segunda-feira, 24 de maio de 2010

SODADE


"Si bô 'screvê' me
'M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me
'M ta 'squecê be
Até dia
Qui bô voltà”
                       - Cesaria Evora - "Sodade" -


É clichê, eu sei, mas é lá vai...Saudade só existe na língua portuguesa. E somente nós, herdeiros do legado lusitano, trazemos viva no peito essa melancolia lírica. Como canta Chico, “todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo”. É fato.

Como se explica a saudade? Como se traduz? Acho que ninguém consegue. Sinceramente, eu não sei. Somente sinto. E percebo que estou, a cada dia mais, condenado a sentí-la com mais intensidade. Tenho saudades incontáveis e incomensuráveis. Já é público que sou desmedido e que meio chorão. Só me resta assumir. Não posso fugir da minha natureza última.

Não importa onde eu esteja nem para onde vá, sempre sinto saudades de algo que deixei. E tendo a ficar com os olhos marejados na hora da despedida, entre acenos, revistas e maçãs na plataforma. Hoje, quando em minha nova morada, sinto saudades das pessoas que amo, deixadas para trás em idos tempos e longínquos pagos. Quando regresso do estrangeiro, “forasteiro do que vejo e ouço”, ao melhor estilo Pessoa de sentir o mundo, sinto saudades da nova vida que começo a construir. Sinto saudades dos rostos, dos cheiros dos lugares, do calor de algumas pessoas, dos sorrisos e até mesmo das ausências consentidas.

Um belo dia resolvi mudar. Arrumei a mala e abandonei um mundo bem quentinho e confortável para explorar outras paragens. Era preciso navegar. Já escrevi aqui sobre isso. E quem diria, quando retorno ao “velho mundo” que deixei, mesmo que por pouco tempo, sinto saudades do que deixo aqui no “novo mundo”.

Sentir saudade não é de todo ruim, vejo agora. E não falo isso devido à minha veia portuguesa e minha inclinação ao dramalhão. Digo porque às vezes, na distância, reconhecemos o outro e o confirmamos. Estranhamente, sinto-me mais próximo das pessoas que amo quando estou longe delas. E regresso com mais gana de revê-las. Me reconforta arrumar a mala e reencontrá-las. Da mesma forma, é reconfortante voltar para casa, “trazendo na mala bastante saudade”, assim meio Elba Ramalho (também sou um cafona assumido), e saber que vou encontrar alguém que me espera na na hora do desembarque. Saber que serei recebido com carinho pelo retorno, no porto seguro que tento construir diariamente, e mesmo que precariamente, saciarei momentaneamente a saudade que trago indelével no peito.

Hoje arrumo a mala num misto de alegria e tristeza. Aliás, quase tudo na vida é um misto desses sentimentos (sim, aqui está claro meu tombo pelo drama lusitano). Isto porque a primeira regra que aprendemos no mundo dos adultos é que não se pode ter tudo e que escolher um caminho implica, necessariamente, em abrir mão de todos os possíveis demais. De quebra, com o peso da responsabilidade pelas nossas escolhas erradas e com a incerteza de termos feito a melhor escolha. Nunca sabemos se estamos no caminho certo ou não, afinal não estamos na outra estrada para saber o que ela reserva. Isso que torna a vida tão fascinante e ao mesmo tempo angustiante.

Por falar em angústias cotidianas, lasco mais um clichê e fico por aqui. Lembro sempre da música Serra do Luar, de Leila Pinheiro, nas horas em que me bate a velha angústia existencial metafísica alemã schopenhaueriana: “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.

Mais uma vez a mala está arrumada, encostada ao lado na porta. E o coração mais apertado.

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