The Good Boy, by Edén Ochoa Iniesta
Para Mac, que queria ter alegria. Eis aqui o ápice.
"Acho que deve-se
insistir na permanência de tudo aquilo que desafia Cronos, o deus-Tempo cruel,
devorador dos próprios filhos."
(ABREU, Caio Fernando: “Caio 3D - O Essencial da Década de
1970”, p. 17)
Je ne suis pas fâché1, eu bradaria a quem pudesse
interessar, soltando a fumaça do cigarro para o alto como uma furiosa locomotiva
a vapor. Mas é mentira. Arrependo-me sim de muitas coisas. Principalmente
quando tomo alguma decisão importante sem muita certeza, quase sempre logo após
tomar alguma dose alcoólica. Tenho cada vez menos certezas sobre tudo. Uma das
dúvidas que mais me corrói a alma é saber a hora de encerrar um ciclo, de
parar, de dizer “basta”. Quando a gente sabe que o amor, o namoro, o casamento,
a amizade íntima ou a transa fixa com ou sem compromisso chegou ao fim? Será
que sabemos, a tempo de manter um resquício que seja de dignidade, que chegamos
ao fim da linha? Será que, quando acontece, sabemos que é realmente o game over? Não tenho muitas convicções. Aliás, não tenho convicção alguma. Talvez o
momento da certeza só chegue com o tempo, com a experiência e depois de muitas
surras. Ou nunca chegue. E se essas minhas íntimas - agora nem tanto - suspeitas
forem reais, estou perdido.
Tendo a não dar o braço a torcer. Sou turrão, além de
egomaníaco e vaidoso. Acho que posso dar um jeito em quase qualquer coisa, porque
sou cheio de ginga e de malícia, e que tenho solução para tudo, de unha
encravada (dos outros) a coração partido (o meu), sem recorrer a ocultismos. Triste ingenuidade. Ou pior: sem reconhecer
que sou soberbo, o que muitas vezes me custa, vago por aí, cego como Édipo,
perdido em devaneios apaixonados ou desiludidos, condenado a não encontrar o
caminho certo de volta a Tebas. Enfim, sou medíocre. Bebendo na fonte dos
gregos, sou obrigado a admitir que sou enganado por meus sentidos. Povoam-me e
constituem-me surtos incontroláveis de pessimismo e rompantes desvairados de
otimismo, o que turva a visão e impede de ver a situação com distanciamento,
sobriedade e certa frieza. Minhas emoções estão constantemente à flor da pele e
meus pensamentos normalmente num fluxo contrário. E não, não sou transtornado,
creio com fé.
Reconheço que relações afetivas são grandes potências de
incertezas e insatisfações. Principalmente se os envolvidos já têm uma
pré-disposição à neurastenia. Insatisfações, por si sós, não são
necessariamente prejudiciais. É quando estamos insatisfeitos que tentamos ser
melhores, analisamos o que nos deixa desgostosos e buscamos a satisfação. A
velha fuga da dor associada à nossa tendência à atualização. Justamente por
esses motivos que vejo que não reconheço a hora certa de partir da vida de
alguém, quando não sou mais bem-vindo ou quando a outra pessoa não é mais
bem-vinda em meu mundo. No fundo, sou um homem de algumas vírgulas, um ou outro
ponto-e-vírgula e principalmente muitas reticências - o cubo hiperbólico e às
vezes angustiante do ponto -, mas dificilmente de pontos finais.
O fato é que não sei abortar projetos facilmente. E você
estranha o termo “projetos” que usei, correto? Justifico. Eu acredito que um
relacionamento é um projeto. Quase sempre um projeto de vida. Não tão rígido,
não tão fixo, nem eterno e indissolúvel, mas um projeto compartilhado, fluido, construído
a quatro mãos, dois corações, duas cabeças e dois sexos, que podem ser iguais
ou não. Depositamos o que temos de melhor no outro, apostamos todas as fichas,
ou pelo menos as mais altas, na história esperando que ela cresça, fiquei
bonita, nos dê prazer só de ver, como a mais premiável das orquídeas ou a filha
que ganhou o concurso de Mini Miss na escola. Queremos que dê prazer ao parceiro
ou à parceira, logicamente, caso contrário não há sentido. E queremos, lá no
fundo e por vaidade, causar inveja nos demais. E quem diz que não espera, no
mínimo, a admiração do respeitável público porque tem a relação que todos no
mundo gostariam de ter, mente com vileza. Deixemos de tentar parecer monjas
castas e puras! Um orgulhozinho por sermos admirados é sempre bom sentir. Com
comedimento, obrigado.
Comedimento. Pensando agora nessa palavra tão redonda, fofa e
felpuda, que parece que vai saltar da boca e sair quicando pelo chão, vejo que
é um pouco isso que me falta. Eu não sou comedido. Acho que já admiti isso
várias vezes, aqui mesmo neste espaço para devaneios e pensamentos fragmentados.
Repito-me. Sou excessivo. E se não disse diretamente, qualquer leitura mais
atenta revela minha característica (prova cabal de que realmente não sou
comedido). Sou hiperbólico. Pronto, falei.
O que angustia em viver a dois - e sozinho também - é que a
vida não é como um simulador 6D de voo. Se movimentarmos errado o manche e a
aeronave desestabilizar e cair no Triângulo das Bermudas no trajeto para Paris,
apertamos o botão de pausa e suspendemos a simulação. Na vida real, ficaremos eternamente
perdidos no meio dos destroços e sem qualquer pista para localização. A caixa
preta se perderá para sempre e seremos apenas estatísticas e uma notinha no
noticiário das 20h. A vida, madrasta que é, não oferece simuladores de
relacionamentos afetivos para treinarmos antes de vivermos para valer. Ela nos
obriga a colocarmos a cara na rua, na maioria das vezes para ser esmurrada à
moda Rocky Balboa. Parece que é necessário “ser”, o que acontece somente no
duelo final e depois de muito treinamento, para somente então conseguirmos “ter”
o cinturão desejado. Isso me leva a pensar que talvez existam coisas que não
são para todo mundo. Principalmente do jeito que queremos. Isso não significa que
quem não lutou e não apanhou na cara não mereça satisfação como ser amante e
amado.
E se o momento da certeza nunca chegar, o que fazer? Como
viver? Para onde correr? Não quero ser fatalista, embora essa seja minha
natureza, porém não vejo para onde correr. A água está subindo até os joelhos
no subsolo do navio e as escotilhas estão travadas. Enchemos os pulmões de ar, soltamos
o corpo e tentamos boiar. Ah, você não sabe nadar? Sorte que sempre existem
cursos de férias que ensinam algumas técnicas em poucas lições. Não nos tornamos
nadadores olímpicos, contudo não morremos afogados. Relaxemos na bubuia.
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1 Eu não me arrependo
Antes de qualquer coisa preciso dizer que concordo plenamente com a tua análise da palavra comedimento. Perfeito! Quanto ao texto, me fez fazer um balanço, ponderar importâncias, agradecer pelo trajeto e admitir que estás completamente correto com relação a vaidade, me identifiquei em muuuita coisa, não sei se vale p todo mundo, mas acho que p boa parte das pessoas. Adorei.
ResponderExcluirObrigado pelos comentários, Fran. Adorei!!! Beijão!
ResponderExcluirUm texto sempre instigante!! Vivo e vibrante. Uma frase de Rubem Alves: "Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos." Bj
ResponderExcluirQuerido amigo Luc Benitez. Como sempre surpreendente nos teus textos. Dificilmente alguém não se identificar e literalmente adentrar na história, uma verdadeira viagem aos sentimentos bem como você diz "pentimentos" kkk. É notório sua capacidade do discernimento entre a realidade e o fictício. O que me chamou atenção em seu texto foi a palavra - comedido - e lanço uma retórica (kkkk). É necessário sermos comedidos sim, mas até que ponto isso nos ajudará? Tem momentos em que mesmo comedidos de algo, corremos riscos durante a vida inteira. Se tentamos ser comedidos, penso que temos medos de arriscar para o "tudo ou nada". Aqui fica meu comentário simples e singelo. OBS: Quero ler um texto seu com conteúdo alegre também. Abração.
ResponderExcluirObrigado pelos comentários, amigo!
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