sexta-feira, 9 de abril de 2010

(IN)FINITO


“Espero as flores se abrirem como se a gente soubesse que o amor nunca vai ter fim”
(Monique Kessous - “Com Essa Cor”)


O sol se punha lentamente na linha turqueza do horizonte. Deitados lado a lado sobre a areia branquinha da praia deserta, em algum lugar qualquer do mundo, olhando para o céu muito claro e sentindo a brisa leve que soprava do mar, imersos em uma serenidade profunda, sabiam que o tempo de ambos acabaria, que todas as experiências - boas ou ruins – passariam um dia, que eles próprios passariam e deixariam de existir um para o outro, fosse objetiva ou subjetivamente, assim como terminaria aquele fim de semana escondidos numa cabana simples, sem luz elétrica, sem água quente, de paredes de barro, janelas quebradas que repousavam sobre um mar cristalino e brando, coberta de palha com frestas que refletiam os raios de sol sobre a cama improvisada no chão que os abrigava durante a noite.

A precariedade do lugar que escolheram para se despirem do mundo exterior era superada pelo fascínio e alegria de estarem juntos, porque conseguiram abandonar suas vidas, mesmo que temporariamente, deixando permanecer somente o que era mais essencial, simples e verdadeiro. Isolados de tudo, exploraram cada milésimo e cada milímetro dequeles fugazes momentos de felicidade construída com dificuldades e compartilhada com generosidade sob a luz fugidia do fim da tarde.

Com uma aguda e insistente dor no peito - predominante em ambos - porque sabiam do fim inexorável, desejavam que aquele momento durasse para toda a vida. Eram demasiado humanos e bem no fundo desejavam, como todo humano, a eternidade. E essa era a fonte do sofrimento que carregavam. Antecipavam temores tentando antever um futuro incerto. De um lado rondava o fantasma do desejo de infinitude, da sede pelo que não tinham; de outro pairava o fantasma da própria finitude, do inevitável e indesejável fim. Em última instância, eram todos sofrimentos com a mesma origem: medo. Um medo primitivo, um pouco covarde e egoísta, mas extremamente humano.

Percebiam que o mundo onde viviam era de ilusões, de formas enganosas e de sentimentos catárticos. Conseguiam, pelo conhecimento que tinham acumulado ao longo da vida, encontrar formas de se livrarem das sombras e de viverem, mesmo precariamente, a não-ilusão, fosse em conexão com o universo, sentados em postura de meditação, alinhando seus chakras e expandindo suas consciências, fosse em longas e furtivas noites entre cigarros e conhaque de alcatrão.Tinham um longo e dificílimo caminho a percorrer. Porque sabiam que o amor que sentiam era demasiado terreno e material, por mais etéreo e sublime que fosse. E por mais que tentassem elevar seus pensamentos, submergiam em desejos ávidos.

Possuirem uma compreensão mais ampliada da realidade e saberem que tudo era finito os tornava diferentes dos demais. Mais duros, mais secos, sem grandes ilusões de eternidades e infinitudes, porém, mais reais e mais livres. Não tinham as grandes ilusões românticas de viverem juntos para sempre, de terem um amor que superasse tudo, até mesmo a morte. Desejavam-se com fúria visceral, mas desejavam-se aqui e agora, como se fosse eterno no momento presente.

Eram finitos e determinados, mas tinham ilimitadas possibilidades futuras. E com isso podiam voar, usando a imaginação, para onde seus corações quisessem. E sabiam que a finitude, assim como a infinitude, é também uma grande ilusão. Compreendiam que viviam em grandes ou pequenos ciclos de felicidades e tristezas. Isso dava a eles uma dimensão maior de suas realidades interiores.

Eram cúmplices na mágica paralisação do tempo que promoviam quando seus olhares se cruzavam, suas mãos espalmadas se tocavam e seus corpos se uniam sobre a areia da praia, quando podiam ouvir seus corações batendo descompassados, misturados ao som do vento e das ondas, atravessados pelos sussurros de ansiedade e juras de pertencimento mútuo. Tinham a mágica capacidade de congelar as horas, quando seus lábios se tocavam e seus pensamentos viajavam por lugares inimagináveis. Mesmo se a realidade implacável mostrasse no relógio o tempo esvaído, podiam, abraçados, voar para longe, dentro um do outro e de si mesmos.

Os minutos transcorreram, transformando-se em horas, que viraram dias, semanas e meses. E eles queriam que os meses virassem anos, muitos anos. Vividos minuto após minuto, como se o instante seguinte pudesse não chegar. Até o dia em que realmente não chegasse.

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