“Antes
de declarar sua preferência por alguém, espera-se que você venha a conhecê-la
gradualmente e por meio de palavras; não devemos cair de amores (ou de tesão) à
primeira vista.”
(Alain de Botton: “Como Pensar Mais
Sobre Sexo”. Ed. Objetiva. Pág. 42)
Com a citação de Allain de
Botton já começo este texto de forma um tanto amarga. Saliento, entretanto, que
amargura pode ser boa. Vide um espesso, aromático e forte café preto. Cafés
assim devem ser sorvidos com parcimônia, permitindo que seu sabor inunde cada
papila. E sem açúcar. Adoçar um café de qualidade deveria ser crime passível de
proibição perpétua de bebê-lo por profanar seu Santo Corpo Negro. Ou ainda a
referência a um “bom veneno”, que como canta Nina Becker, “é amargo e os melhores vêm em pequenos frascos”. A amargura nos
alerta sobre os perigos do mundo, objetivos ou não. Temos instintivamente a
noção primitiva de que o que é amargo é nocivo e pode nos matar e o que é doce
é benéfico e nos nutrirá. Diabéticos, porém, são o exemplo de que venenos podem
ser doces também.
Não quero falar sobre
amarguras. Na verdade quero sim. Mas vou falar das doces amarguras. Ou das
doçuras amargas. Quero falar das doces e amargas ilusões que perdemos e nunca
mais encontramos. E vagamos erráticos desde então, querendo recobrar nossa
insanidade infantil e ingênua primordial. A busca de Parsifal pelo Santo Graal
perde!
É confortável viver
iludido. A gente vive melhor. As ilusões nos mantêm vivos e esperançosos. São
elas que alicerçam as religiões, os casamentos, as instituições familiares e as
sociedades corporativas. Sem ilusão, o mundo talvez fosse um caos completo. A
vida que chamamos de real – mesmo sem saber se é porque não sabemos mais o que
não é real – é mais dura. E mais amarga, obviamente. Por mais tentados a
iludir-nos que vivamos, sempre sopra aquela voz no ouvido (esquizofrenia?)
dizendo que não adianta fechar os olhos porque o sonho morreu. But I have a dream, embora meu sonho seja
mais egoísta que o de Luther King.
Percebo, andando pelas ruas
e principalmente pelos bares da vida, que as pessoas andam ávidas, cansadas e
impacientes. Desejosas de algo que nem sabem o que é porque nunca viveram.
Todos nós temos a ilusão midiática e mercantil de Amor, assim mesmo com letra maiúscula, e buscamos essa satisfação
imediatamente. O Amor é algo intangível tratado como produto, é um bem que
esperamos encontrar nas prateleiras de lojas de departamentos ou sites de
compras (leia-se sites de relacionamentos). Não vemos o outro, vemos através
dele nossa própria imagem refletida em suas pupilas. Bem Narciso. O outro não
passa da possibilidade de ser o puzzle
encaixado na lacuna que temos em nossas existências. Ele não precisa existir de
verdade, basta não reclamar de ficar encaixado no espaço diminuto que destinado
a ele, mesmo que ele seja um octógono enfiado em um triângulo. E isso é
urgente. Tem que ser agora. Porque qualquer um pode ser potencialmente “o
grande amor para a vida toda da semana”.
O “Grande amor” foi
submetido à outra lógica nestes tempos difíceis para sonhadores. Antes era
envolto em uma aura de perenidade e constância. E era uma quimera, convenhamos,
mas isso é outro assunto. Agora, o amor eterno dura vinte e quatro horas e
durante esse período é para sempre. Tudo é chama. Nada é imortal, portanto. Mas
há a obrigatoriedade, velada e tácita, de ser infinito enquanto dure. Será uma
maldição de Vinícius de Morais para as gerações futuras? Se comparado com o
passado, amar hoje é menos ilusório. Mas gera muito mais frustração. Amor de fast food neurotiza o coração. E se o
sujeito choramingar reclamando, tudo desmorona. Assim: CLIC! Libertamo-nos de amarras sociais e vivemos um amor tão livre,
mas tão livre, que se tornou soberbo, arbitrário, intransigente e intolerante
com tudo que é diferente de si. Egomaníacos, queremos um duplo de nós mesmos.
Buscamos neuroticamente alguma coisa que nos falta. Queremos vestir uma calça
tamanho 36 quando nossa cintura é 42. E tem que caber! Duela a quien duela. E tem que ser perfeito e incrível no espaço de
um estalar de dedos. Ou somos todos condenados à escuridão e ao ostracismo
eternos.
Sistematicamente, incautos
vendedores de ilusões batem à porta oferecendo-nos, envoltas em tecidos
brilhantes, promessas de felicidade eterna. Com elas chegam-nos certificados de
satisfação garantida ou devolução de nosso tempo perdido. Eles aparecem meio
Vanessa da Mata, cantando ao pé do ouvido: “Se
você quiser eu vou te dar um amor desses de cinema”. Faz parte da mise-en-scène do canastrão caricato. E volta e meia caímos nessas teias. Por mais desconfiados e
desencantados que estejamos, uma mentira almofadada bem vivida pode ser melhor
que a realidade fria de mármore. Pelo menos precária e provisoriamente. Saída pela esquerda, Leão da Montanha.
Bons encontros spinozianos são bem-vindos. Bons orgasmos freudianos - se que é
existem - são necessários. Bons passatempos para dias chuvosos, para tardes
sonolentas, para noites friorentas. Para ir ao cinema, para jantar fora vez ou
outra. Para satisfazer necessidades físicas e psicológicas, objetivas e
subjetivas. Não há mal algum na precariedade, desde que honesta.
Entretanto, até aquilo que
é provisório, precário, ilusório e fronteiriço tem que ser maturado. Existe
certo ritmo e determinado rito que lhe são próprios. Como um vinho precisa de
tempo para chegar ao ponto ideal, uma boa refeição demanda de rituais e tempo
precisos para ser apurada, uma relação fast
também precisa. E não é porque é “fast
relationship” que devemos quebrar todas as regras sociais (?) que dão sabor
a ela. O fato é que, assim como para um bom apreciador de gastronomia macarrão instantâneo
não tem vez, para um bom amante, amor instantâneo é miojo. Se café instantâneo
não satisfaz o paladar de um bom barista, não vai ser uma paixão instantânea
que vai satisfazer o coração. Contudo, a título de exercício livre da
ludicidade, ser iludido conscientemente, tendo um olho a pestanejar e outro que
agita, pode dar uma cor a dias nublados.
Ilusionista que se preze,
engana-nos e aplaudimos, entusiasmados com o frio na barriga que sentimos. E
parafraseando Caio F. Abreu, digo: que nem
seja assim tão doce! Não importa. Desde que seja intenso sem medida certa, no
tempo que for necessário, sem toque exato, mas que ainda assim seja um tiro
certeiro. Doce ou amargo, tanto faz, mas autêntico e honesto. Que não seja
febril e histérico, mas que seja lúcido. E que não queira nos fazer parecer um
hambúrguer do McDonald’s no Drive Thru em dia de McLanche Feliz.
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