Tem
um dia da semana que é o meu predileto. É o dia em que as salas de cinema tem
promoção de meia entrada. É meu dia de cinema barato em Wonderland. Nesse dia, chego cedo para conseguir
comprar ingressos e para não enfrentar muitas filas. Nestas terras longínquas
ao sul do equador as pessoas cultivam filas como entes queridos. Às vezes,
porém, sou surpreendido.
Cheguei
na hora do início da sessão. Imaginava ter que enfrentar uma multidão. Enganei-me.
Não havia fila. Nem ao menos a moça da bilheteria estava em seu posto. Tampouco
a moça da pipoca ou a que recebe os bilhetes controla a entrada dos espectadores.
Aliás, nesse caso, a da pipoca e a da porta eram a mesma pessoa. Além de ser essa
mesma moça quem higienizava os sanitários, como ela mesma comentou. Sinais da
crise? A sala de exibição estava completamente vazia. As duas funcionárias do
cinema, cujas funções eram acumuladas, não pareciam estranhar o fato de estar
acontecendo uma sessão praticamente particular, o que me leva a crer que é um
fato corriqueiro. O fato de o filme não cair no gosto do público brasileiro não
me espanta. Não existe uma política de formação de público por estas paragens.
Os espectadores aqui não são talhados para esse tipo de produção porque o ritmo
diferente do blockbuster americano é
estranho ao olhar.
De
Coração Aberto (À Coeur Ouvert) é uma
produção franco-argentina e conta com a participação da musa francesa Juliette
Binoche (Mila) e do venezuelano Edgar Ramírez (Javier) nos papéis principais. Binoche,
que já participou dos pungentes Os Amantes da Ponte Neuf (1991), A Liberdade é
Azul (1993), do aclamado O Paciente Inglês (1996) e do interessantíssimo Cópia
Fiel (2010), fica apagada nesta produção. Reconhecidamente uma das grandes
atrizes francesas da atualidade, parece que nos últimos anos ela não tem feito
boas escolhas. Ramírez, por sua vez, talvez esteja no auge da carreira. Somente
em 2012 participou de três produções: A Hora Mais Escura, Fúria de Titãs 2 e De
Coração Aberto. Desses assisti somente o último, confesso. O roteiro e a
direção ficam a cargo de Marion Laine. Este é o segundo longa da diretora, que
também assina a direção do sensível e intimista Un Coeur Simple, de 2008, baseado na obra do escritor francês
Gustave Flaubert.
À Coeur Ouvert é um filme interessante. A trama é repleta de símbolos
possui vários pontos atrativos. Javier e Mila formam um casal de cirurgiões
cardíacos apaixonados, independentes, alternativos, descolados e bem longe do
padrão dos casais convencionais. São parceiros na vida e no trabalho. Ele é um
latino que conseguiu reconhecimento na Europa. Ela é francesa. Ele é competente
e alcoólatra. Ela é talentosa e uma ameaça profissional a ele. Vivendo juntos
há dez anos, são surpreendidos por uma gravidez inesperada, o que melindra a
relação e traz à tona medos e angústias individuais de ambos. E isso é mostrado
quase de forma explicativa logo nas primeiras cenas do filme. Daí em diante,
existe pouca – ou quase nenhuma – surpresa.
O
esvaziamento das salas nas exibições desse filme deveria ser um sinal. Já havia
lido que a produção foi um fracasso de bilheteria em seu país de origem, mas
não via isso como um sintoma. Porém, após a exibição saí da sala com a sensação
de que os atores estavam um tanto descompassados com a atmosfera do filme e
entre si, o que me dispersou e me fez olhar o relógio várias vezes. Em alguns
momentos a narrativa é arrastada e há dissintonia entre discurso e ação. Com a falta de uma boa direção, os
protagonistas ficaram sem um balizador do tom de suas atuações. Binoche estava
um tom abaixo e Ramirez um tom acima. A delicadeza quase etérea dela e a
voracidade hercúlea dele em uma narrativa, que ao que parece aspirava ser
naturalista, ficaram negativamente acentuadas e desconexas. Ao invés de serem
exploradas as chagas de corações abertos em uma relação em crise, parece que
foi realizada, de forma febril e inconseqüente, a crônica de um amor louco que
beirava a histeria.
Nessa
geléia de enganos de uma narrativa repleta de obviedades e truculências, os
diálogos superficiais e monótonos não chegaram sequer a ser um rascunho do que
talvez fosse a ideia do filme. Existem tentativas de instigar o espectador com
metáforas e simbologias artificiais, como a relação bem óbvia da profissão de
ambos com o título do filme e com a ideia de corações partidos e a casa onde
eles vivem, que se deteriora à medida que a relação se transforma. Mesmo que eu
não esperasse a redenção do amor, ou tivesse criado qualquer expectativa com relação
aos destinos da trama, parece-me que desfecho foi abrupto, como uma necessidade
premente de encerramento porque os recursos – financeiros e narrativos - escassearam.
Ademais, a atmosfera realista e naturalista da trama se dilui em um final
alegoricamente fantástico repleto de artificialidades.
Apesar
de algumas virtudes do roteiro e do talento dos protagonistas, o filme se perde
em superficialidades e falhas de direção. É um filme que não é mais que
tangente. Tangencia os temas centrais, tangencia a profundidade da relação dos
protagonistas, tangencia as simbologias que aponta ao longo da narrativa. Mesmo
com uma boa fotografia, que se percebe pelo cuidado com alguns detalhes de luz
e textura, o filme tem algumas quebras que tiram a atenção do espectador de
forma inevitável. Talvez tenha faltado traquejo à Marion Laine. Faltou jeito e
um olhar mais sensível na direção dos atores, na condução das tomadas, na
montagem (que às vezes é bem sofrível). No fim da sessão entendi os motivos do
fracasso. E embora não justifique a sala onde assisti ao filme estar vazia - porque
os motivos aqui no Brasil são outros - faz sentido uma sessão praticamente vazia.
É lastimável porque o filme tinha tudo para dar certo. Porém, o pulso de Laine
foi frouxo. Espero que ela tenha mais sorte (e lucidez) na próxima investida.
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