Já nos preparativos para ir ao cinema eu tive uma sensação quase doída
de saudade, só de pensar em revisitar uma fase da minha vida que foi de grandes
descobertas e transformações profundas. Sou nostálgico, isso não é segredo. Revisitei
minha adolescência. Voltei a ter treze ou catorze anos. Adolescer é complicado.
A gente está sempre à flor da pele - bem, eu continuo -, tudo afeta muito mais,
tudo acontece mais rápido, tudo na vida são urgências e precariedades. A
verdade é que crescer dói. E depois que o turbilhão de emoções passa, quando
olhamos para trás e vemos de longe o que vivemos, às vezes reminiscências vem à
consciência.
Quando o filme Somos Tão Jovens
entrou em cartaz eu já estava predisposto a cultuá-lo e pensava nos sentimentos
que seriam despertados em mim durante a exibição, ensaiando como conseguiria
engolir o choro ao revisitar meu passado despertado pelas músicas e imagens de
um de meus heróis mortos. Minha vida toda é cadenciada por trilhas sonoras
específicas. Na adolescência isso era mais forte. Sempre foi na música, na
literatura e no cinema que busquei refúgio e compreensão do mundo e de mim
mesmo. E fui fã (in) condicional e ardoroso de Legião Urbana desde oitenta e
bem poucos, quando eu ainda era guri de cara lisa e voz desengonçada. Supunha que
o filme seria uma apoteose de imagens e sons, que seria recheado com as músicas
da banda, quase um songbook ou um
documentário. E ensaiava a dissimulação da catarse que teria quando os créditos
subissem e as luzes do cinema acendessem. Acho que esperei demais. Ou fui invadido
por outra coisa, por um sentimento inesperado, no limite entre a frustração e o
desapontamento.

Fontoura e Bernstein mostram um Renato mais Junior que Russo. Isso é
bonito e às vezes quase consegue ser poético, mesmo forçando um pouco a barra.
Eles nos apresentam um jovem que também era afetado pelas dores do mundo, que
também tinha uma adolescência permeada por sofrimentos, alegrias, descobertas,
frustrações e pelas limitações que o mundo impunha. Um adolescente comum que
falava a linguagem de sua geração.
O filme é um intermezzo entre a formação intelectual e musical solitária
de Renato nos anos 1970 e o fenômeno que foi a banda Legião Urbana entre as
décadas de 1980 e 1990. Da mesma forma que o recorte escolhido pelo diretor não
foi o que fez mais justiça à trajetória, nem de Renato Russo e tampouco da
banda, as atuações dos principais atores foram medianas, pautadas por diálogos
artificiais, em especial as expressões construídas a partir das músicas
compostas por Russo. Sandra Corveloni (Linha de Passe) e Marcos Breda (Sargento
Garcia e For All) são os pais de Renato. Suas atuações não merecem maiores
comentários além do registro de não serem mais que bastante superficiais. Faltou
entrosamento e familiaridade com a história. O próprio Thiago Mendonça parece
demorar mais da metade do filme para encontrar o ponto certo do personagem,
embora acerte nos trejeitos em alguns momentos e até consiga arranhar o timbre
de Renato quando canta ao vivo. Porém, somente demonstra alguma veracidade mais
orgânica ao lembrar vagamente Renato Russo com a barba e os óculos de grau
característicos do cantor em tomadas em planos bem abertos. De resto, o filme é
arrastado e demora a encontrar o tom. A primeira metade do filme é uma
introdução arrastada para algo que não chega a acontecer na metade final.
A banda Legião Urbana foi um marco na cultura musical do país. Foi um
dos principais expoentes do rock brasileiro dos anos 1980. Isso tem uma carga
enorme. Mas a proposta, pelo menos ao que parece, era contar o início da
carreira de Renato e até o surgimento da Legião Urbana e não a trajetória da
banda ou uma biografia detalhada do cantor. A impressão que fica é que haverá
uma continuação do filme. Quem sabe não vira uma trilogia do tipo Crepúsculo?
Acho meio herético, but okay. A bem da
verdade, faltaram elementos, faltou profundidade, faltou paixão. Sobrou
superficialidade, atuações que ficaram como promessas e uma história que ao
final nos deixa com a sensação de que algo se perdeu no caminho ou não foi dito
por preguiça dos realizadores. A impressão é que foi retratada uma vida
observada pelo buraco da fechadura. Faltou amplitude.

Sua voz ecoou fundo em minha geração continuou ecoando nas gerações
posteriores. Essa face de Renato permeia sua obra, sua poesia e nos faz
relembrar que mesmo que nossos rostos mostrem as marcas do tempo e das batalhas
nem sempre vencidas, somos jovens e ainda é cedo, cedo, cedo. Há nesse filme claramente
a escolha de não se explorar as tragédias pessoais de Renato, como sua morte
prematura, vitimizado pela AIDS em 1996, ou sua homossexualidade, que é tratada
com sutileza e delicadeza. Respeitoso e honesto com a memória do cantor, que em
raras oportunidades expôs na mídia sua vida íntima, o filme não traz novidades
ao grande público, mas não faz sensacionalismos baratos. E por isso, exatamente
por isso, o filme já vale a pena ser assistido.