Hoje é dia de render
homenagens. Pululam flores, mensagens, frases de efeito que enaltecem a condição
feminina. O problema é que, para muitos(as?), é somente hoje. E eu queria
apenas que isso não fosse necessário.
Hoje
cedo fui interpelado por uma moça, uma conhecida, no elevador. Ela me perguntou
o que eu faria para homenageá-la. Perguntou, à queima-roupa, o que eu daria de
presente a ela. Não entendi. Era muito cedo e eu ainda estava sonolento, “operava por instrumentos”, sem óculos
de sol, sem fone de ouvido e sem café preto na veia. Perguntei se era seu
aniversário. E ela lascou que obviamente não, mas que hoje é o dia dela, porque
é o Dia Internacional da Mulher. Não me contive e respondi: “Acho que eu mereço
flores. Meu lado feminino clama por homenagens no dia de hoje. Graças a vocês, me
tornei Pagu. Um beijo.” Se fosse possível comandar a trilha sonora do elevador
naquela hora, eu colocaria, ao invés do tradicional Kenny G, Caetano cantando “Super-Homem (A Canção)”. Porque o que
eu queria dizer a ela é justamente isso: Que minha porção mulher que até então
se resguardara é a porção melhor que trago em mim agora.
Tenho
certo ranço dessas datas que lembram as lutas das “minorias”. Dia internacional da mulher, Dia da Consciência Negra, Dia
do Orgulho Gay, Dia do Índio. Acho tudo meio alegórico e quase folclórico.
Compreendo que são movimentos que objetivam maior visibilidade e servem como um
grito de grupos oprimidos, não necessariamente minoritários. Servem para criar
um espaço de reflexão e crítica, para lembrarmos eventos violentos e dolorosos,
para essas marcas que carregamos na memória não sejam apagadas e principalmente
para que as situações do passado não se repitam. Porque todos temos lutas
diárias, todos matamos um leão por dia para conquistarmos nosso espaço. Mas
fico incomodado com essa necessidade feroz de bramir quem somos e a que viemos.
Acho humilhante ter que me agregar aos meus pares e gritar em coro para ser
respeitado pelo que sou. Acho doloroso ser considerado minoria. Acho triste ser
oprimido por outra minoria mais forte que quer solapar minha condição, seja ela
qual for.
Sei
que tenho uma visão um tanto romântica e idealista da vida. Sei que é ilusão
pensar que um dia nada disso será necessário. No meu mundo ideal, todo dia é
dia de todo mundo. E a gente vive junto e a gente se dá bem, como cantaria Lulu
Santos. Entretanto, no elevador hoje cedo, fui trazido à realidade pela moça
que queria ser reconhecida em sua condição primordial. Tive vontade de
perguntar: “Mas afinal, o que você fez para merecer esse presente que
reivindica?” Mal sabe ela que eu a reconheço e a valorizo todos dias, não
somente hoje. Ela não tem ideia do que as gerações anteriores à sua precisaram
fazer, neste mesmo dia 08 de março, para que ela pudesse pedir presentes
descuidadamente no elevador. Mal sabe essa pobre moça, que a data de hoje talvez
não tenha despertado nela um sentimento de valorização de si mesma pelo que
realmente é.
Se
o mecanismo social é de pregar a igualdade, não é estabelecendo diferenças que
seremos iguais. Saliento que não acho que devemos ser tratados como iguais, mas
devemos ser respeitados em nossas idiossincrasias. Igualdade é tratar o semelhante
como semelhante em suas particularidades e o dessemelhante como dessemelhante
em suas peculiaridades. Mas semelhantes e dessemelhantes não são outra coisa
senão o mesmo barro. Eu me construo, o outro me constrói, eu construo o outro,
o outro constrói a si mesmo. Explico: Não sou mulher e objetivamente nunca
serei. Mas bem no fundo, tem coisas femininas com as quais me identifico. E me
torno mais mulher a cada dia. Aprendi a, femininamente, me sensibilizar com o é
digno e me dessensibilizar com o que é descartável. As mulheres que lêem este
texto agora, se lançarem um olhar apurado sobre si mesmas, tenho certeza que
também identificarão traços masculinos. E nem por isso serão homens.
Não acredito, sinceramente, que valoriza e enaltece a
condição feminina, castrada desde sempre, definirmos papéis. Não é porque somos
mulheres que merecemos ser reverenciadas, tampouco porque somos homens que
devemos reverenciar. Não é estabelecendo a diferença entre “coisas de mulher”, e “coisas
de homens” que seremos tratados com o respeito que merecemos. Não nascemos
homens ou mulheres, mas nos tornamos. E é por isso que hoje rendo homenagens a
todas as mulheres que me fizeram ser um pouco mulher. Então,
meninas, hoje é também meu dia. Vamos trocar flores?
Luciano querido! Belíssimo texto. Sou avesso aos dias especias. Dia 8, lá pelo meio da manhã, minha mulher perguntou:"Que dia é hoje?" Eu respondi normalmente, porque tenho certeza q ela não estava esperando homenagens. Ela sabe q conquistou um espaço de respeito diário. Sabe q nos tornamos homens e mulheres. Apenas isso. Meu lado feminino está tranquilo. Um beijo especial, Pagu!
ResponderExcluirCaro Anônimo, muito obrigado pelos comentários e pela atenção. E que celebremos todos os dias! Abração
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