei
pensando no quanto esses rituais podem ser reveladores para (e de) nós mesmos.
Por mais automatizados e instintivos que sejam, esses rituais nos conectam com
o que temos de mais essencial. Fazemos nossos retalhos sozinhos, mas quando olhamos
para o lado, o retalho do outro encaixa perfeitamente no nosso. Então tecemos
juntos uma mesma colcha de histórias amorosas. Penso que o mais fundamental é
sempre o mais esquecido. De tempos em tempos, precisamos parar e revisitar
nosso passado para encontrarmos a nós mesmos. É o que as mulheres do filme
fazem. Cada uma à sua maneira, cada uma com suas particularidades, todas
revisitam suas histórias para desconstruir e reconstruir significados através
dos retalhos de tecido colorido. E é um trabalho de buscar o retalho mais
apropriado, costurar ponto a ponto, refazer quando a costura não está perfeita,
juntar todos os pedaços de história que tecem o que chamamos de “<i>Vida</i>”. <o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><span style="line-height: 115%;"><br /></span></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><span style="line-height: 115%;">Finn</span></i><span style="line-height: 115%;"> não costura. Ela é o tipo de mulher
que tece sua história através de uma máquina de escrever. Ou pelo menos tenta se
encontrar através do academicismo, cético e racionalista, que guia seus passos
e suas escolhas. Ela é uma artesã tão habilidosa quanto as costureiras da
comunidade. Ela também tece uma trama para construir significados para sua
própria existência. Ela também faz retalhos com costuras tortas. Ela também
precisa desmanchar a costura e refazê-la quando não está perfeita. Ela também
tenta excluir ou ocultar alguns retalhos da trama para que ela tenha um
significado esperado ou ideal. <o:p></o:p></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Em um momento da narrativa, uma das costureiras é inquerida
sobre os motivos que a levaram a <i>“contar”</i>
sua história com cores que não estavam harmonizadas com as demais. Ela é pressionada
a excluir-se do grupo, juntamente com o <i>“retalho”</i>
que conta sua história de amor. Isso me faz pensar em quantas vezes queremos
contar uma história de nossas vidas com determinada unidade, sem percebermos
que a vida é muito mais dinâmica e que não podemos esperar uma unidade estética
(ou ética?) ideal porque ela simplesmente não existe. A vida é o que se
apresenta diante dos nossos olhos e o máximo que podemos fazer é juntar os
pedaços de vida que existem pelos cantos e tecermos nossa trama amorosa. <o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5CNxO2kFrHfcRYPSY1wyZ47aXtxU20OOUCSls5Fgr6wZd5ZJ2EsbDlR8DuO4SRCZZvMzMZml9uLv6K9VGIOAbrXHPKyDd8LJMMzXh7xesPyCpefOYyY0K-70fRh99TjxQjsR-ckK6S2EO/s1600/colcha+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="205" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5CNxO2kFrHfcRYPSY1wyZ47aXtxU20OOUCSls5Fgr6wZd5ZJ2EsbDlR8DuO4SRCZZvMzMZml9uLv6K9VGIOAbrXHPKyDd8LJMMzXh7xesPyCpefOYyY0K-70fRh99TjxQjsR-ckK6S2EO/s400/colcha+1.jpg" width="400" /></a><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Contar nossa história é justamente isto. É recortar, juntar,
montar, costurar e buscar sentidos novos para nossos eventos passados. E cada
vez que visitamos nosso passado construímos uma nova colcha de retalhos, com
novos elementos, mais viva. Estamos sempre transformando o que nos cerca
externamente e o que nos preenche internamente.<o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Quero fazer um convite a você que chegou até aqui: Procure
aquela velha caixinha de costura, junte panos coloridos, agulhas, linhas e
tesouras e visite seu passado. Recrie, corte, recorte, costure com carinho, reconstrua
e traga a beleza, mesmo dos eventos tristes, e reavive as cores dos momentos de
felicidade. Porque o ano novo já está logo ali e isso não faz diferença
nenhuma. Ele poderia estar muito longe de acontecer, caso não seguíssemos o
calendário gregoriano, ou poderia nem mesmo acontecer, caso não seguíssemos
calendário algum e a vida fosse apenas uma sucessão de dias sem quaisquer fases
ou ciclos. Não é o amanhã, mas o que carregamos no peito agora neste exato momento
o que realmente importa. Somente haverá um amanhã com lembranças valiosas de
ontem se o hoje for lapidado como a pedra preciosa que é.</b></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg1tAjJX4TC4OulG3F3AeL1xogqT8zr2eUAlhq-Zut1lt2cw64jY244Q9vcQnD6xol9nQx2lxhYA6uO2ciodoUsPa4s2M70gHS9NEL1w71jyAvJGeMdFDlCqCh0BCGz2ZELN0yIQzdUfsG/s1600/capa+colcha.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="352" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg1tAjJX4TC4OulG3F3AeL1xogqT8zr2eUAlhq-Zut1lt2cw64jY244Q9vcQnD6xol9nQx2lxhYA6uO2ciodoUsPa4s2M70gHS9NEL1w71jyAvJGeMdFDlCqCh0BCGz2ZELN0yIQzdUfsG/s640/capa+colcha.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-62747147578870753652012-12-20T11:35:00.002-02:002012-12-20T11:48:24.594-02:00ONDE ESTÁ (A JANELA DE) WALLY?<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHlkegcB_Cc6_JOqyy1BLbAzR5f2AndOYZBeOroltq8xbTyrDCB2alpnwT4zb2ESul0tKPWT-Gt5AdSC6J23eOWEYbJ0vJ8ylvMvqN_ymN-qWf0g8sC60GSY9_XY1sZwBFwAmE3bhVNsme/s1600/medianeras6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHlkegcB_Cc6_JOqyy1BLbAzR5f2AndOYZBeOroltq8xbTyrDCB2alpnwT4zb2ESul0tKPWT-Gt5AdSC6J23eOWEYbJ0vJ8ylvMvqN_ymN-qWf0g8sC60GSY9_XY1sZwBFwAmE3bhVNsme/s640/medianeras6.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><b><i><br /></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><b><i>“Esses prédios, que se sucedem sem lógica,
demonstram total falta de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida, que
construímos sem saber como queremos que fique.”</i></b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><b><i><br /></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O título em português já dá indicativas de como é construída a narrativa desse belíssimo filme, produção argentina, espanhola e alemã, ambientado em Buenos Aires e dirigido pelo novato em longas metragens Gustavo Tarreto, que assina também o roteiro. Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual, como foi batizado no Brasil, é um filme interessante e bem amarrado, com um título infeliz aqui no Brasil, e que não faz jus aos seus atributos. O título original, por si, traduz perfeitamente a atmosfera apresentada pelo autor. A trama trata das buscas e perdas a partir de dois solitários, que nunca se cruzaram, tendo como pano de fundo uma Buenos Aires definida por construções opressoras e pautada por medianeras, como são chamadas em espanhol as paredes cegas dos prédios. Apesar de desconhecidos, eles são vizinhos e vivem vidas semelhantes. Ambos perdidos de si mesmos em uma grande cidade cinza-azulado de concreto contra um céu pouco celeste, imersos em uma penumbra claustrofóbica de seus passados fragmentados, presentes de olhares sem sonhos e futuros sem esperanças. O título, quase em tom de comédia da Meg Ryan, dado pelos nossos conterrâneos tupiniquins, nos possibilita, entretanto, alguns questionamentos, tais como: que “era do amor virtual” é esta onde estamos cada vez mais solitários? Que significados damos ao “amor”? O que é virtualidade?</b></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">Tenho percebido que os
argentinos tem conseguido tratar desses assuntos de maneira feliz e sensível. A
exemplo dos filmes Elza e Fred (2005) e La Vieja de Atrás (2010), que tocam em
temas da solidão e velhice, Medianeras traz à tona a angústia e solidão nas
grandes cidades, (in)comunicabilidade e isolamento, tendo como cenário uma
Buenos Aires cosmopolita, cinzenta e impessoal, angustiante e onde a própria
arquitetura da cidade forma pequenos nichos individuais, celas onde indivíduos
são – voluntariamente ou não – confinados.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">“O
que esperar de uma cidade que dá as costas ao seu rio? É certeza que as
separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a
falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios,
as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a
insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo, são culpa dos
arquitetos e incorporadores. Esses males, exceto o suicídio, todos me acometem.”</span></i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"> É
assim que a trama de Tarreto é descortinada para o grande público. Assim ele
apresenta dois dos personagens principais da trama: A cidade de Buenos Aires e
Martin (Javier Drolas). Poderia ser a história de qualquer um de nós, vivamos
em grandes ou pequenas cidades, em grandes ou pequenos apartamentos, iluminados
ou não, sozinhos ou não. Afirmação meio sem sentido? Talvez. Deixo, porém, de
lado a identificação pessoal inicial que existe para um cara como eu, que vive sozinho,
porque não vem ao caso. A bem da verdade, é inevitável não desenvolver empatia
pelos personagens da trama de Tarreto. Todos passamos por momentos de
cinza-azulado absoluto, inclusive na mais profunda solidão a dois. Isto porque
vivemos até as últimas consequências o mito pós-moderno da liberdade individual
e conhecemos muito bem a <i>“angústia da
pós-modernidade” </i>- que já é um termo bem ultrapassado, porque a era da
tecnologia nos impele cada vez mais rápido de um <i>não lugar</i> para <i>lugar nenhum</i>.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">Logo em seguida, é
apresentada a outra personagem, Mariana (Pilar López de Ayala): <i>“Há dois anos sou arquiteta, mas ainda não
construí nada. Nem um prédio, nem uma casa, nem um banheiro. Nada. Só umas
maquetes inabitáveis, e não só por causa da escala. Com outras construções,
também não dei certo. Uma relação de quatro anos ruiu, apesar dos meus esforços
para mantê-la de pé. Se minha vida fosse um jogo como o Jogo da Vida caberia a
mim o castigo de voltar cinco casas. Por isso estou aqui, com a vida
desordenada em 27 caixas de papelão, sentada num rolo de 12m de plástico bolha
para estourar, antes que eu mesma estoure.” </i> Somos multidões de engaiolados em mundos cada
vez menores e mais individuais. Vivemos cercados, delimitados por nossas
paredes cegas para que não vejamos a
intimidade do outro, pelos elevadores que não utilizamos porque somos
claustrofóbicos, pelas calçadas que não transitamos porque somos agorafóbicos,
pelas pessoas que nos definem e conceituam. Ruminamos <i>ad aeternun</i> nossas angústias
e nossas frustrações. Em nome de nossas liberdades individuais, nos fechamos em
caixas herméticas. Criamos uma identidade baseada em toda sorte de rótulos de transtornos
modernos e nos anestesiamos com psicotrópicos cosmopolitas.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">“Quando vamos ser uma cidade sem fios? Que
gênios esconderam o rio com prédios, e o céu com cabos? Tantos quilômetros de
cabos servem para nos unir ou para nos manter afastados, cada um no seu lugar? [...]
Bem-vindos à era das relações virtuais.</span></i><span style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">”, profetiza Mariana, no
alto de sua cela. O que é mais virtual:
uma relação mediada por tecnologias da comunicação ou uma relação “pessoal”?
Talvez tudo seja virtual, talvez não nos relacionemos com o outro diretamente. No
filme, tanto Martin quanto Mariana tiveram, no passado, relacionamentos
fracassados. Até aí nenhuma grande <i>sacada</i>
do filme. Porém, esses relacionamentos são retratados como desertos de
comunicação e dão indicativas que foi essa incomunicabilidade que fez com que ruíssem.
E eles tentam resolver essa necessidade de contato através de outras janelas. E
talvez somente nesse momento tenham conseguido estabelecer relações reais com o
mundo, com o outro e consigo. </span></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwJ7IUvav8q4rcF9qFGeaKZZcHQcEoGSARMzNJwRKXzgVzJGxM3EDCwCbM2ueY2umb-d1TEGOw4q_xMIqN4eyvfzKPBl9BmxMMrzXDsQro-hEH9XIoFpwzCAx5EbqWgGeP9tGwDOZkA-kr/s1600/medianeras7.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="112" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwJ7IUvav8q4rcF9qFGeaKZZcHQcEoGSARMzNJwRKXzgVzJGxM3EDCwCbM2ueY2umb-d1TEGOw4q_xMIqN4eyvfzKPBl9BmxMMrzXDsQro-hEH9XIoFpwzCAx5EbqWgGeP9tGwDOZkA-kr/s200/medianeras7.jpg" width="200" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBaCUHvSvKkrHmuQl6fv0v5tIxf3opatCfgef0qs7HrsAAqhg5Kpykvof7R3XnAaaU7fzNKZh1PHaHBrwv8T8YasSeeyOfEVB5ljPivb1x9SwlABCuLFpKdeaP36meoQ6P5WEFPcdf6Ofl/s1600/Medianeras222.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="117" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBaCUHvSvKkrHmuQl6fv0v5tIxf3opatCfgef0qs7HrsAAqhg5Kpykvof7R3XnAaaU7fzNKZh1PHaHBrwv8T8YasSeeyOfEVB5ljPivb1x9SwlABCuLFpKdeaP36meoQ6P5WEFPcdf6Ofl/s200/Medianeras222.jpg" width="200" /></a><b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;">Mariana era obcecada por
encontrar, sem sucesso, o personagem Wally em um livro de gravuras chamado “<i>Wally na Cidade</i>”. E suas reflexões sobre
suas buscas mais íntimas se traduzem nessa frustração de não saber onde está
Wally na cidade. Martin, por sua vez, em um dado momento retira da embalagem
original um boneco antigo do personagem Astro Boy, um mangá dos anos 60 que
conta a história de um androide provido de sentimentos humanos.
Coincidentemente ou não, esse boneco possui um dispositivo que abre uma “janela”
em seu peito, onde é possível ver um pequeno coração brilhante. Essas sutilezas
são o que há de mais interessante na obra de Tarreto. Porque talvez Martin seja
uma espécie de menino-andróide que descobre que tem coração e Mariana, buscando
Wally, busca a si mesma.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: small;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmcEKfebZ1X0_PQmzh5W4IOxu4clRVw9g-F48FmRV_WRPIjp4GbBJI4MfgB7WsHTkYLYppaLT-RubF9_NDzYqmxb-IT3GXY2gh1PHNQuMShDQPi6LfWlkBGX8pB3vsNzkePwLMF5oBNGV-/s1600/medianeras2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmcEKfebZ1X0_PQmzh5W4IOxu4clRVw9g-F48FmRV_WRPIjp4GbBJI4MfgB7WsHTkYLYppaLT-RubF9_NDzYqmxb-IT3GXY2gh1PHNQuMShDQPi6LfWlkBGX8pB3vsNzkePwLMF5oBNGV-/s320/medianeras2.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O objetivo das medianeras é preservar a privacidade dos vizinhos laterais. É manter certa ordem, um limite. O que fazem Martin e Mariana é justamente subverterem a ordem e abrirem, clandestinamente, janelas nessas paredes para que entre alguma luz. E essa é a maior libertação deles. Como se fossem seres presos em cápsulas, eles quebram a casca que os envolve e se abrem para o mundo exterior, saem do casulo, ou pelo menos abrem uma fresta para enxergarem o que existe além-cárcere. Mas para saber se isso funciona, você precisará assistir ao filme. Ou quebrar uma parede e abrir uma janela em sua própria medianera.</b></span><b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"> </b></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8DgDCYxMgLPRUfa7PBPuBaQCJ-f49j5XiW2Ad6-0g31bQgICWSGShpFEygmtCxMQa1lv5uy4n6_PAqYa8DhpYrrV3L5yn4LxIPCq1HBflwK-tLf4SGZWMuEF0hVQ9GS57Wu-Bl044XScR/s1600/medianeras44.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><img border="0" height="177" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8DgDCYxMgLPRUfa7PBPuBaQCJ-f49j5XiW2Ad6-0g31bQgICWSGShpFEygmtCxMQa1lv5uy4n6_PAqYa8DhpYrrV3L5yn4LxIPCq1HBflwK-tLf4SGZWMuEF0hVQ9GS57Wu-Bl044XScR/s640/medianeras44.png" width="640" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, sans-serif; line-height: 115%;"><br /></b></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-16134211013422046772012-11-28T17:57:00.001-02:002012-11-28T17:57:58.123-02:00RENACERÉ! RENACERÉ! RENACERÉ!<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU__WOLDAnDmDGop4hxWuhgOJgxwUhE_QDp2IdiNTaCw4q3xMfFAvJuG5-hqoiZqNy9WdQtBjBeURvWVbrUknJYGwjMcChGAVV5YvJKaLYeu2ICgc0IPFZTxYfwc2zE_GkMprtl-mLqFLI/s1600/Silencio+-+Montserrat+Gudiol.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="562" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU__WOLDAnDmDGop4hxWuhgOJgxwUhE_QDp2IdiNTaCw4q3xMfFAvJuG5-hqoiZqNy9WdQtBjBeURvWVbrUknJYGwjMcChGAVV5YvJKaLYeu2ICgc0IPFZTxYfwc2zE_GkMprtl-mLqFLI/s640/Silencio+-+Montserrat+Gudiol.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>"Silêncio" - Montserrat Gudiol</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>“Não lhe peço nada<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Mas se acaso você perguntar<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Por você não há o que eu não faça<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Guardo inteira em mim<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>A casa que mandei um dia pelos ares<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>E a reconstruo em todos os detalhes<o:p></o:p></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>Intactos e implacáveis.”</i><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><br /></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>(Adriana Calcanhoto – Pelos Ares)<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><u>[Para ler ao som de Yann Tiersen – “L’Absente” (O Ausente)]</u><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Viajei dez mil quilômetros, numa odisseia de mais de vinte
e quatro horas para estar aqui, no mesmo lugar onde encontrei você pela
primeira vez, há mais de dez anos atrás. Aqui vivemos nossas primeiras horas juntos.
Foi mágico, não foi? Era primavera. A primavera aqui é tão bonita. Tudo tão
colorido, tão leve, tão claro. Dá vontade de viver e de amar loucamente. Foi
nessa ânsia de sentir tudo ao mesmo tempo que nos encontramos. Éramos dois
solitários querendo amar como se só nos restasse isso. E talvez amar fosse
mesmo tudo o que tínhamos. Estávamos subitamente maravilhados, tomados de
assalto pelo presente que a vida nos oferecia. E tínhamos a nítida certeza que
não poderíamos desperdiçar esse momento em hipótese alguma. Desvendei você como
se despetalasse vagarosamente uma flor, até chegar ao miolo, onde ficava
escondido o néctar saboroso cobiçado por abelhas e beija-flores. E me deixei ser
desbravada por você. Pelo menos até onde eu conseguia. E até onde você podia
alcançar, porque se chegasse muito perto meus espinhos feririam sua pele. Essa
sempre foi minha natureza e até hoje sou assim, infelizmente. Tento podar meus
espinhos, mas eles nascem novamente em outros lugares. Como todos os espinhos, os
meus são instrumentos de proteção contra predadores. Mas afastam quase todas as
pessoas, principalmente as que não são predadoras, e resultam numa solidão
quase sem fim. Nosso encontro sob a luz da primavera, cercados por suas cores,
seus sabores e seus aromas, foi lindo. Foi piegas e clichê também, como todo
encontro amoroso apaixonado nesta cidade. Éramos tão jovens e tão puros! Éramos
tão bonitos! E tínhamos um mundo inteiro para conquistar. Eu não tinha cabelos
brancos, você não tinha rugas. Meu ventre não era este deserto infértil, você ainda
era viril como um touro. Eu não fumava, você não bebia. Não tínhamos cicatrizes
dos nossos desastres implacáveis. Eu queria descobrir seu mundo, não importava
se você fosse diplomata, malabarista de circo ou vendedor de automóveis, queria
entrar em você até o mais profundo e descobrir quem realmente você era. E queria
trazer você para dentro de mim, para o mais longínquo e desconhecido das minhas
entranhas, para conseguir descobrir quem eu realmente era. Sim, era tesão o que
sentíamos. Mas o meu era um tesão romantizado, porque eu era “<i>moça fina de
família tradicional”</i>, metida a quatrocentona, sem um tostão no banco, mas com
muita pose, e estava saindo pela primeira vez de casa para conhecer o mundo
real sozinha e voar com minhas próprias asas. A mim era proibido sentir prazer
pagão. A alguém como eu, <i>“moça de boa família”</i>, de moral irretocável, com
educação talhada em internato de freiras, só era permitido exercitar um tipo de
amor: o cristão, folhetinesco e vitoriano. E você me ensinou a ser dona do meu
corpo, da minha vida e das minhas vontades. E ensinou-me a entregar-me a quem
eu quisesse, com ou sem amor. Nossas primeiras horas mágicas viraram dias, que
viraram semanas, depois meses e anos que no fim deram em nada além de dor e
ausência. Porque sei que todo carnaval tem seu fim. Já não importa mais. Você,
tão espiritualizado, depois de usar todas as drogas resolveu encontrar Buda,
Krishna, Alá ou Jesus, nem sei mais. Você, que acreditava piamente nos ciclos
da vida, sabe que isto é parte da <i>“grande roda”</i>, não é mesmo? Por isso fui
embora. Por isso comecei agora um novo ciclo. Ou termino aqui, neste momento,
um longo e infértil tempo. Porque desamor cansa, sabe. Não que eu esperasse que
você me oferecesse algo que não era seu para satisfazer meus desejos, às vezes
meio infantis e caprichosos, porque eu era uma mulher que estava me descobrindo
como tal e sendo construída por você, com o seu amor e com o seu desejo por mim,
e era natural que eu me perdesse um pouco com a excitação do descobrimento. Você
sempre dizia que <i>“ninguém dá o que não tem”</i> e um monte de baboseiras
espiritualmente elevadas que você lia naqueles livros que comprávamos nos sebos
das feiras de pulgas, nos infindáveis domingos ensolarados e sem volta que
tivemos. Eu não sei se vim até aqui, depois de atravessar um oceano por você,
para dizer que não lhe quero mais e que talvez nunca tivesse lhe desejado de
verdade, e sim desejado uma ilusão, uma ideia que criei, porque tenho mais de
quarenta anos, porque queria viver um amor de verdade, porque queria sentir-me cotidiana,
viva, intensa, comum e especial ao mesmo tempo, por ser capaz de ser amada e
principalmente por ser capaz de amar. Mas não. Não sei se sou capaz de amar
você ou qualquer outra pessoa. Tampouco sei se fui amada por você de verdade. Talvez
fôssemos somente o egoísmo e a soberba de nos sentirmos especiais e únicos
pelos vínculos que tínhamos (ou achávamos que tínhamos). Contudo, mesmo
carregando essas amarguras cravejadas de incertezas e emolduradas por mágoas
nunca reveladas, eu venho em aqui em missão de paz e reconciliação. Queria sentar-me
à mesma mesa, tanto tempo depois, reviver o passado, revisitar nossa história e
dizer que foi boa, que foi bonita. E que acabou. Ou então, revisitando minha
própria vida, certificar-me se existe algum brilho do meu olhar perdido entre
os farelos de pão sobre a toalha branca ou nas minúsculas gotículas do xerez no
cálice vazio que ergo em contraluz pela haste e giro entre o polegar e o
indicador.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Perdi-me em pensamentos e projeções olhando as gotículas do
vinho escorrendo espesso pela borda do cálice. Como se saída de um transe, ergui
os olhos na direção da cadeira vazia em minha frente. Tamborilei
irrefletidamente os dedos na carteira de cigarros de filtro vermelho. Abri a
carteira, peguei um cigarro e fiquei fazendo malabarismos com ele entre os
dedos. Suspirei e hesitei em acendê-lo. Alisei as dobras da toalha de linho
sobre a mesa. Minhas mãos ásperas contra o tecido fizeram um barulho que lembra
o leve assovio que ele dava enquanto fazia coisas que o deixavam feliz, como preparar
a sobremesa de chocolate que eu gostava ou lavar a louça do jantar enquanto eu
bebia café deitada no sofá. Seria o sexto cigarro em talvez uma hora ou duas,
talvez quatro ou cinco, nem sabia ao certo há quanto tempo estava sentada sozinha
naquele mesmo lugar, imaginando tudo o que eu queria dizer a ele quando o
encontrasse realmente. Acendi o cigarro sem querer fumá-lo. Olhei a hora. Já
era tarde e logo a noite chegaria. Mesmo em dias mais longos de primavera,
ainda anoitecia cedo. Eu ainda tinha que atravessar o rio e ir ao encontro que
tinha programado.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O caminho até meu destino foi repleto de lembranças - boas e
ruins - de tudo que vivemos. As praças onde estendíamos nossa toalha e passávamos
as tardes de domingo, entre vinhos, frutas, pães e livros, os cinemas que
frequentávamos nas tardes de sábado, os cafés de mesas nas calçadas que frequentávamos
nas noites quentes de verão, os restaurantes onde nos encolhíamos nas
madrugadas frias de inverno para nos aquecermos com caldos quentes. Até as ruas
seculares de calçamento irregular onde volta e meia eu prendia o salto do
sapato, perdia o equilíbrio e era docemente amparada por seus braços fortes,
num abraço quente e confortante.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Finalmente cheguei em frente ao grande portão negro em
estilo neoclássico, ornado com arabescos nas duas pesadas folhas e em cujo
pórtico de bronze havia uma frase em latim que não compreendi. A entrada era
guardada em ambos os lados por esculturas de gárgulas, pousadas sobre grossas
colunas dóricas. A construção era imponente, embora decadente e de gosto
duvidoso. Opulentas colunas jônicas de mármore de Carrara erguiam-se ao longo
do terreno, cercando todo o imenso jardim frontal, ornamentado com uma
infinidade de plantas tropicais, túneis de heras, passeios cuidadosamente calçados
com pedras portuguesas em formas geométricas, fontes e esculturas de deusas
gregas. Vi uma meia dúzia de Afrodites. Que lugar inusitado para se colocar
tantas imagens da deusa do amor e do êxtase sexual! Quantas vezes ele e eu passamos
juntos por este portão sem nunca repararmos nos detalhes? Quantas vezes nos
roçamos sem querer nas folhagens que cobrem os muros, enquanto nos beijávamos
na calçada? Quantas conversas descompromissadas ou juras de amor fizemos em
frente às Afrodites, sem percebermos que elas nos espreitavam sorrateiramente? Saudades
dos cheiros e das sensações amorosas daquela época que não existe mais. Respirei
fundo e adentrei o jardim. Caminhei por alguns minutos pelos estreitos passeios
até chegar ao meu destino final.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Achei que seria gentil da minha parte lhe trazer umas
flores. Sei que você gosta dessas delicadezas. Passei numa floricultura de
esquina e comprei estas gardênias brancas, que são sutilmente perfumadas. Vou
colocá-las neste vaso de porcelana. Sabe o que significam gardênias? O senhor
da floricultura, ucraniano pelo sotaque, falou que significam “agradecimento”.
Não entendi direito o que mais ele disse, mas somente saber que tem esse
significado já foi suficiente para mim. Porque vim até aqui, atravessei o
oceano, para estar aqui e te agradecer, depois de tanto tempo. Eu estava
remexendo em velhas arcas de memórias empoeiradas e dolorosas e encontrei um
pedaço de papel amarelado entre as páginas de um livro com a seguinte frase: <i>“De
tudo que vem de você, permanece em mim uma vontade de sorrir” *</i>. Essa frase era uma
dedicatória em um livro de J.D. Salinger que nunca li. Não comprei o livro, claro,
mas anotei a dedicatória e coloquei o papel no meio de um livro da Jane Austen
que você me presenteou, sem dedicatória alguma, embora eu tenha entendido posteriormente
que a maior dedicatória que você poderia ter me oferecido era justamente me
apresentar a Austen. Foi essa frase que me motivou a vir aqui hoje. Nosso
último encontro foi de muito sofrimento e eu não quero perder a vontade de
sorrir que vem de você e que me fez ser tão mais humana depois que nossos
caminhos se cruzaram. Porém, o ciclo precisa ser encerrado. Fechei a porta para
curar minhas feridas. Fechei-me em meu casulo para renascer. Por isso voltei somente
agora. Você está tão bonito nesta foto. Talvez porque eu não via nenhuma foto
sua há anos e talvez estivesse esquecendo os detalhes do seu rosto. Eu não
queria ficar com as lembranças embaçadas, por isso queimei todas as fotos e
objetos que lembravam você, por isso fui embora e deixei para trás nossa casa
com toda nossa história, como se fosse um sarcófago. Não queria reminiscências.
Parece mórbido achar bonitas fotos de lápides, mas você está bonito na foto. Minha
última recordação sua foi a do seu corpo sem vida naquele caixão de carvalho e
tudo que queria era que você acordasse e dissesse que ainda me amava como eu
amava você. Mas não era possível. Por isso estou aqui agora, porque quero
deixar estas flores em sinal de agradecimento a você. Queria poder beijar sua
testa, como fazia antes de dormirmos, e dizer que você me fez uma pessoa
melhor. Porque quando lhe conheci eu renasci, quando você se foi, eu morri com
você e neste momento eu preciso renascer novamente. E renascerei, quantas vezes
for necessário. Agora preciso ir, preciso pegar a última balsa e voltar para
minha vida do outro lado do rio, do outro lado do mundo. Ou para o que sobrou
dela. Ou para o que poderá ser ela a partir de agora que me despeço para
sempre, trazendo você, finalmente renascido, junto comigo. </b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><iframe allowfullscreen="allowfullscreen" frameborder="0" height="360" src="http://www.youtube.com/embed/WVwf1MCaZak?feature=player_detailpage" width="640"></iframe><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>* Sylvio Massa de Campos. Leia mais sobre esse assunto em <a href="http://oglobo.globo.com/rio/ps-eu-te-amo-6826279#ixzz2DREQv7Rp">http://oglobo.globo.com/rio/ps-eu-te-amo-6826279#ixzz2DREQv7Rp</a> © 1996 - 2012. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização. <o:p></o:p></b></span></div>
<div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-31066684404155025252012-11-09T16:15:00.000-02:002012-11-09T16:25:02.462-02:00QUEM NUNCA?<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT4aLQ1BWwbbId4Gt-nok5axq1Njcy5NTPCYJ-MTjujUdDOmKu2MJMemMDm6u_mpD7pSJqRPhzMOk7vRYTFtgWWiAY-8AyXligMdPzm2HW6UEhwFUUFoFE4TPV-UGZ5vd3KT_F0PRJaSld/s1600/desperation_by_ANTONINA_art.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT4aLQ1BWwbbId4Gt-nok5axq1Njcy5NTPCYJ-MTjujUdDOmKu2MJMemMDm6u_mpD7pSJqRPhzMOk7vRYTFtgWWiAY-8AyXligMdPzm2HW6UEhwFUUFoFE4TPV-UGZ5vd3KT_F0PRJaSld/s640/desperation_by_ANTONINA_art.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small;">Desperation - Antonina</span></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><br /></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>“Esquecer o tempo<br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">O céu</span><br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">O sol</span><br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">Um som</span><br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">A pessoa</span><br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">Um lugar.</span><br style="white-space: pre-wrap;" />
<span style="white-space: pre-wrap;">Agora me diz o que
faz você feliz!" <o:p></o:p></span></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><span style="white-space: pre-wrap;"><br /></span></i></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>(Arnaldo Antunes)</i><o:p></o:p></b></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i><br /></i></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Quem nunca sofreu de
autocomiseração histérica, parado em frente à vitrine de uma confeitaria, vendo
toda sorte de guloseimas irresistíveis e proibitivas e deixou de entrar, se
sentindo absolutamente miserável porque antes de sair de casa percebeu que todas
as roupas deixaram de servir? Quem nunca desejou sumir para sempre quando, no
fim da noite, depois de ter passado horas de preparativos, numa superprodução
digna de abalar estruturas, viu que nem com muita determinação e boa vontade
sairia do <i>“zero a zero”</i> e que as
únicas estruturas abaladas eram as suas próprias? Quem nunca se boicotou e se
tornou seu pior algoz quando não se julgava merecedor de qualquer agrado da
vida porque existiam coisas ainda mal resolvidas? Quem nunca quis fugir de tudo
(principalmente de si mesmo) e correr das sessões de incursões solitárias de
autodescoberta para as excursões etílicas em grupos pelos botecos quando olhou
no abismo escuro interior e não viu nenhuma luz? Quem nunca desejou abandonar
todos os planos e começar do zero porque o namorado não era o ideal, porque o
emprego não era o ideal, porque o cabelo não era ideal, porque o corpo não era
o ideal ou porque não adiantava querer aprender a cozinhar ou dirigir?</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">“<i>Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás</i>”. É, pode até
ser meio Guevara. Porém, pode ser menos pop, sem precisar estampar em camisetas
vermelhas de algodão vagabundo uma ideologia distante e desconhecida. A
impressão que tenho, “<i>de tanto levar
frechada</i>”, é que na dor que crescemos mais. Mas com amor é muito melhor. Não
acredito que consigamos ver progressos pessoais somente com amor, entretanto.
Não, não é uma teoria masoquista. E não que eu goste de dor (minha e alheia).
Pelo contrário, a vida podia se cor-de-rosa e fofinha que eu ia achar bem bom.
Mas de fato, quando sofremos como cães é que a vemos a vida mais crua e nua. Meus
olhos são bondosos, mas minha mente é bem madrasta comigo. O inferno não são
necessariamente os outros. A realidade talvez seja mais cinza do que eu via aos
seis anos de idade.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pensando bem, não, não é verdade.
Acho que quando eu tinha seis anos era pior que hoje. Pelo menos hoje tenho
condições de alcançar as prateleiras mais altas da geladeira e preparar sozinho
meu cereal matinal com leite. Melhor: não preciso mais beber leite, tampouco comer
cereal, porque passei (há tempos) da idade de não poder usar o fogão e não há
ninguém no mundo que me demova do sagrado desejo matinal de ovos mexidos, bacon
e café preto no meu <i>petit dejeuner</i>.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Admitir-se dependente da bondade
de estranhos soa melhor na boca de Blanche Dubois. Ser capaz de me autogerir,
mesmo errando o tempo todo, é libertador. Só que é uma espécie de prisão
também. Porque não posso pedir ajuda sempre, uma vez que nem sempre tem alguém
ao lado, não posso ser negligente e passar incólume porque sempre há uma
espécie de cobrança velada. Sou completamente autossuficiente, afinal. A bem-aventurança
da ignorância é jaz. Como sou rotulado de independente, então as pessoas não
estão disponíveis porque pressupõem que eu não preciso de ajuda alguma. O que
também não é verdade. Quero colo e quero fugir de casa, às vezes, mesmo morando
sozinho.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tem horas que a gente exaure. E
diz <i>“chega, né?!”</i> para tudo, não tira
o pijama de manhã e passa o dia em silêncio, arrastando chinelos pela casa, bem
Gal, esperando que a <i>“nuvem negra”</i>
passe, largue o dia e leve o mal que o arrasou. Por mais madrasta que a vida
seja às vezes, o que ela quer de nós é que sejamos generosos. Com os outros e
conosco. E não digo isso com nenhuma espécie de sentimento religioso. Nada
disso. É a mais pura generosidade pagã. É bom ser generoso, acredite. Porque nos
livramos de algo que talvez não seja assim tão importante para nós e que pode
ser fundamental para a outra pessoa. E
se somos generosos com os outros, acabamos sendo conosco também. E dizer
“BASTA!”, assim mesmo com letras garrafais, para coisas que nos subtraem, que
nos tornam menores, piores, é a atitude mais generosas que podemos ter em
relação a nós próprios.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando penso em generosidade, e
principalmente se minhas atitudes são assim classificáveis, sempre sofro de
dúvida atroz. Não sei até que ponto estou sendo realmente generoso ou apenas
covarde, egoísta, maníaco obsessivo, que é um grande risco que corro. Mas como
uma pessoa pode querer (ou parecer) generosa e ser egoísta? Explico. Se oferecemos
a alguém o que temos - supostamente - de melhor e esperamos que ela seja muito
mais que aquilo que é e muito mais que aquilo que pode vir a ser, não estamos realmente
sendo generosos com ela. Agimos esperando um resultado, almejando um objetivo.
E nosso objetivo provavelmente é ter do outro aquilo que NÓS desejamos
egoisticamente. Da mesma forma podemos ser covardes ao invés de generosos: Amamos
o máximo que podemos, ofertamos o que temos que mais nobre e raro, porque
alimentamos o amor com medo de ficarmos sozinhos e perdermos aquilo que
julgamos tão imprescindível.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Indo um pouco adiante, assumo que
sou um grande entusiasta do ócio lúdico e produtivo. E acredito que ele pode
ser também uma atitude de generosidade. O comodismo é irresistível quando tudo
está bem. E para que lutar contra ele? Prova disso é que fico preguiçoso até
mesmo para escrever. Eu vivo simplesmente. E deixo a vida me afagar com fugazes
momentos de felicidade. E exagero na generosidade comigo mesmo porque sou
notoriamente desmedido. Se estou feliz, acho que sou mais generoso com os
demais também. E se está tudo bem lá em casa eu não faço mais nada na vida além
de viver simplesmente, meio <i>gauche</i>, o mais próximo possível da minha natureza
mais íntima. Esse lance de uma cabana, uma rede e um amor funciona super bem
comigo, mesmo sem um amor, sem rede e sem cabana. Mas se a ideia é ser generoso,
tento acertar o que poderá fazer as pessoas felizes e o que me fará feliz. E aqui
e agora, neste exato momento, entrego a quem quiser estes meus pensamentos
fragmentados e palavras soltas... Foi!</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwdDndmnWY6VghC04xQuCBfhMszgJVh9_27qbDBy5YyhwmRVB9AT1waKXs2P4JXznnYAvDdszMZl6qzizpFdQyCTMe6K13Z2067aQlwdkqf4SQZ-Y2FDpuJJYxJ-qOcFFZqatqLpRaSO5m/s1600/Imagem+cedida+por+Leonardo+Cassimiro.+Arquivo+pessoal-7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwdDndmnWY6VghC04xQuCBfhMszgJVh9_27qbDBy5YyhwmRVB9AT1waKXs2P4JXznnYAvDdszMZl6qzizpFdQyCTMe6K13Z2067aQlwdkqf4SQZ-Y2FDpuJJYxJ-qOcFFZqatqLpRaSO5m/s400/Imagem+cedida+por+Leonardo+Cassimiro.+Arquivo+pessoal-7.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Imagem cedida por Leonardo Cassimiro. Arquivo pessoal</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-84872295745461253432012-10-05T17:01:00.000-03:002013-03-06T11:05:22.307-03:00COFFEE DATE<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbzxLpGKo6L-CSgnomb32Yvp29IbVpp2s8VKzSZVdxHRgBmhU9dLGb65J4I_DcPIPT4vlKu4nVP5AOcFKWEtyFMoGc19UHvlXh_6f_vR9Dpc_PooEhf_tHMPUMSKA7ZLnYRRc2lmX0pFw-/s1600/Leonid+Afremov+(1955,+Belarus).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbzxLpGKo6L-CSgnomb32Yvp29IbVpp2s8VKzSZVdxHRgBmhU9dLGb65J4I_DcPIPT4vlKu4nVP5AOcFKWEtyFMoGc19UHvlXh_6f_vR9Dpc_PooEhf_tHMPUMSKA7ZLnYRRc2lmX0pFw-/s640/Leonid+Afremov+(1955,+Belarus).jpg" width="634" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: medium;">Leonid Afremov (1955, Belarus)</b></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></i><i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>“Que seja presença e companhia, o relacionamento bom: pois a solidão é um campo demasiado vasto para ser atravessado a sós.”</b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>(Lya Luft. “Pensar é Transgredir”, Ed. Record, pág. 35)<o:p></o:p></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Quarta-feira, 15h. Depois de
pensar muito, ponderar infinitamente todas as alternativas possíveis e me
boicotar como de costume, joguei para o lado a manta de patchwork colorida com
a qual cubro minhas pernas para me proteger do mundo, desliguei a TV e juntei do
chão as embalagens de chocolates belgas, comprados por uma bagatela e com muito
esforço no “<i>mercado do negro</i>”, um
amigo muambeiro que contrabandeia delicadezas importadas. Eu estava em meu
ninho. Esse era meu castelo secreto, meu mundo particular, o único lugar onde
eu poderia ser eu mesma e esquecer as convenções sociais. Em meu mundo particular
eu posso ser contraventora, receptadora, gorda, feia, não me depilar e não
tomar banho um fim de semana inteiro. Posso ser neurótica, cheia de manias,
desenvolver fluidamente meu transtorno obsessivo compulsivo, comer gordura
saturada e beber a quantidade de unidades alcoólicas que quiser, ouvindo um bolero
bem dor de cotovelo na voz rouca de Waleska ou dançando estranhamente um <i>folk</i> ucraniano. Meu castelo é meu lugar
no mundo. Tenho minhas lembranças, minha música, minha máquina de escrever,
meus livros. E mesmo assim algo sempre falta. Será que nunca terei um mundo
perfeito? Que maldição é essa de desejar infinita e indefinidamente tudo aquilo
que não tenho até conquistar e automaticamente eleger outro objeto obscuro de
desejo?</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como sempre me falta algo, fui em
busca de saciar minha sede de viver. Levantei-me e fui vestir a roupa camuflada
de minha personagem. Escolhi com cuidado algo que desse aquela levantadinha no
busto irremediavelmente flácido e na bunda cada dia mais precária e que não
mostrasse minha barriga protuberante, resultado de madrugadas inteiras
beliscando guloseimas e chorando com filmes românticos dos anos 50. Passei pelo
insuportavelmente doloroso processo de depilação sem nenhuma glória. Quem
inventou que precisamos de depilação devia nos odiar profundamente. Misoginia! Mesmo
ficando com as virilhas cheias vergões de tão irritadas e as canelas cravejadas
de pontos vermelhos, não tinha condições de bancar a feminista peluda
revolucionária das Barricadas de Paris de 1968 porque corria o risco de causar
a pior das impressões. Então, respirei fundo me joguei no “<i>Dia de Mulherzinha</i>”.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tomei um banho demorado, cuidando
para passar a esponja em todos os recônditos que nunca toco ou sequer lembro
que existem. Para que lembrar dessas coisas? Até descobri que tenho um sinal
bonitinho que nem sei se é de nascença ou não. Uma manchinha caramelo em
formato que lembra um coração, ou uma pera, ou uma coxinha de frango, ou nada
disso. Aquele banho incomummente demorado foi um carinho do tipo que há tempos
eu não recebia. Tive vontade de permanecer indefinidamente sob o chuveiro morno
massageando meus ombros e ficar acariciando-me delicadamente com a esponja.
Como posso viver tantos anos neste corpo que não conheço? Como posso não
visitar-me para me fazer feliz? Tive vontade de se generosa comigo, vestir o
pijama novamente, sentar em minha poltrona de leitura e votar a ler Jane Austen
depois de mais de vinte anos. Mas não, não podia, eu tinha um compromisso ao
qual não poderia faltar, custasse o que custasse. Simone de Beauvoir, protegei-me! </b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Depois de me besuntar de creme
hidratante canforado para diminuir a irritação da pele, vesti meu roupão e fiquei
um tempo vendo uma pilha de roupas sobre a cama. Bancaria a donzela vitoriana,
pura e casta, com uma blusinha branca de rendas e brocados? A <i>femme fatale,</i> agressiva e independente,
com um vestido rubro e salto alto de vinil? A urbanóide descolada de jeans estonado,
<i>T-Shirt</i> monocromática, lenço
palestino no pescoço e óculos de grau? Ou sairia na rua sendo eu mesma, de cara
limpa, “<i>cabelos brancos de melancólica
Rapunzel</i>”<sup>1</sup>, como diria Lya Luft, castamente presos num coque e
nenhuma graça no olhar? <i>Bullshit!</i> Decidi
ir de cara limpa, sendo eu mesma. Não, não era uma boa alternativa ser eu
mesma. <i>Tá difícil ser eu sem reclamar de
tudo<sup>2</sup>. </i>E<i> </i>cadê meu
estojo de maquiagens? Não sabia nem como segurar um pincel. Será que dava tempo
de achar algum tutorial na internet ensinando o passo a passo do truque para
ser outra?</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Maldita hora que passei meu
número de telefone a um ilustre desconhecido que me abordou em público. Na
verdade eu só queria contrariar todas as estatísticas e superstições que dizem
que não seria na fila do supermercado, numa tarde chuvosa de sábado, quando eu
estava com o pior moletom, a pior cara e o pior humor, que aconteceria algo
como “<i>uma possibilidade</i>”. Além disso,
porque essa abordagem mexeu com minha vaidade. E admito que depois de tanto
tempo sozinha, pensar que poderia ter um encontro me soou atraente. Agora,
porém, amargo a séria possibilidade de ver o processo de rejeição longo e
doloroso do passado se repetir mais uma vez.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando recebi a ligação,
inesperadamente, no domingo após o encontro casual no supermercado, fui
invadida por uma breve alegria. Que bonitinho ele me ligar, pensei. Logo depois
bateu o pavor. O que ele vai pensar de mim se eu aceitar? O que ele vai pensar
de mim se eu não aceitar? Mas se ele ligou é porque deve estar pensando que eu
sou fácil, e eu sou mesmo. Se eu não aceitar, ele vai pensar que eu sou fácil e
me faço de difícil, o que também seria verdade, porque eu estaria fazendo
gênero. Não estou em condições emocionais de dizer não a um encontro que nem
precisei batalhar muito para conseguir. Não que eu batalhe por encontros
normalmente. E não que me venham facilmente, por outro lado. Encontros simplesmente
não acontecem comigo. Fáceis ou difíceis, eu nunca estou muito disposta, mesmo
que esteja eternamente disponível.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enquanto me vestia
ritualisticamente pensava no ritual do encontro. <i>Eu já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada<sup>3</sup>.
</i>Eu chegaria, sentaria, esperaria. Ou ele chegaria, sentaria, esperaria. No
primeiro caso eu estaria com a cara de tédio que me é peculiar em casos de
esperas ásperas. No segundo caso, chegaria ofegante, escabelada e com o rosto
suado, falando sem parar e me desculpando histericamente por ter me atrasado.
Não sei o que causaria a pior impressão. Eu sempre acho que estou causando a
pior das impressões. Mas tudo bem, era melhor não estar suando como um operário
de senegalês de minas de carvão. Por isso apurei o passo para terminar logo de
vestir meu paramento e, bélica, ir para o local marcado.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aceitei o convite e escolhi o dia
e o local onde nos encontraríamos. Queria um local público, neutro e que não me
tirasse de minha zona de conforto. Que outro lugar poderia ser? Claro que foi
em uma confeitaria. Só açúcar e café forte me reconfortariam e me acalmariam,
já que eu não podia fumar mais em locais fechados, e mesmo que pudesse não o
faria para não causar uma impressão ainda mais negativa. Aliás, odeio essas
campanhas antitabagistas. Não porque sou fumante, mas porque sou livre. Tenho o
direito de escolher o que fazer da minha própria vida e se escolher morrer um
pouco a cada tragada, a escolha é minha. Suicídio é um ato de liberdade. Mas
querem que sejamos boas moças, puras e castas vitorianas. <i>Fucking’s health</i> <i>moralists</i>!</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cheguei e procurei uma mesa de
canto, próxima a uma grande janela que dava a um parque com ipês
impressionantemente coloridos. Sentei-me de frente para o parque, pedi um
cappuccino grande, uma generosa fatia de <i>cheese
cake</i> e tentei me acalmar. Mas dei-me conta que estava de costas para a
entrada e assim não veria o rapaz do supermercado chegar. Espero que ele me
reconheça facilmente, pensei. Eu estava sem óculos e sem lentes de contato
naquele dia no supermercado e não vi direito o rosto dele. Também não faria
diferença, eu aceitaria de qualquer forma a abordagem, porque meu narcisismo
sempre me faz cometer esse tipo de loucura de dar abertura às pessoas só porque
elas olharam para mim. Ou talvez não seja meu narcisismo, mas minha profunda
baixa autoestima. Mas não queria pensar
nisso. Mudei de lugar e sentei de frente para a porta. Mas não era um bom
lugar. Eu pareceria muito desesperada e ansiosa, espreitando a entrada. Além
disso, a luz que vinha de fora era péssima para minha pele, porque mostrava
todas as manchas e rugas que eu já tinha tentado esconder com base líquida e pó
compacto. Sentei em outra mesa, onde a luz era mais fraca. Puxei uma cadeira
lateral, onde poderia ver a entrada e o parque colorido no fim da tarde e de onde
poderia fingir distração e tranquilidade vendo as pessoas praticarem esportes (que
me cansavam só de vê-los de longe), enquanto folhava uma revista de fofocas sem
lê-la. Finalmente o lugar escolhido estava bom. Ajeitei o cabelo atrás da
orelha, alinhei a coluna e joguei os ombros para trás (ando arqueada como uma
camponesa eslovena<span style="color: red;"> </span>sexagenária), cruzei as
pernas, meio sexy, mas contida. Posicionei o café na diagonal à minha esquerda,
a fatia de torta na diagonal à minha direita, a revista bem à minha frente,
acima dela o açucareiro, o adoçante, os guardanapos e a placa com o número da
mesa, milimetricamente alinhados.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Dezesseis era o número da mesa. A
soma dava sete. Sete é o número da perfeição, dizem. Eu nasci no dia dezesseis,
que é o número da mesa, e cuja soma com mês e ano de nascimento também dá sete.
A soma dos quatro últimos números do telefone do rapaz do supermercado dá
trinta e quatro, portanto, sete. Moro num prédio cujo número é 2500, que também
dá sete. Serão sinais? Tenho que parar com essas paranoias obsessivas com
numerologia. Isso já me rendeu sete anos de azar, catorze anos de análise e
sete meses numa clínica para dependentes químicos.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">16h27min. Ele estava atrasado. E
novamente a soma dos números dava sete, <i>mierda!</i>
<i>Eu acho que ele não vem, ele não vem não,
ou será que virá?<sup>4</sup> </i>Eu já havia bebido o cappuccino, já havia
folhado duas mil setecentas e vinte e cinco vezes a mesma revista, tamborilava
na mesa as unhas recém-pintadas de rosa bem clarinho. Já tinha perdido a pose e segurava o queixo
com a outra mão, com a coluna virada num “U”, olhando para o nada no parque lá
longe e os pés cruzados sob a cadeira, prova que estava louca para sair
correndo dali. Então, ele entrou. Abriu um sorriso franco e me desarmou.
Estendi a mão, polida e pudica, e ele inclinou-se para beijar-me. Sua barba
roçou levemente o lóbulo da minha orelha e tive um arrepio. Oh, Deus, pensei,
te segura. Talvez ele tenha pedido desculpas pelo atraso, mas eu estava tão
desconcertada com a barba dele roçando em mim e com aquele sorriso branco no
meio daqueles pelos negros que fiquei surda por alguns momentos.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ele não é um homem bonito. Seus olhos
são juntos demais, sobrancelhas negras bem marcadas, nariz adunco, pele meio
macerada, cabelos finos, desgrenhados e ressecados. As mãos são bonitas, fortes
e com juntas salientes. Ele é alto, magro, meio desengonçado. Pareceu-me ser
até meio manco, mas talvez fosse constrangimento de atravessar o longo salão
sendo observado detidamente por mim, sentada na mesa do fundo. Acho que ele
chegou a pensar que eu olharia para ele quando chegasse à beira da mesa e
diria: <i>“Certo, vire-se. Ok, sente-se.” </i>Confesso
que pensei em fazer isso, lançando um olhar analítico-megera, meio Anna Wintour, mordendo a ponta dos
óculos, erguendo uma das sobrancelhas e acariciando o queixo. Obviamente não
fiz, embora tenha realmente realizado uma avaliação preliminar do rapaz, da
mesma forma que certamente fui analisada - rogo que positivamente.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Conversamos longamente e nem percebemos
a hora passar. Ele contou-me sobre suas andanças pelo mundo, seu cotidiano,
família, amigos, gostos diversos. Chegou a fazer certa autopromoção, supervalorizando
seus feitos mais simples, mas tentei exercitar minha condescendência em
primeiros encontros. Ele é tímido, comedido, mas bem articulado. Parecia que
estávamos compassados, cumprindo a dança da conquista, respondendo mutuamente ao
questionário básico da entrevista para ocupar a vaga disponível. Tentei falar
brandamente o que penso, sem me mostrar muito e sem me boicotar. Sempre falo
bobagens quando estou tensa e primeiros encontros são polos de tensão. Acho que
por isso que não tenho segundos encontros. Ponto para mim. Comportei-me
perfeitamente, acho. Sem piadas de humor negro, politicamente incorretas,
preconceituosas e principalmente autodestrutivas.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entardeceu, o sol se pôs, a confeitaria
fechou. Quando olhamos para o lado, todas as mesas estavam vazias e as cadeiras
começavam a ser empilhadas sobre elas para que a limpeza do salão começasse.
Levantamos e nos dirigimos à porta. Momento constrangedor. Eu não sabia o que
dizer, o que sugerir, nem sei se queria fazer algo depois. Um café no fim da
tarde nem é propriamente um encontro. É um café no fim da tarde. Encontro seria
se ele me levasse para jantar a luz de velas em um restaurante francês ou se
fizéssemos um passeio em algum parque no domingo, com direito a piquenique com
vinho e frutas. Mas era apenas um café. No fim da tarde. E eu estava preparada
para a constrangedora despedida na beira da calçada. Eu vou para um lado e ele
diz que tem que ir para outro, mesmo que fosse para o mesmo lado, só para não
me acompanhar. Eu estava acostumada e havia me tornado <i>expert</i> em me desvencilhar de despedidas constrangedoras no fim de
encontros desastrosos.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E foi o que aconteceu. Meio desajeitados
- ele muito mais que eu – nos despedimos próximos ao meio-fio. Deixei cair no
chão os óculos de grau quando tentava colocá-los na bolsa. Gentilmente ele
curvou-se para juntá-los. Cena clássica: eu também me curvei e dei-lhe um
encontrão fazendo com que derrubasse o livro que estava lendo. Fausto, de
Goethe. Comentei que meu gato chama-se Fausto em homenagem à Goethe. Que queria
chamá-lo de Mefistófeles, mas ele tem mais cara de Fausto mesmo. Ele riu. Não
sei se foi positivo ou negativo o riso. Hesitei. Senti-me ridícula. Ele deve
ter pensado que nunca li nada de Goethe. Para evitar prolongar o momento
constrangedor, tratei de estender a mão para despedir-me com um sorriso amarelo
e um “<i>até mais, então</i>”. Ele pareceu
surpreso com minha reação. Despediu-se e perguntou se poderia ligar “<i>um dia desses</i>” para marcarmos um jantar.
Sei, <i>um dia desses</i> é nunca mais,
ainda pensei na hora. Vontade de dizer: <i>“Ok,
sem prêmios de consolação. I will survive.”</i> Mesmo assim disse a ele que sim,
que ele poderia ligar quando quisesse, e poderíamos combinar uma noite em que
eu estivesse livre e que meu único dependente é Fausto e que ele é mais
independente que eu. Ele insistiu perguntando se poderia ligar QUANDO quisesse.
Franzi a testa, meio esquiva, e novamente disse que sim, que poderia ligar.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como eu já esperava, ele foi para
um lado e eu para outro. Mas fui eu quem perguntou para que lado ele seguiria.
Coincidentemente ele ia para o lado que eu deveria ir e, sendo assim, a regra
mandava que eu dissesse obrigatoriamente que ia para o lado oposto ao da minha
casa. Dobrei a esquina e uma chuva fina chegou para lavar minha alma de mais um
encontro frustrado. Minhas sapatilhas vermelhas de pano ficaram pontilhadas de
chuva e contra o calçamento cinzento do passeio formavam uma composição bonita,
meio melancólica, como eu estava. Apurei o passo me protegendo sob as
marquises. Parei numa esquina para atravessar a rua e ouvi o celular tocando
dentro da bolsa. Remexi seu interior procurando-o. Eu nunca conseguia
encontrá-lo a tempo de atender da primeira vez. Quando o encontrei a ligação já
havia sido encerrada. Guardei-o sem ver quem ligou. Pouca coisa me interessava
àquela hora. O telefone tocou novamente. Eu estava no meio da travessia da rua
e atendi às pressas.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Alô? Oi? Sou eu...</b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Oi...É...Tudo...Tudo bem? Que surpresa...</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Você disse que eu poderia ligar QUANDO quisesse,
então liguei.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Pois é...Rápido, né?</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- É...Se você estiver ocupada tudo bem...</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Não, não...Estou somente mexendo no rabo e fazendo
um castelo de areia. Mas com essa chuva acho que vou pegar meu cubo mágico da
bolsa...</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- O quê?</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Nada não, nada não...Então...Fala aí...</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Eu liguei porque você disse que eu podia ligar
quando quisesse para convidá-la para jantar. Pensei que um encontro só é de verdade quando é um jantar ou algo assim
tipo um piquenique no parque com direito a vinho e frutas. Mas com essa
chuva...Café no fim da tarde não é um encontro e não dá para fazer um
piquenique agora. É...O que quero dizer é...quero saber se você está ocupada
para o jantar hoje, agora. E quero saber se Fausto sobreviverá mais alguma
horas sem você?</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Não...Quer dizer, sim...Sim e não. Eu estou livre
para o jantar, sim. E não, não estou ocupada. E fausto sobreviverá melhor sem
mim que comigo. Onde te encontro? </b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>- Vire-se e olhe atrás de você.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu virei. Uma mão segurando a
bolsa, a outra puxando a barra molhada da calça e o celular preso entre a
orelha e o ombro. No movimento brusco de virar-me derrubei o celular, que se
partiu em três partes numa poça d’água.
Sorrimos, nos ajoelhamos e juntamos os pedaços do aparelho. Peguei o exemplar
de Fausto que ele carregava e coloquei-o na bolsa para não molhar ainda mais.
Continuamos nos esgueirando da chuva sem rumo certo. Vez ou outra ele me
abraçava para me proteger e me puxava contra si para evitar que eu pisasse em
alguma poça. </b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Naquela noite eu tirei a barriga
da miséria.</b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRGFQOkM8Ool02d5_1hhNWTVziQBLUjYL5zFaX4p0Bb8HPpOHzpLW9dqwmyI7Vudq9rJ4E4Dmmg67yvPTPu-OgrhMFmXpgVo0JYttx8I9C2lj0XSd74s66RkUdN7z_xr68AQ41C_qE_gjf/s1600/Imagem+cedida+por+Leonardo+Cassimiro.+Arquivo+pessoal-11.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRGFQOkM8Ool02d5_1hhNWTVziQBLUjYL5zFaX4p0Bb8HPpOHzpLW9dqwmyI7Vudq9rJ4E4Dmmg67yvPTPu-OgrhMFmXpgVo0JYttx8I9C2lj0XSd74s66RkUdN7z_xr68AQ41C_qE_gjf/s640/Imagem+cedida+por+Leonardo+Cassimiro.+Arquivo+pessoal-11.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Imagem gentilmente cedida por <i>Leonardo Cassimiro</i>. Arquivo pessoal.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>___________________</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>1 Pensar é Transgredir. Lya Luft,
pág. 30.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>2 “Nuvem Negra”, Gal Costa.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>3 “Retrato em Branco e Preto”,
Chico Buarque.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>4 “Tudo Pode Mudar”, Metrô.</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-79848666968566974612012-09-29T14:33:00.001-03:002013-06-17T15:09:40.169-03:00POUR CHANTER EN CHOEUR: “JOYEUX ANNIVERSAIRE!”<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipKYQrjATNXPPd_4flIjAmSp6chjkU9lVJb7SiWnhOi39nfJwpBJQwaB_4SbYD9ruvh7fz1_70r94otwWsDkmPdrgaMJxarCwoYyC1VPWmMgPYBMwgFRpVjD7IsV-C90wWwPlwYz0Zu_77/s1600/NILS+VON+DARDEL+-+DEN+D%C3%96ENDE+DANDYN+(THE+DYING+DANDY)+-+1918.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="504" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipKYQrjATNXPPd_4flIjAmSp6chjkU9lVJb7SiWnhOi39nfJwpBJQwaB_4SbYD9ruvh7fz1_70r94otwWsDkmPdrgaMJxarCwoYyC1VPWmMgPYBMwgFRpVjD7IsV-C90wWwPlwYz0Zu_77/s640/NILS+VON+DARDEL+-+DEN+D%C3%96ENDE+DANDYN+(THE+DYING+DANDY)+-+1918.jpg" width="640" /></a></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>“Den Döende Dandyn” </i>– (The Dying Dandy): Nils Von Dardel, 1918 [*] </span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span>
<br />
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>“Pára, meu coração! </i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Não penses! Deixa o pensar na cabeça!</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Hoje já não faço anos.</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Duro.</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Somam-se-me dias.</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Serei velho quando o for.</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Mais nada.</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...</i></b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b><i>O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...”</i> </b></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<br /></div>
<div style="font-weight: bold; text-align: right;">
<b>(“Aniversário” - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)) </b></div>
</span><br />
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><u>[Para ler ao som de Bon Anniversaire
– Charles Aznavour]</u><o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Dei uma última olhada no espelho bisotê emoldurado em ferro fundido com motivos florais em estilo rococó sobre o aparador antigo de mármore. Ainda tenho a mania de esperar que milagres aconteçam no caminho do quarto até a sala e que minha aparência milagrosamente melhore no exato instante em que certifico o feito no espelho do corredor. Não aconteceu, obviamente. Suspirei para buscar fôlego e continuar andando, arrumei uns fios rebeldes do cabelo que caíram sobre a testa já lustrosa devido ao nervosismo habitual da situação. Passei as mãos na lapela do casaco branco para retirar possíveis fios de cabelo, também brancos, caídos de minha cabeça cada vez mais calva. Vesti o sorriso mais forçado e adentrei a sala.</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Todos esperavam por mim. Aplausos e abraços, risos altos e beijos estalados. Detesto esses contatos físicos próximos, principalmente quando penso que envolvem centenas de milhares de perdigotos jogados em minhas faces no final. Cumpri à risca o protocolo, que envolvia dizer a idade que estava completando e ouvir sorridente que <i>“nem parece”</i>, quando na verdade parecia, que eu estou <i>“super bem para a idade...”</i>, quando na verdade todos sabíamos que não estava, ouvir atento e interessado receitas para finalmente encontrar um bom casamento, já que a vida toda fui solitário e é inconcebível sê-lo por escolha pessoal na idade que tinha atingido, parar de fumar, porque <i>“existem cinco minutos presos em cada cigarro”</i>, parar de beber - porque prazeres hedonistas não são sóbrios - e de dormir até muito tarde em dias ensolarados de primavera, <i>“porque o sol faz bem pros ossos, ainda mais depois de certa idade”</i>, praticar exercícios e ter uma alimentação saudável. Enfim, eu deveria deixar de ser eu mesmo. Não existe coisa mais pedante que pessoas politicamente corretas. Sim, existe. São insuportavelmente pedantes as pessoas politicamente corretas que tem intimidade conosco e acham-se no direito de intervirem em nossos hábitos autodestrutivos. Agora que havia entrado nessa “nova era” dos quarenta anos deveria casar, ter filhos, uma casa com varanda e quintal, poupança, plano de aposentadoria, uma vida sem vícios. Resumidamente, queriam que eu trocasse de jaula. Uma nova prisão para um dândi de meia idade. Uma prisão mais digna do status que eu deveria ter com a idade que me alcançou, a idade da razão, que nem sei se algum dia terei. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aturdido, peguei uma taça de vinho branco e fui para um canto do salão. É reconfortante sentir todas as papilas serem inundadas pelas notas delicadas de um doce néctar de boa safra. Fechei os olhos e tentei me imaginar longe dali. Não funcionou. Ouvi gritarem meu nome. Acordei do breve transe nos braços de Dionísio. A realidade é pior que o sonho, sempre. Levantei-me e tentei parecer feliz. Caminhei em direção à grande mesa onde estava disposto um bolo com meu nome escrito com glacê. As pessoas não se cansam de serem cafonas com os outros e de expô-los a situações vexatórias? </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A hora do “parabéns pra você” é a pior desde que tenho três anos de idade. Tortura medieval seria menos dolorosa. Neste ano, como se não bastasse, eles aprenderam a cantar Parabéns em todas as línguas de todos os países por onde andei ao longo de alguns anos, na tentativa desesperada e frustrada de fugir de todos aqueles que naquele momento rendiam-me homenagens. Começaram a cantar em minha língua materna e terminaram gritando, <i>“en choeur”: “JOYEUX ANNIVERSAIRE”.</i></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enchi os pulmões de ar, inclinei meu corpo para frente e expeli o ar vigorosamente pela boca, cuidando para fechar os olhos como se estivesse fazendo um pedido especial (que evidentemente não fiz porque meu único desejo, o de sumir dali, não seria realizado no momento em que precisava). Pronto. Apaguei as dezenas de velas brancas pequenas dispostas sobre o bolo de chocolate confeitado. Alguém entusiasmado disse que ele era feito de ganache de chocolate meio amargo, morangos e uma crosta de amêndoas caramelizadas. “Ma-ra-vi-lha!”, eu disse, com forte entonação na separação silábica. A vontade que tinha, porém, era de dizer que sempre achei o cúmulo do lugar comum à combinação de morangos e chocolate. Não consegui contar as velas, mas provavelmente o vexame completo era que elas representavam cada uma um ano da minha vida. Precisava esfregar a realidade na minha cara e fotografar para registrar para a posteridade a minha ruína? </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu via como um estrangeiro aquela agitação alusiva ao dia em que eu fazia anos. Não era para mim, não era comigo, não era eu. Ali havia um duplo de mim, oco e sem essência. Uma carapaça sorridente e compassiva atrás da qual o “Verdadeiro Eu” se escondia para satisfazer as necessidades alheias. Queria sentar no alto do morro mais alto, de onde podia ver todas as luzes deste povoado medieval parado no tempo acenderem, até as mais distantes, enquanto bebia meu Bourbon de qualidade duvidosa e fumava um cigarro marroquino de cravo. A vontade que sentia naquela hora, sabendo que era realmente amado por todos aqueles que festejavam a minha existência, era de dizer: <i>“Certo, já sei que vocês me amam, agora preciso sair e ficar sozinho. Bebam e comam por mim. Somos todos bacantes!”</i> Mas tenho crises atrozes de comiseração cristã. Eu jamais feriria essas pessoas com meu egoísmo. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há anos vim parar aqui nestas longínquas e isoladas <i>tierras de España</i>. Nem sei bem o porquê. Só queria fugir. Não consegui. Carrego, marcada na alma, a cidadela na fronteira com o Uruguai que deixei, carrego no peito os amores que deixei, carrego na pele as cicatrizes das lutas contra o Rei. E cercado de pessoas que supunha me amarem, felizes por terem preparado uma festa especialmente para mim, mesmo eu sabendo que não merecia tamanha honraria, tal como um bolo ostentando velas na quantidade dos meus anos, um prato generoso de pisto, <i>tortillas </i>variadas, tapas finamente adornadas e uma sangria forte, sentia claramente que eu era uma fraude.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ofereceram-me mais um copo de sangria, porque tinham certeza que eu adoro - mas detesto profundamente e não diria jamais porque não tenho coragem de ser sincero e correr o risco de ser rejeitado. Minha necessidade de ser amado é maior que minha necessidade de dizer o que realmente penso. E por mais que fosse opressiva essa situação que via com distanciamento e estranhamento, pior seria se estivesse sozinho em casa com meu gato, sentados à mesa comendo comida enlatada fria ou então passando horas preparando um jantar sofisticado, composto por entrada, prato principal e sobremesa, harmonizado com bom vinho tinto, somente para mim. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É uma tradição familiar que conservo desde a mais tenra infância a de transmitir afeto através da culinária. Todos em minha família costumavam abrir as portas de suas casas e receber as pessoas calorosamente com jantares ou almoços longos e fartos, impecavelmente apresentados e com cardápio invejável. Os prazeres sensoriais da boa mesa sempre foram nossa moeda de barganha. Eu não teria me tornado chef de cozinha profissional se não tivesse esse desejo de seduzir meus convivas com a alquimia exerço na cozinha. Além disso, é a única forma autêntica que conheço de demonstrar afeto. O resto é um grande espetáculo artificial. Mesmo sem refletirem muito sobre isso, todos em minha casa materna sabiam que não existia forma mais fácil e eficaz de dar e receber carinho que através da boa mesa e que não existiria, numa família emocionalmente desestruturada, outros momentos de comunhão – embora interessada – além dos proporcionados ao redor da mesa de refeições, onde cores, sabores e cheiros traziam à mente aconchegos longínquos ou recriavam carícias inexistentes. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cordato, sentei-me à cabeceira da grande mesa cuidadosamente posta, como gosto e como costumo fazer quando recebo os que me são caros. A toalha alva de cambraia bordada com arabescos pendia graciosamente nas laterais da mesa, os guardanapos de linho estavam milimetricamente dobrados e presos por anéis de alpaca polidos à exaustão e pousados do lado esquerdo dos pratos de delicada porcelana branca, as taças de água, vinho branco e vinho tinto eram de cristal alemão à direita, e os talheres de prata estavam irretocavelmente lustrados e perfeitamente dispostos. Irrepreensível. Todos se acomodaram em seus lugares ao redor da mesa, aparentemente eufóricos com o momento que supus ser o ponto alto da noite. Então, ouvi uma agitação maior. Aumentando gradativamente, surgiram palmas, sapateados, castanholas e uma guitarra soando de forma envolvente. E pelas minhas costas surgiu um carrinho trazendo um opulento jantar típico da minha terra de origem, preparado especialmente por um dos meus queridos ali presente. As baixelas de prata traziam toda sorte de cortes bovinos, ovinos e suínos, assados em brasas, vísceras que eu sequer seria capaz de identificar, carnes gordas e mal passadas. Uma refeição típica de bárbaros mongóis (ou latinos). O grupo musical, composto por homens alinhados em ternos negros e dançarinas exuberantes com vestidos de renda carmim, cercou a mesa. Todos acompanharam o ritmo da música com danças e palmas, enquanto os pratos eram cuidadosamente colocados em frente aos comensais, como se fosse uma oferenda aos deuses. Fiquei lisonjeado com o carinho e com a singeleza profunda do ato, embora abomine veementemente todos aqueles pratos. O cheiro da comida e a música tomaram conta de todo o ambiente e me deixaram mareado. Disfarcei e recobrei as forças com um gole d’água. Bati palmas, sorri e agradeci por tudo aquilo que estava sendo feito por mim. Intimamente, no entanto, eu estava completamente desolado com todo aquele circo. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Serviram-me sem parcimônia alguma, ao melhor estilo latino no qual estávamos todos imersos. Remexendo a comida no prato com a ponta da faca pensava: Que pedaços são esses sangrentos e gordurosos no meu prato? Eram as vísceras de um boi, imaginei. Engoli seco. O que é isto? Frango? Ah, não, é o coelho da paella valenciana. Salivei, nauseado. Separei todos os pedaços de carne e tentei comer o restante do que me foi servido. Alternadamente bebia generosos goles de vinho ou água para conseguir deglutir a comida. Esta foi a maior das torturas já realizadas naquele vilarejo, desde sua fundação, em meados do século XVI. Não tive coragem de dizer a eles que eu sou vegetariano macrobiótico há anos, temendo estupefação geral e desprezo indistinto. Da mesma forma que jamais diria àquele grupo de católicos fervorosos, que fez uma oração em um dialeto basco em frente aos pratos servidos, que sou muçulmano e que havia me convertido já em idade adulta, porque tive uma louca paixão por um iraniano, cujo nome e rosto deliberadamente desapareceram da minha mente no dia em que ele resolveu explodir a si mesmo e à embaixada do meu país em Jerusalém, cidade onde vivíamos. Meu amor literalmente explodiu, mas minhas crenças permaneceram. Frágeis, mas existentes. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Consegui, na profusão de pratos, taças e talheres, me livrar de toda carne servida a mim sem chamar atenção. Continuei sorrindo e conversando cordialmente com todos, afinal era essa minha obrigação. Por dentro, no entanto, a cada sorriso, sentia uma lança atravessar meu peito destruído. Tentei sair da mesa e ir fumar em um canto qualquer, longe da confusão. Impossível. Era hora da sobremesa. Servem espumante produzido nas redondezas do vilarejo. Razoável (bem razoável!), mas não digo nada porque era uma cortesia do produtor, que estava presente. Ergo um brinde e agradeço a cada um por toda a atenção e carinho dispensados ao longo de todos os dias, em especial naquele. Salud! </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cabia-me, como é tradicionalmente feito, a incumbência de servir e dedicar o primeiro pedaço do bolo com algumas frases de efeito. Polidamente servi e ofereci à primeira pessoa que vi, aleatoriamente. E dirigi-lhe gentilezas genéricas que diria a qualquer um ali presente. Cortez, nada além disso. Sem que pudesse dizer que estava farto e não comeria naquela hora o bolo de chocolate, serviram-me uma fatia generosa, onde era possível ver a inicial do meu nome. Não pude dizer que sou intolerante à lactose e alérgico às amêndoas da crosta crocante do recheio, tampouco teria coragem de dizer que detesto chocolate e amêndoas, ainda mais cobertos de confeitos coloridos.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tomei, então, uma decisão radical. Era isso que eles esperavam de mim, que eu fosse grato e me deleitasse com o amor que me era ofertado até ser consumido por ele? Então, que seja. Entreguei-me. Bebi o restante do espumante da taça em minha frente em um único gole. Respirei fundo, fechei os olhos e concentrei-me na garfada do bolo, a qual levei à boca vagarosamente. Minhas papilas foram invadidas pelo doce enjoativo dos confeitos açucarados. Mastiguei a crocância das amêndoas. Engoli. Em volta todos observavam sorridentes. Sorri para acompanhar e assenti, olhando cada um dos presentes diretamente nos olhos. Ainda ouvi as risadas, os aplausos e os gritos de todos ficando cada vez mais distantes. Minha visão ficou turva, tive tonturas, sudorese, alteração da pressão arterial e perdi a tonicidade muscular dos braços e pernas. O resto foi contado a mim nos dias subsequentes pelas testemunhas dos fatos: fui carregado nos braços, cianótico e inconsciente, para o hospital da cidade. Fui medicado e muitas horas depois recobrei a consciência. Estava ainda bastante atabalhoado, mas tinha uma certeza: a de pelo menos ter conseguido sair da minha própria <i>fiesta de cumpleaños</i> na hora que decidi. Finalmente tive um <i>bon anniversaire</i>.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><iframe allowfullscreen="allowfullscreen" frameborder="0" height="360" src="http://www.youtube.com/embed/iMKFJThSWS8?feature=player_detailpage" width="640"></iframe><o:p></o:p></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">[*] Classificado
pela história da arte como pós –impressionista, Nils Dardel é um artista sueco
do começo do século XX. De família aristocrática e biografia aventureira, ele
passou por, Cuba, Peru, México, Guatemala, Norte da África, Japão e Paris,
antes de morrer em Nova York, em 1943. O deslocamento geográfico é semelhante
ao estilístico, Dardel adotou o Cubismo, o Fauvismo, a abstração e volta e meia
aportava no realismo tradicional. É fato que em algumas obras ele
antecipou o Surrealismo. Era em vários sentidos um dândi, conhecido pela
elegância pessoal, pelas opiniões afiadas e excêntricas e pelo gosto por
morbidez e decadência. A obra mais conhecida que ele deixou se chama justamente
A morte de um dândi (de 1918, acima) até recentemente o quadro sueco vendido
pelo maior valor no mercado da arte global.</span></b><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><o:p></o:p></span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-21377232367355599202012-09-20T20:37:00.000-03:002012-09-20T20:37:15.792-03:00ENCRUZILHADAS DA RAZÃO<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFX2kCyY8sjM5PU1cm73B7ymqQOz_IAwyVChqQUvLDtJK3l1PVMBdHY0Rp3KDCKLKKb_hEgDb9q2M8MCfzbQXkjDKcsl9JUSHOoCfQ5CQkOKeBNxc01XNAhZ5aTabl2Ob2vNelq6AlRoJU/s1600/alberto+pancorbo+-+Poblada+Soledad.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFX2kCyY8sjM5PU1cm73B7ymqQOz_IAwyVChqQUvLDtJK3l1PVMBdHY0Rp3KDCKLKKb_hEgDb9q2M8MCfzbQXkjDKcsl9JUSHOoCfQ5CQkOKeBNxc01XNAhZ5aTabl2Ob2vNelq6AlRoJU/s640/alberto+pancorbo+-+Poblada+Soledad.jpg" width="490" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Alberto Pancorbo: “<i>Poblada Soledad</i>”. (Acrilic on canvas)<b><o:p></o:p></b></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span lang="EN-US"><i style="text-align: justify;"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">[Para ler ao som de “Perfect Day” (Lou Reed), interpretado por Antony & The Johnsons]</span></b></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>"Oh, such a perfect day</b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span lang="EN-US"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>You just keep me hanging on</b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>You're going to reap just what you sow" [*]</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>(Lou Reed)</b></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Meu peito estava apertado. Mas
não era angústia. Era como se eu tivesse sido acometido por alguma daquelas
enfermidades cardíacas que fazem o coração da gente crescer, inchar, entupido de
qualquer coisa podre que não é amor, até entrar em colapso e explodir necrosado
em todas as sete direções galácticas. A sensação que eu tinha, porém, era que a
qualquer momento meu coração implodiria e abriria um buraco negro bem no meio
do peito e sugaria para dentro de si tudo ao seu redor, e a mim mesmo, para o
mais profundo esquecimento. Eu estava vazio de tudo e dentro de mim algo
crescia de forma incontrolável. Silêncio e inércia sufocam a gente. Poderia ser
apenas o anúncio de um enfarte. Poderia ser algo pior e irremediável. Poderia ser
o colapso da razão. Colapso porque não dava mais para segurar tantas urgências
simultâneas gritando por dentro. Pavor. Um escuro silencioso e frio crescia,
duro, como uma estrela que chega ao fim da existência, minguando gradativamente
até transforma-se em uma anã branca, sem luz e sem condições de abrigar
qualquer manifestação de vida. Eu sentia como se tivesse me tornado um
expatriado porque dentro de mim não havia mais possibilidade de existir vida.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Meu coração estava querendo
chamar atenção? Provavelmente. Mas para que? Acho que ele só queria dizer que
estava ali, vivo, além de involuntariamente pulsante. Eu já o havia relegado ao
devido lugar de um órgão que não funciona bem e que tem um defeito congênito e incurável.
E já havia realizado o único tratamento ao qual poderia me submeter em casos
como esse: <i>re-sig-na-ção</i>. Eu já havia
me resignado e tentava aprender a sobreviver com um coração que não funcionava
como deveria e que jamais seria curado, porque não havia salvação para um órgão
que não cumpria somente sua função principal de bombear sangue para o restante
do corpo. Para completar, além de incapaz de cumprir suas funções essenciais,
meu coração tinha rompantes de independência dentro de mim. Ora, um coração com
vontades! Que disparate! Meu cérebro sempre foi senhor de minhas ações e um
coração que ama errado - aliás, um coração que “ama” - só poderia ser fruto de
uma mente fértil, romântica e irascível.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Minha mente e meu coração, de
fato, não estavam no mesmo compasso. E eu estava perdido entre os dois. Sentia
uma dor física que era uma dor de secura, como se acontecesse um processo de
desertificação em mim. Fui ficando infértil, árido. Eu sabia, conscientemente,
que um coração personificado era fruto de alguma coisa que não funcionava bem em
minha cabeça. Sempre fui razoavelmente autoconsciente e sabia que aquilo que
estava acontecendo não era indício de sanidade. Mas eram mais fortes que minhas
faculdades mentais esses impulsos involuntários.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Meu coração parecia crescer cada
vez mais de tanto vazio e minha mente parecia cada vez mais empenhada em
certificar esse movimento. E eu atônito, amordaçado e imobilizado, vendo minha
própria vida ser tomada de assalto por uma mente ilógica e um coração insano,
assistindo pela pequena janela da cela escura de minha alma os vultos de uma
vida interior inteira serem refletidos através sombras difusas, sem minha
participação.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Foi então que resolvi ir até lá e
bater à porta novamente, mesmo sem avisar, mesmo sem ser convidado, mesmo
parecendo um completo paspalho. E pareci realmente. Tinha a consciência que era
alta madrugada. Chovia e eu andava sem guarda-chuva. Sabia que poderia adoecer
fisicamente ainda mais, mas isso me importava menos que a impressão que eu
causaria, chegando no meio da noite, todo encharcado e sem avisar. Não importava
mais minha saúde física, não importava mais a impressão que eu causaria, não
importava mais minha sanidade mental. Bati. Bati novamente. Na terceira e mais
vigorosa vez que bati à porta ela se abriu. Por dois segundo quis sair correndo
porque sabia o que poderia parecer eu estar ali, assim despido de todos panos
coloridos com os quais cobria minha face da verdade. Uma luz fraca iluminou meu rosto molhado.
Senti-me mais uma vez um miserável. Mas era tarde demais para voltar atrás.</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- Sei que você deve estar
estranhando eu estar aqui. Na verdade eu também estranho, porque quase não me
reconheço nesta atitude impensada. Sinto-me meio ridículo vindo aqui a uma hora
dessas, sem avisar, numa noite como esta, sem nem ao menos saber exatamente o
que esperar ou o que dizer ou se você me receberia. Mas vim porque sinto que existem coisas que quero
dizer e preciso dizer agora. Sei que estou com hálito de álcool. Apenas tive
energia e coragem para vir depois de algumas doses. Mas não quero importunar
você com meus sofrimentos. Só vim... na verdade nem sei direito porque vim...
Certo, tentarei formular claramente... eu vim porque queria dizer umas coisas
que estão me atormentando a razão desde aquele dia que você chegou e me disse
aquelas coisas bonitas naquele bar, me olhou daquele jeito tão terno e gentil,
bem dentro dos olhos como se pudesse ver minha alma e me despiu de todas as
defesas com seus olhos amendoados meio umedecidos, negros e brilhantes, e me
trouxe aqui para sua casa. Não, não acho que você me usou para satisfazer seus
impulsos básicos. Bem, acho que sim, acho que você queria de mim naquele dia
menos que eu quis de você nos dias seguintes. Não vim cobrar minha pureza
perdida. Eu não sou puro há muito tempo e não tinha nada perder. Tampouco tinha
algo a oferecer a você de puro, raro ou intocado. Ambos há muito perdemos a
inocência. Ambos não chegamos – e talvez nunca cheguemos - à idade da razão. E
ambos sabíamos exatamente o que estava acontecendo e no que aquilo poderia resultar.
Afinal, somos adultos e maduros e conscientes e práticos e perfeitamente
capazes de suportar ausências ou negativas. Mas no caminho entre minha cabeça,
meu coração e minha pélvis algo que eu sentia fugiu do meu controle. Eu sempre
fui aparentemente seguro, você sabe, e sempre soube lidar bem com situações
como a que vivemos. Atração física sempre foi um assunto que distingui
completamente de qualquer afetividade. Não, não é isso. Não vim aqui para falar
de especulações acerca de qualquer espécie de afetividade entre nós. O que
estou dizendo? Não vim aqui para falar sobre o que você pensa do que aconteceu
entre nós. Vim aqui somente para falar uma coisa. Espera, eu vou conseguir... É
que meu coração mandou meu cérebro calar-se. E ele obedeceu, fugindo completamente
de qualquer racionalidade. E é por isso que estou aqui, porque não é racional. Acho que estou aqui porque meu pensamento
fugiu a toda lógica, porque sou apenas desejo agora neste momento, desejo errante
e selvagem, molhado de chuva, de suor e de algumas lágrimas que não consegui
conter, meio zonzo de tantos pensamentos fragmentados e sentimentos
arrebentados, talvez um torpor causado pela combinação de álcool e café preto depois
de muitas horas de estômago - e alma - vazios. Vou dizer uma coisa correndo o
risco de ser ridicularizado ou de você sentir medo de mim. Várias vezes eu
passei aqui pela frente da sua casa e olhei para a janela, de madrugada, e vi a
luz do nosso, quer dizer, do SEU...do seu quarto acesa, e via dois vultos
distintos caminhando ao redor da cama. Você tem todo o direito e reconstruir a
sua vida, e eu a minha... na verdade não é uma reconstrução, porque não tivemos
vidas destruídas. A bem da verdade, nem construímos uma vida juntos. Nossa
história se resumiu a alguns filmes juntos, com roçares acidentais de mãos no
escuro, enquanto lhe oferecia pipoca, mesmo sabendo que você detesta, no máximo
meia dúzia de beijos roubados quando subiam os créditos e alguns poucos
jantares, regados a gentilezas frias, como eu lhe passar a cesta de pães provavelmente
dormidos do <i>couvert</i> ou você servir
vinho na minha taça sempre vazia. Mas me doeu ver você com sua vida distante da
minha, me doeu a possibilidade de alguém deitar sobre os travesseiros onde
revelei meus sonhos secretos a você, enquanto você acariciava minha testa, e
senti-me meio miserável por não poder ao menos dizer o que estou sentindo agora,
porque só restou de você em mim uma saudade de algo que nem sei se foi ou
poderia ter sido, uma promessa esmaecida de Polaroid e seu cheiro adocicado e
meio agreste impresso em minha pele tatuada de ausências e ressecada de amarguras.
O que quero dizer é que eu tenho sentido coisas que nem sei ao certo nominar...
Por favor, não feche a porta ainda, deixe eu terminar de falar o que tenho para
dizer. Espere! Não me deixe aqui neste escuro novamente! Abra a porta, por
favor, abra! Eu só queria dizer que...</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><iframe allowfullscreen="allowfullscreen" frameborder="0" height="360" src="http://www.youtube.com/embed/5kCj-SYYJMY?feature=player_detailpage" width="640"></iframe></span></b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>[*] “Ah, um dia tão perfeito / Você segura a minha barra / Você vai colher só o que plantou”</i></span></b>
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US"><b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAJTOYsGQ3HWBWIt8cHSRttKhf__M6mJjXx-4zOMamzP6S5dtazULeXweXAPf_nbchL1YZg3Cs4oHKCOZNEHpG3FV3X598PNAi7eBvFstN6L_gjfI7QK3x5psx4RoLPLrFOBhRyO7QAnoq/s1600/482114_459043237453656_240759152_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="242" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAJTOYsGQ3HWBWIt8cHSRttKhf__M6mJjXx-4zOMamzP6S5dtazULeXweXAPf_nbchL1YZg3Cs4oHKCOZNEHpG3FV3X598PNAi7eBvFstN6L_gjfI7QK3x5psx4RoLPLrFOBhRyO7QAnoq/s640/482114_459043237453656_240759152_n.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/00274187800734063955noreply@blogger.com32tag:blogger.com,1999:blog-1179299225517173192.post-13354543133566115792012-09-11T21:02:00.000-03:002012-09-16T19:37:34.258-03:00A GRANDE MUDANÇA<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSlfy_j0cg6rZOBbjjJ84SOxP3slspoQb9zZEKVjYgOdaol0Zo-2t4vaibcSTDRnUdABc9fEuhaUaFciIaJX0aN68RbYQTtabupdJEBSHaQEG9EcsNZqbcbcMIxp2lkETJKPBrXM51-Qik/s1600/Alberto+Pancorbo+-+LABERINTOS+DEL+ALMA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSlfy_j0cg6rZOBbjjJ84SOxP3slspoQb9zZEKVjYgOdaol0Zo-2t4vaibcSTDRnUdABc9fEuhaUaFciIaJX0aN68RbYQTtabupdJEBSHaQEG9EcsNZqbcbcMIxp2lkETJKPBrXM51-Qik/s640/Alberto+Pancorbo+-+LABERINTOS+DEL+ALMA.jpg" width="552" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Alberto Pancorbo: "<i>Laberintos del Alma"</i></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></i></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>“Já conheço os passos dessa estrada<br />
Sei que não vai dar em nada<br />
Seus segredos sei de cor<br />
Já conheço as pedras do caminho<br />
E sei também que ali sozinho<br />
Eu vou ficar, tanto pior”<o:p></o:p></b></span></i></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>(Retrato em Branco e
Preto – Chico Buarque)<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Olhou para seu rosto refletido no
pequeno espelho do banheiro como se fosse a primeira vez. E talvez realmente
fosse. Pela primeira vez conseguia ver a si mesmo daquela forma crua e fria.
Sentia uma dor seca no estômago. Angústia. Fome. Medo. Ou somente desilusão,
sem máscaras, exposta como as vísceras de um cervo devorado por chacais. Não
era a primeira vez que olhava para seu rosto tão detidamente, mas era a
primeira em que não havia admiração, não havia vaidade, não havia orgulho.
Houve um tempo em que ele foi muito bonito e exageradamente vaidoso. Mas
Narciso definhou de tanto admirar sua própria imagem refletida no espelho
d’água do lago. E exatamente naquele momento, em frente ao espelho, tentava
achar algum resquício escondido atrás das marcas fundas em suas faces. O tempo
havia passado e ele estava inexoravelmente condenado, como todos os vivos, a
não poder voltar atrás e a carregar as marcas de suas escolhas equivocadas pela
vida afora.<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>No momento em que percebeu
nitidamente todos os equívocos do passado e tomou consciência de que sua realidade
atual era fruto de escolhas anteriores o que restou foi uma amargura infinita e
a sensação de que a vida passou em um piscar de olhos. De tal forma que dos
pouco mais de quinze anos de idade subitamente foi jogado diretamente para os mais
de quarenta, talvez porque tenha passado tempo demais forasteiro de tudo e
alheio a todos – inclusive a si mesmo. E seu rosto de mais de quarenta anos,
com as rugas dos de mais de quarenta anos, as olheiras negras e fundas e a amargura
de mais de quarenta anos, faziam de seu olhar sem sonhos um mar de tristezas
impossíveis de serem ocultadas com sorrisos falsos. Decorrência do tempo
perdido, das noites insones, dos uísques falsificados, dos beijos vazios, do
sexo ordinário e de tantas outras epifanias cotidianas que são infinitamente
mais sentidas quando se tem mais de quarenta anos. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Se sua vida tivesse sido
diferente, se tivesse escolhido outros caminhos, se tivesse aproveitado outras
oportunidades, se tivesse tido consciência de si, todas essas marcas, essas
ausências e essa amargura não existiriam, pensou pragmático, enquanto estivava
a pele seca e vincada do rosto com as mãos ásperas e procurava obsessivamente
no fundo dos olhos negros o menino bonito que um dia foi. Tentando resgatar uma
leve sombra de euforia adolescente, pensou que ainda poderia ser infinitas
coisas na vida. Poderia ser o que quisesse. Quando tinha vinte anos. Mas com
mais de quarenta desaprendera o ofício de sonhar. Não desenvolveu a habilidade
de projetar desejos na realidade. Era inábil em viver. E deixou inúmeras
situações inconclusas, planos inacabados, portas abertas, mantidas assim para
que fossem fechadas ou deixadas entreabertas sem qualquer razão. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Naquele dia, quando se deparava com
quarenta anos mal vividos, barba de uma semana, umas dores estranhas no peito e
na alma, reconhecia-se com um intermédio, como um esboço, como uma construção abandonada
que mal saiu dos frágeis alicerces, como um “<i>quase</i>”. <i>Quase</i> feliz, <i>quase</i>
realizado, <i>quase</i> vivo. <i>Quase</i>
se casou com Denise, moça de palidez e magreza de sobrevivente de Auschwitz,
estudante de arquitetura. Ela possuía um ar altivo e independente, lia revistas
especializadas em arte e filosofia, tinha a soberba que cegou Édipo estampada
nas faces bem desenhadas de vinte e bem poucos anos. Óculos de sol, modelo tartaruga
de diva do cinema dos anos cinquenta, que escondia perfeitamente a mediocridade,
óculos de grau, seguindo as tendências da moda em design italiano, para
aparentar ainda mais o que não era. Vagava pelos botequins, cafeterias e salas de
cinema vomitando comentários sobre os filmes de Pasolini ou Godard que jamais
assistiu e sobre os quais assumia como seus comentários alheios (e não menos
vazios de sentido), bradando que para ela as obras “<i>eram manifestos pelo amor livre, que davam a exata noção da finitude
humana, ao passo que faziam emergir um humano superior, capaz de superar a
própria finitude em favor de um sentimento universalizante, possibilitando o
surgimento de uma subjetividade que permeia o verdadeiro Eu universal, mesmo em
ambientes opressivos</i>”. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Aliás, nisso Denise e ele eram
parecidos. Ambos gostavam de discursos grandiloquentes, preferencialmente com
platéias atentas e burras. Era nessas situações que realmente surgia esse tal <i>“verdadeiro Eu</i>” de cada um. Um dos
palcos prediletos dela era a cantina da faculdade. Lá se deleitava numa
retórica vazia. E fazia parte do seu show ostentar coques com pincéis (porque
pincéis só lhe serviam para ornar a vasta cabeleira cor de mel, já que pintar
não sabia nem o mais trivial sol com montanhas), mantas coloridas sobre os
ombros esquálidos, enquanto as mãos alvas e finas dançavam no ar, com dedos
longos e finos de pianista sueca que lembravam Liv Ulman em um filme de
Bergman. Será que Denise também tinha um espelho no banheiro onde observava a
si mesma? Ele nunca saberá. Isto porque ela abandonou-o e decidiu dividir seu
banheiro, assim como toda sua vida, com uma alemã de nome impronunciável, misândrica
ativista feminista, que conhecera numa manifestação qualquer pela libertação de
algum grupo oprimido de mulheres sabe-se lá de onde. Também não importava se
eram curdas, palestinas, israelenses ou cubanas. O importante era estar engajada em uma causa
da moda. Ele sabia que ela era incapaz de sair em praça pública com cartazes em
punho, mas acionava todas as suas redes sociais em favor da libertação das
cadelas-bomba iranianas, se isso fosse conferir um certo ar vanguardista. No
dia em que ela conheceu a tal alemã não foi diferente. Saiu para comprar
cigarros e foi engolida pela passeata, embora não fosse simpatizante dessas
inserções em manifestações públicas onde fosse inevitável o contato físico com
pessoas, conhecidas ou desconhecidas, da mesma forma que não era fumante. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Ele e Denise eram duplo um do
outro. Ele lá, entre os latinos, ela entre os alemães, curdos ou paquistaneses.
Chegaram a ter planos juntos. Sonhos insólitos, como tornarem-se vegetarianos
macrobióticos após retornarem do Tibete, Índia ou Compostela, abrirem um
restaurante krishna no bairro judeu da cidade, ou viver de gorjetas tocando sax
numa estação qualquer do metrô em Nova Iorque. Eram apenas sonhos e sonhos era
tudo o que tinham. E no fim nem os sonhos compartilhados restaram. <i>“Os ratos são os primeiros a abandonar o
barco”,</i> cuspia de lado, logo após ser abandonado, entre um conhaque e
outro, no bar onde tinha cadeira cativa num canto do grande balcão de imbuia.
Passava noites inteiras ouvindo boleros, bebendo, choramingando sua própria
miséria e contando ladrilhos coloridos nas paredes e no chão. <i>“O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A
mão que afaga é a mesma que apedreja”</i>, lamuriava rua afora, após ser
expulso do bar pelo adiantado da hora, nas intermináveis madrugadas sem Denise.
<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><i>“O pensamento é atemporal”</i>, ouviu uma vez de sua analista, porque é
cult fazer análise, além de usar os óculos da moda ou ler a literatura da moda,
mesmo que sejam assuntos sofisticados e inacessíveis para pessoas medianas como
ele. Não importava. O que ele sabia bem sobre o tempo é que ele passara e
sustentar essas personagens torna-se cada vez mais pesado. Ele sentia como se
vestisse uma fantasia que se avolumava até tornar-se imensa e capaz de
sufocá-lo até a morte. O mundo que ele criou já não era mais sustentável.
Entrara em colapso porque era uma quimera. E aquele era o dia do juízo final. Percebera
que à medida que o tempo passava, além de ser impossível suportar as doses
diárias de ilusões, as pílulas douradas e os placebos cotidianos, tornaram-se
impossíveis outras coisas também, como passar uma noite inteira com um
desconhecido em um quarto incerto de hotel, com vista para o nada, em lençóis
sujos. Ele tinha chegado à sombria conclusão que a vida havia sido implacável,
colocando-o em xeque, e a autoconsciência acabou sendo inevitável. Quando a
consciência emerge, potente e imponente como o muro de Berlim, é necessário derrubá-la
em silêncio, sem qualquer alarde e sem câmeras de TV, se quisermos permanecer
os mesmos e se empreendermos a hercúlea tarefa de mentirmos para nós mesmos por
toda a vida. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Ele sabia que não podia ser
guiado por um <i>chakra</i> de frequência
energética tão baixa. Só que do <i>chakra</i>
básico ao da coroa havia um mundo inteiro de coisas a serem enfrentadas, uma
batalha contra tudo, contra todos e contra si mesmo, sobretudo. A consciência é
uma maldição, é um caminho sem volta. O processo foi começando devagar, com
pequenos indícios, com anúncios quase imperceptíveis. Com o tempo, porém, isso
foi se intensificando até tornar-se insuportável. Os momentos de lucidez aconteciam
nas ocasiões mais impróprias, como nas fugas corriqueiras da realidade que ele
fazia mecânica e providencialmente desde sempre. Por exemplo, logo após os oito
maravilhosos segundos do orgasmo, quando a vida toda fica cor-de-rosa, tão
caros e necessários a compulsivos e hedonistas como ele. A grande lança da
lucidez caía sobre sua cabeça no exato instante em que o colorido vira cinza
novamente, escorrendo viscoso entre as coxas, quando as roupas estavam
amontoadas no canto do quarto e as cuecas já pelos joelhos e ao seu lado (ou
sobre ele, ou embaixo dele) havia outro corpo em igual situação. Como num
estalar de dedos, a magia se desfazia e ele era chamado à responsabilidade por seus
equívocos. Porém, era hábil em sair pela porta dos fundos da lucidez. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Era impossível criar vínculos,
embora fosse mais fácil isentar-se de responsabilidades em relação aos outros.
Quando se tem pouca idade esses relacionamentos prêt-à-porter são mais fáceis.
É mais fácil protocolarmente olhar, gostar, saciar-se e dispensar. É mais fácil
erguer-se da cama, vestir-se e ir embora, sem dramas, sem passado e sem futuro.
É mais fácil esquecer. Debruçar-se sobre si mesmo era insuportável para ele.
Porém, os pensamentos e as sensações relacionadas a esses pensamentos não
cessavam, enquanto olhava fixamente bem dentro de seus grandes e assustados
olhos escuros refletidos no pequeno espelho do banheiro. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Como supostamente acontece com
pessoas à beira da morte, ele viu sua vida toda passar como num filme <i>noir</i> diante de si. Relembrou dos
inúmeros relacionamentos fugazes e fortuitos que teve ao longo da vida, dos
tantos corpos que já partilharam de sua mais profunda intimidade e que ao mesmo
tempo não partilharam intimidade alguma, porque ele sempre conseguiu
esconder-se atrás de seus personagens e sempre conseguiu entrar e sair das
vidas sem qualquer remorso ou culpa. Na grande tela que se abria em sua mente
via desfilarem os mais variados tipos que já estiveram sob seus lençóis e percebia
que em suas relações havia um padrão funesto de repetição, mudavam os atores,
mas a trama era a mesma: trocas de olhares, umas frases de efeito soltas e
certo charme superficial para seduzir, alguns toques sem carinho, carícias
frias, suspiros torpes, espasmos fracos e a saída silenciosa sem olhar para
trás. O resto era apenas vazio. Não havia nada antes e a regra era não haver
nada depois. Era seguro assim. Riscos ele nunca quis correr. Não esses de ordem
afetiva ou sentimental. Corria outros, talvez piores. E era doloroso perceber isso
da forma como percebia naquele momento, parado e desprotegido em frente ao
espelho. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Embora errático, tornara-se menos
inconsequente com o passar dos anos. Havia ficado mais seletivo, mais exigente
e mais emocionalmente incompetente também. Incompetente para uma porção de
coisas que foram simples e claras, provavelmente porque irrefletidas e porque a
juventude traz consigo um sabor um tanto soberbo de saber-se onde, quando e
quem. Isso confere grande dose coragem e capacidades de enfrentamento, ao ponto
dos sujeitos acreditarem que são capazes de tudo. Ou quase. Talvez seja por
isso que realmente consigam, porque não tem consciência de suas limitações. A
maior condenação para aquele homem em frente ao espelho era essa: ele era
consciente de suas incapacidades. Para ele não eram mais permitidos esses
pequenos luxos e não lhe era mais concedido o direito de não saber. Havia sido
expulso para sempre do paraíso por haver mordido a maçã proibida do
conhecimento. E com essa nova realidade lhe foi imputada toda a carga de ser
adulto, o que ele havia tentado negar a vida toda. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Entrara numa espiral de fumaça,
vertiginosa e sem volta. Algo incerto e profundo estava acontecendo. Tivera um
sonho na noite anterior. Acordara suado e sobressaltado. Nesse sonho, um homem
elegante, alto, trajando um terno de linho branco e um chapéu panamá, pele
morena, barba clara, olhos de um azul celestial e cabelos cacheados suavemente
caídos sobre a nuca conduzia-o pela mão por um túnel. O homem mostrava-lhe o
futuro em imagens holográficas gigantescas e alertava para os perigos das
armadilhas que ele mesmo criou. Mesmo em sonhos ele era cético. Há tempos
perdera a ingenuidade em relação ao seu destino e desaprendera essas coisas
simples e cotidianas, como crer no desconhecido, acreditar em sonhos sem
explicação psicanalítica, rogar aos deuses antes de dormir, ancorar seu anjo,
prostrar-se frente a um altar, ou mesmo aos pés da cama, à noite, vestindo pijama
de flanela xadrez, e oferecer seu corpo, sua alma e sua oração a um Deus. E
vivera bem dessa forma. Até passar dos quarenta anos e após uma noite mal
dormida sentir-se um miserável em frente ao espelho. Pensou em ajoelhar-se e
rezar, pensou em preparar um banho com sal grosso e sete ervas, pensou em
calmantes, pensou em ligar para seu analista. Mas tudo seria em vão. Sua mente
era povoada pela lembrança do homem do sonho dizendo, com ar profético e hálito
fresco de anis, palavras que ele não conseguia assimilar porque se detivera nos
sapatos reluzentes de bicos finos que usava. Não eram dele ainda as palavras do
homem de grandes e brilhantes olhos azuis da noite anterior. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A imagem mais marcante que surgia
era a de uma ampulheta colossal no fim do grande túnel de hologramas, cuja
areia esgotando grão a grão chegava perto do fim. A sensação de proximidade do
fim trazia um caótico encadeamento de imagens dissociadas: o ponteiro lento dos
segundos do relógio na parede da repartição cinzenta onde passava oito
angustiantes horas de seus dias, o relógio de corda de seu avô tiquetaqueando
em seu pulso no ritmo de seu coração arfante, o relógio cuco na parede, herança
de sua avó, esganiçado avisando a hora avançada, as doze badaladas do relógio
de pêndulo sinistro no canto do grande salão com vitrais iguais aos da Catedral
de Notre Dame, seu rosto cansado em frente ao espelho, a garrafa de gim quase
vazia da noite anterior, a voz de Piazzolla ainda retumbando na vitrola
desligada <i>“¡Loco! ¡Loco! ¡Loco! / Como un
acróbata demente saltaré, / sobre el abismo de tu escote hasta sentir / que enloquecí tu corazón de libertad”</i>.
Ressaca existencial como se tivesse bebido tantas doses de tantas vidas
diferentes que seu organismo entrou em colapso catártico. <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O homem do sonho dizia-lhe,
olhando-o profundamente nos olhos, que havia pedido ao “Juiz” que seu tempo
fosse dilatado, mas que ele havia desperdiçado sua vida e que talvez ninguém
pudesse salvá-lo. O homem fazia as terríveis revelações caminhando ao redor
dele, com os braços cruzados para trás, enigmático, sereno e luminoso como a
lua. De repente ambos estavam caminhando lado a lado por uma avenida
movimentada, em meio aos carros e pessoas apressadas. Ele estava descalço e sem
camisa e parecia que não era visto por ninguém. Enquanto isso, o homem
continuava a fazer-lhe revelações, mas ele não conseguia ouvir por causa do
barulho dos carros e máquinas. Sabia somente que ele dizia que seu tempo era
curto e que ele tinha que operar mudanças radicais. Assustado e atordoado, ele
olhou para o céu, buscando fôlego e quando se voltou para o lado, não viu mais
o homem. Ele estava sozinho e perdido em uma avenida movimentada qualquer de
uma cidade que desconhecia e que poderia ser qualquer lugar. Nada o ajudava a
identificar onde estava. As pessoas eram todas iguais, não conseguia ver rosto
algum, os carros rasgavam velozes a avenida, via as fachadas dos prédios, mas
não conseguia identificar nada nitidamente. Olhou para o chão e percebeu seus pés brancos
nus contra o asfalto, subiu os olhos e viu sua pernas nuas, seu tórax nu, seu
sexo descoberto. Mas não sentiu vergonha ou frio, apenas desamparo. Tentava
gritar, pedir ajuda, porém sua voz não saia da garganta. Desesperado começou a
correr entre as pessoas que iam e vinham e pareciam não ver ou não se
importarem com o homem nu que corria. Foi nesse momento que acordou.<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Suado, sobressaltado e sentindo a
presença do homem do sonho, com seu cheiro incensado e hálito fresco, sentou-se
na cama. Foi então que levantou, bebeu alguns goles de gim que restaram no
fundo da garrafa e tentou recobrar o fôlego em frente ao espelho, apoiando-se
na pia. Sua vida passava como um filme do qual ele não participara. Lembrou-se
de sua infância. Fechou os olhos e espirou profundamente três vezes. Quando
tornou a abri-los percebeu que sua infância era algo longínquo e inatingível,
da mesma forma que seu futuro. Quanto mais olhava para si, mais percebia o
quanto era tarde. Sabia que precisava agir, que não era mais possível ficar
inerte e lamentar. E sabia que a decisão precisava ser tomada naquele momento,
naquele minúsculo e úmido cubículo azulejado, daquela imagem amargurada
refletida no espelho. Foi então que decidiu: a partir daquele dia, retiraria da
casa para sempre qualquer objeto que refletisse sua imagem. E num soco repleto
de toda raiva e pavor que sentia quebrou o pequeno espelho que tinha diante de
si. </b></span><o:p></o:p></div>
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