“Estamos acostumados que esclareçam todos os mistérios, que nos expliquem todos os pequenos segredos escondidos. Me recuso a aceitar. O mistério faz parte da vida.”
(Trecho do filme "Canções de Amor")
Sinto saudades dos tempos de adolescente, quando os sofrimentos duravam uma semanal ou um dia, ou o tempo de ouvir uma música triste, fosse qual fosse, que dizia tudo o que eu sentia naquele momento. Algo que me traduzisse e desse sentido ao mundo que estava começando a conhecer. Então eu sofria como um cão, chorava abafado no travesseiro até exaurir a dor, secava as lágrimas e ia, errático, viver da melhor maneira que conseguia, tateando no escuro em busca de luz.
Crescer é perder essa capacidade de sonhar corajosamente. Os sofrimentos da adultez duram mais tempo, são sentidos mais intensamente, calam muito mais fundo na alma, deixam marcas para sempre, mas são sentidos com mais verdade. Mesmo que sejam causados pelas mesmas ilusões adolescentes, pelos mesmos sonhos desfeitos e pelas mesmas negações. Provavelmente porque quando somos adolescentes não tememos o perigo. Porque não tivemos experiências que nos fazem, na vida adulta, puxar o freio de mão. Ser adolescente é não temer as conseqüências. A adultez nos deixa caretas e medrosos porque já passamos por essas coisas e repeti-las, ad infinitum, como no mito grego do ser original cindido e renegado a viver eternamente buscando a parte que falta, nos causa medo. Porque queremos ser como os seres originários, em última instância, queremos ser fortes e destronar Zeus, porque queremos ascender ao Olimpo sem máculas, sem mágoas, sem sofrimentos, puros e perfeitos.
“Ama-me menos, mas ama-me por muito tempo”. Esta frase encerra o filme Canções de Amor (“Les Chansons D’Amour”, 2007). E bateu como um soco no meu frágil estômago vazio. O filme desperta essa sensação adolescente e valente de acreditar no amor, na vida, no inesperado devir que é viver. O filme é escrito e dirigido pelo aclamado cineasta francês Christophe Honoré (o mesmo de Ma Mère, Dans Paris e o mais recente Non, Ma Fille, Tu N’iras Pas Danser) e conta com atuações honestas e convincentes de Louis Garrel (Os Sonhadores), Ludivine Sagnier (Paris, Eu Te amo) e Clotilde Hesme (A Bela Junie).
Trata-se de um musical delicioso, onde a atmosfera romântica de Paris é também melancólica e triste. As canções compostas por Alex Beaupain encaixam-se perfeitamente na trama e criam um vínculo com o espectador, como se a cada acorde entrássemos na alma dos personagens, sentindo suas angústias e sua solidão. As canções funcionam como uma espécie de desvelamento dos sentimentos ocultos dos personagens. Da mesma forma Honoré trabalha a fotografia do filme com maestria e sensibilidade, por exemplo, quando retrata a morte em preto e branco com belíssimas imagens congeladas, ou quando transforma a Paris das Luzes em cenário de juras de amor ou absoluta e fria solidão e desespero.
A obra é dividida em três atos: A Partida, A Ausência e O Recomeço. E trata com singeleza e profundidade temas como morte, ausência e as diversas manifestações da sexualidade humana. Mostra com delicadeza absurda as diversas nuances do amor, as várias formas de sofrer uma perda, as diversas manifestações do ciúme, as nossas inseguranças cotidianas, nossas expectativas, as cobranças em relação ao mundo, ao outro e a nós mesmos, a eterna busca por sentido e a incessante necessidade de recomeçar tudo do zero (ou juntar os cacos que restam e seguir em frente).
O filme é primoroso. O amor e sua falta é, primordialmente, o que move os personagens na trama. Com fortes influências da nouvelle vague (o diretor rende várias homenagens a Jean-Luc Godard e François Truffault) é um deleite para o espectador. É absolutamente impossível terminar de ver o filme não acreditando no recomeço.
Assisti ao filme em uma noite chuvosa e fria. Dolorosamente ausente. Necessariamente solitária. Mas livre e despreocupada com os desígnios do universo para mim. Bem nouvelle vague. Aquelas noites que de tão escuras e sombrias chegam a ser reconfortantes. Depois de ver o filme caminhei pelas ruas desertas desta cidade estranha ao meu mundo, com um guarda-chuva colorido emprestado em riste em uma mão e meu cigarro, fiel companheiro dessas horas, na outra, pensando na vida, absorto ainda nos efeitos do filme. Ouvia as batidas descompassadas do meu coração e os pingos grossos da chuva sobre o guarda-chuva. Desviava das poças d´água, dos galhos e das folhas molhadas no chão. E pensava no quanto é bom amar livremente, sem amarras, sem prisões. E sentia que esse é o amor de verdade e esse é o amor que tenho para oferecer. Sei que sou utópico e que escrevo ainda sob o efeito letárgico do filme que acabei de assistir. Mas sou assim mesmo, utopicamente cafona. E queria dividir esse sentimento, utopicamente. Queria oferecer o que sinto, partilhar, mesmo que por telefone, o que estava passando pelo meu coração naquele momento. Mas encontrei somente a secretária eletrônica pela frente.
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