“Lembro quando você me
falou,
dentro do armário,
só tem bolor e
naftalina.
Vem já pra fora, meu
bem,
que só aqui é que tem,
calor e adrenalina.”
(Zeca
Baleiro – Armário)
“Sair do armário” é um termo com o qual ainda estamos
nos familiarizando. Mesmo quem não sabe exatamente o que significa, já ouviu o
termo em alguma roda de conversa e tem uma ideia, mesmo vaga, do significado. Trocando
em miúdos, a saída do armário é a decisão de indivíduos, que desenvolvem
relacionamentos homoafetivos, de assumir publicamente suas inclinações amorosas.
A origem do termo é um tanto controversa. Em uma versão irreverente - que eu
particularmente acho engraçada, sendo verdadeira ou não - compara o “Coming Out” ("sair para fora")
de indivíduos homossexuais ou bissexuais com um Baile de Debutantes, ou seja,
uma espécie de apresentação desses sujeitos à sociedade. O termo “coming out” teve a palavra “closet” agregada posteriormente, segundo
consta por volta dos anos 60,
a partir do levante de Stonewall, em Nova Iorque , numa
alusão à vida no armário como uma vida de negação, sombras, sigilo e segredos escamoteados.
Então, sair do armário é sair das sombras, é deixar a escuridão e assumir
publicamente “a dor e a delícia de ser o
que é”, como cantaria nosso bom Caetano.
Nos
últimos dias esse tema tem povoado ainda mais nosso imaginário coletivo e as timelines de nossas redes sociais. Nem
sempre de forma positiva, às vezes de forma indigna, vez ou outra em tom um
tanto desrespeitoso e jocoso, em vários momentos de forma incoerente,
preconceituosa e até mesmo leviana. Mas se há democracia, é necessário que haja
esse espaço para o debate, para posturas corretas e distorcidas e para a
manifestação livre de pensamentos. Percebo que o tema surge como uma atitude de
revolta e repúdio às posturas totalitárias, principalmente de religiosos fundamentalistas.
Ao que parece, “o amor que não ousa dizer
o nome”, termo que o escritor Oscar Wilde utilizava para referir-se à sua
homossexualidade, está mostrando sua cara, em reação a uma minoria que se diz
representante de uma maioria. E desconfio que essa “maioria” não foi consultada se queria ser representada por esse seleto
grupo. Eu, pelo menos, não fui. Você foi?
Não
se faz política apenas em movimentos sociais organizados ou ocupando cargos
públicos. Tampouco apenas em redes sociais. Fazemos política a todo momento, da
hora de acordar até a hora de dormir, desde os atos mais simples, como o de escovar
os dentes todas as manhãs ou o “sagrado pingado com média” em pé no balcão do
boteco da esquina. Militamos socialmente com o porteiro do prédio, com o
motorista do ônibus, com a atendente da farmácia, com o pai, com a mãe, com o
irmão, com o namorado ou a namorada. E até mesmo sozinhos em nossos quartos, no
escuro, às três da manhã, enquanto pensamos nas mancadas que damos na vida.
Em
uma entrevista dada ao jornal O Estado, Daniela Mercury diz o seguinte, sobre sua
recente união homoafetiva: "Ou se
assume o ônus de quebrar padrões ou você vive numa posição de
discriminado." Esta frase é de uma profundidade enorme. O ato de dizer
ao mundo sobre sua orientação sexual é, para muitos, libertador e revolucionário.
Mas qual é a real necessidade de falar ao mundo sobre por quem nossos sinos dobram? Simples. Porque é uma forma de fincar
a estaca no chão e delimitar nosso espaço, nosso lugar no mundo. Porque é um
ato político. No entanto, mais que mostrarmos quem somos, é uma forma de
mostrarmos a que viemos.
Ouvi
pessoas criticando essa superexposição de algumas figuras públicas em relação a
algo que é estritamente de foro íntimo. A quem interessa saber dos sentimentos mais
ternos e particulares que dispensamos aos demais? Quem quer saber, em última
instância, com quem nos deitamos? Que necessidade é essa que homossexuais ou
bissexuais tem de declarar ao mundo suas afeições que heterossexuais não
possuem? Essas foram perguntas que eu também me fiz. E arrisco uma resposta.
Não interessa a ninguém a quem destinamos nosso amor, ninguém tem que saber
quem é o fiel depositário dos nossos sonhos e desejos. E digo que não, não é
exclusiva de homossexuais a necessidade de falar publicamente sobre seus
sentimentos. É uma necessidade humana. Mas tem um tom contestador (ou
subversivo) quando um homossexual vem a público falar sobre sua intimidade. Subverte
a ordem porque choca ver quebrado o modelo de amor que povoa nossa imaginação.
Alguns ficam, no mínimo, estarrecidos ao imaginar que não existe somente o
modelo “Papai e Mamãe”, “João e Maria”, “Adão e Eva”. Como essas pessoas, que
tem suas convicções abaladas, vão sobreviver à existência afetiva - e como estrutura familiar - de “Adão e Ivo”?
Pensado
como ato político, “sair do armário”
não é somente uma decisão de liberdade individual, é também um direito social. Mais
que falar sobre sexualidade, é dizer que sujeitos políticos nós somos. Ao externarmos
publicamente o que pensamos, expondo nossos sentimentos mais íntimos, sejam
eles quais forem, definimos nosso lugar no mundo. E isso é um ato importante na
nossa construção como indivíduos.
Ações
afirmativas surgem de uma demanda originada pela suposta maioria hegemônica
heterossexual, que normatiza conceitos, posturas e sentimentos, que estabelece
o que é certo e o que é errado. Principalmente proíbe veementemente o exercício
daquilo que ela própria definiu como errado. E não é uma imposição, não é uma
“ditadura” (gay), como muitos bradam com tochas em riste, querer defender o
direito a não viver conforme uma norma estabelecida por terceiros sobre algo
que é absolutamente íntimo e particular. Por isso é importante que o oprimido
mostre sua cara e use sua voz. Por isso é importante que existam grupos
organizados para defender esses interesses. Porque é imprescindível dizer que
amor não tem credo, amor não tem gênero, amor não tem cor. O amor está em todos
nós e é um direito nosso exercê-lo como manda o coração. Como diria Drummond, “Amor foge a dicionários / E a regulamentos
vários”.
Precisamos
sair do armário. Não para assumirmos publicamente nossa sexualidade. Para muito
mais que isso. Para assumirmos quem somos em essência, “assumir o ônus” de declararmos quem somos em profundidade, para
lutarmos por dignidade e por nossos direitos mais fundamentais como humanos,
para gritarmos em uníssono por aqueles que não conseguem gritar, para
estendermos a mão àqueles que são iguais a nós. E àqueles que são diferentes de
nós também.
Em
tempos de Felicianos e corjas de inquisidores moralistas, covardes e hipócritas,
é necessário cada um faça seu “outing”
e juntos brademos que somos evangélicos, católicos, umbandistas, budistas,
negros, brancos, pardos, índios, homens, mulheres, gays, bissexuais,
heterossexuais, transgêneros, jovens e velhos. Porque somente sabendo e
assumindo quem somos, poderemos escolher conscientemente quem nos representa.
se vc abrir a gaiola de um p[assaro ele pode demorar a aprender a voar sozinho, talves, tenha que esperar suas asas crescerem por terem sido podadas por uma sociedade desajustada a qual ele mesmo pertence e deposita seus ideais...mas se vc insistir em deixa-lo livre a escolhar entre partir e ficar, com certeza ele escolher[a partir, pois, [e preciso ....seu cora;'ao ser[a domindado por tamanha for;a e coragem que seu antigo espa;o se tornar[a pequeno para alimentar tanta ansiedade, tantos sonhos , tanta vontade....tanta curiosidade...sua alma j[a n'ao suportaria permanecer sem exercer sua capacidade criativa ...e assim, abrindo suas asas para uma nova realidade passa a co criar com todo o universo....adad aisha
ResponderExcluirObrigado pelas palavras tão bonitas, Aisha! Abraço fraterno.
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