sexta-feira, 1 de março de 2013

HOCUS POCUS: E UM AMOR NOVINHO SALTA DO CHAPÉU DE UM LOUCO!



“Antes de declarar sua preferência por alguém, espera-se que você venha a conhecê-la gradualmente e por meio de palavras; não devemos cair de amores (ou de tesão) à primeira vista.”
(Alain de Botton: “Como Pensar Mais Sobre Sexo”. Ed. Objetiva. Pág. 42)

Com a citação de Allain de Botton já começo este texto de forma um tanto amarga. Saliento, entretanto, que amargura pode ser boa. Vide um espesso, aromático e forte café preto. Cafés assim devem ser sorvidos com parcimônia, permitindo que seu sabor inunde cada papila. E sem açúcar. Adoçar um café de qualidade deveria ser crime passível de proibição perpétua de bebê-lo por profanar seu Santo Corpo Negro. Ou ainda a referência a um “bom veneno”, que como canta Nina Becker, “é amargo e os melhores vêm em pequenos frascos”. A amargura nos alerta sobre os perigos do mundo, objetivos ou não. Temos instintivamente a noção primitiva de que o que é amargo é nocivo e pode nos matar e o que é doce é benéfico e nos nutrirá. Diabéticos, porém, são o exemplo de que venenos podem ser doces também.

Não quero falar sobre amarguras. Na verdade quero sim. Mas vou falar das doces amarguras. Ou das doçuras amargas. Quero falar das doces e amargas ilusões que perdemos e nunca mais encontramos. E vagamos erráticos desde então, querendo recobrar nossa insanidade infantil e ingênua primordial. A busca de Parsifal pelo Santo Graal perde!

É confortável viver iludido. A gente vive melhor. As ilusões nos mantêm vivos e esperançosos. São elas que alicerçam as religiões, os casamentos, as instituições familiares e as sociedades corporativas. Sem ilusão, o mundo talvez fosse um caos completo. A vida que chamamos de real – mesmo sem saber se é porque não sabemos mais o que não é real – é mais dura. E mais amarga, obviamente. Por mais tentados a iludir-nos que vivamos, sempre sopra aquela voz no ouvido (esquizofrenia?) dizendo que não adianta fechar os olhos porque o sonho morreu. But I have a dream, embora meu sonho seja mais egoísta que o de Luther King.


Percebo, andando pelas ruas e principalmente pelos bares da vida, que as pessoas andam ávidas, cansadas e impacientes. Desejosas de algo que nem sabem o que é porque nunca viveram. Todos nós temos a ilusão midiática e mercantil de Amor, assim mesmo com letra maiúscula, e buscamos essa satisfação imediatamente. O Amor é algo intangível tratado como produto, é um bem que esperamos encontrar nas prateleiras de lojas de departamentos ou sites de compras (leia-se sites de relacionamentos). Não vemos o outro, vemos através dele nossa própria imagem refletida em suas pupilas. Bem Narciso. O outro não passa da possibilidade de ser o puzzle encaixado na lacuna que temos em nossas existências. Ele não precisa existir de verdade, basta não reclamar de ficar encaixado no espaço diminuto que destinado a ele, mesmo que ele seja um octógono enfiado em um triângulo. E isso é urgente. Tem que ser agora. Porque qualquer um pode ser potencialmente “o grande amor para a vida toda da semana”.


O “Grande amor” foi submetido à outra lógica nestes tempos difíceis para sonhadores. Antes era envolto em uma aura de perenidade e constância. E era uma quimera, convenhamos, mas isso é outro assunto. Agora, o amor eterno dura vinte e quatro horas e durante esse período é para sempre. Tudo é chama. Nada é imortal, portanto. Mas há a obrigatoriedade, velada e tácita, de ser infinito enquanto dure. Será uma maldição de Vinícius de Morais para as gerações futuras? Se comparado com o passado, amar hoje é menos ilusório. Mas gera muito mais frustração. Amor de fast food neurotiza o coração. E se o sujeito choramingar reclamando, tudo desmorona. Assim: CLIC! Libertamo-nos de amarras sociais e vivemos um amor tão livre, mas tão livre, que se tornou soberbo, arbitrário, intransigente e intolerante com tudo que é diferente de si. Egomaníacos, queremos um duplo de nós mesmos. Buscamos neuroticamente alguma coisa que nos falta. Queremos vestir uma calça tamanho 36 quando nossa cintura é 42. E tem que caber! Duela a quien duela. E tem que ser perfeito e incrível no espaço de um estalar de dedos. Ou somos todos condenados à escuridão e ao ostracismo eternos.

Sistematicamente, incautos vendedores de ilusões batem à porta oferecendo-nos, envoltas em tecidos brilhantes, promessas de felicidade eterna. Com elas chegam-nos certificados de satisfação garantida ou devolução de nosso tempo perdido. Eles aparecem meio Vanessa da Mata, cantando ao pé do ouvido: “Se você quiser eu vou te dar um amor desses de cinema”. Faz parte da mise-en-scène do canastrão caricato. E volta e meia caímos nessas teias. Por mais desconfiados e desencantados que estejamos, uma mentira almofadada bem vivida pode ser melhor que a realidade fria de mármore. Pelo menos precária e provisoriamente. Saída pela esquerda, Leão da Montanha. Bons encontros spinozianos são bem-vindos. Bons orgasmos freudianos - se que é existem - são necessários. Bons passatempos para dias chuvosos, para tardes sonolentas, para noites friorentas. Para ir ao cinema, para jantar fora vez ou outra. Para satisfazer necessidades físicas e psicológicas, objetivas e subjetivas. Não há mal algum na precariedade, desde que honesta.

Entretanto, até aquilo que é provisório, precário, ilusório e fronteiriço tem que ser maturado. Existe certo ritmo e determinado rito que lhe são próprios. Como um vinho precisa de tempo para chegar ao ponto ideal, uma boa refeição demanda de rituais e tempo precisos para ser apurada, uma relação fast também precisa. E não é porque é “fast relationship” que devemos quebrar todas as regras sociais (?) que dão sabor a ela. O fato é que, assim como para um bom apreciador de gastronomia macarrão instantâneo não tem vez, para um bom amante, amor instantâneo é miojo. Se café instantâneo não satisfaz o paladar de um bom barista, não vai ser uma paixão instantânea que vai satisfazer o coração. Contudo, a título de exercício livre da ludicidade, ser iludido conscientemente, tendo um olho a pestanejar e outro que agita, pode dar uma cor a dias nublados.


Ilusionista que se preze, engana-nos e aplaudimos, entusiasmados com o frio na barriga que sentimos. E parafraseando Caio F. Abreu, digo: que nem seja assim tão doce! Não importa. Desde que seja intenso sem medida certa, no tempo que for necessário, sem toque exato, mas que ainda assim seja um tiro certeiro. Doce ou amargo, tanto faz, mas autêntico e honesto. Que não seja febril e histérico, mas que seja lúcido. E que não queira nos fazer parecer um hambúrguer do McDonald’s no Drive Thru em dia de McLanche Feliz. 


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