“O nascimento de um homem é o nascimento de sua dor. Quanto mais ele vive, mais estúpido se torna, porque sua ansiedade para evitar a morte inevitável torna-se mais e mais aguda. Que amargura! Ele vive por aquilo que está sempre fora do seu alcance! Sua sede de sobreviver no futuro faz com seja incapaz de viver no presente.” (Chuang-Tsu)
Por que é tão difícil praticarmos a liberdade de pensar e sentir? Passamos a vida tentando realizar sonhos, concretizando planos e cumprindo metas. Somos impelidos a desejar coisas, como se fosse uma maldição não termos desejos materiais. Quando crianças, temos todo um aparato de regras impostas pelos adultos que moldam e condicionam, que selam nosso destino. Já na vida adulta, temos que ter um amor maior que tudo, fiel, devotado, subserviente, apenas para começar. Daqueles de novela. Casamos, constituímos uma família, temos filhos, construímos um lar, conquistamos uma posição social. Desejamos, então, uma casa maior, férias, a troca do carro, planejamos o futuro dos nossos filhos, programamos nossa aposentadoria. Reproduzimos o condicionamento determinado desde a infância. Estamos sempre tentando estabelecer uma ordem para o cosmos. Porque somente assim o mundo fará sentido. Não penso que não devemos ter sonhos ou seguir regras, sejam elas quais forem. Mas devemos pensar sobre o que realmente nos fará felizes. O que em nossas buscas diárias é realmente nosso e o que é, de certa forma, imposto ou determinado pelo outro. Nossos sofrimentos orbitam a eterna busca pelo que não temos. Queremos carros do ano, casas de praia, amores eternos, paixões avassaladoras, orgasmos infinitos, o emprego dos sonhos.
Paralelo ao sofrimento gerado pelo desejo do não conquistado, temos o sofrimento pela manutenção do que precariamente conquistamos, como se toda fonte de nossa virtude e felicidade estivesse nesses bens acumulados. Fomos condenados por Zeus a desejar eternamente, na nossa incompletude essencial, e quando conquistamos imediatamente desejamos outras coisas ou mais das coisas conquistadas, num ciclo que nunca finda.
Não sou contra o acúmulo de bens, pelo contrário, e compreendo que esses bens acumulados são a representação de nosso virtuosismo em conquistar num certo sentido. Vivemos como cavaleiros medievais em uma cruzada de consumo, como se em cada bem encontrássemos a nós mesmos. O que acho tristemente sintomático é que nos distanciamos das coisas mais verdadeiras, dos sentimentos mais profundos. Esquecemos de olhar para dentro de nós mesmos para descobrirmos quem realmente somos. Não olhamos para o sofrimento alheio, não tentamos diminuir em nada a dor do outro, queremos apenas diminuir a nossa própria miséria, humana e primitiva. E não conseguimos.
Vivemos uma vida "das-oito-às-dezoito" e nos descuidamos de encontrar significados profundos para nossas existências. Preocupamo-nos com nossas necessidades e nossas mazelas. Absortos em nossos gritos, não ouvimos nossa própria voz.
Freneticamente tentamos manter nossa zona de conforto, manter nossas conquistas do passado e conquistar outras terras no futuro. Viver no futuro (ou no passado) é cômodo porque desviamos nossa atenção das nossas mazelas atuais. E como não há nada que possamos fazer no passado ou no futuro, nos conformamos com as impossibilidades.
Quando conseguimos contemplar a mutabilidade de todas as coisas, boas ou ruins, conseguimos gerar compaixão e ver todos os eventos com desprendimento. É a velha máxima dos nossos avós: “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe”. Se sei que o mal vai acabar, cedo ou tarde, encho meu coração de esperanças em um futuro melhor e trago essa esperança e a alegria de um futuro mais brando para suportar o sofrimento causado pelas ilusões do samsara. Por outro lado, se conseguimos compreender com profundidade que não há bem que dure para sempre, entendemos que precisamos agir com desapego porque não há nada que possamos fazer para evitar que as coisas boas terminem. Sofremos porque querermos que o mal acabe logo e sofremos porque não queremos que o bem acabe nunca.
Se você leu até aqui deve estar se perguntando: “Aonde ele quer chegar com essa conversa? Como vamos alcançar esse equilíbrio e essa dimensão da realidade?” Talvez o caminho seja a simplicidade. Nas coisas mais simples talvez esteja a chave, não é nos grandes feitos, nos grandes gestos, nos grandes gastos, mas nas cotidianidades. Perdemos tanto tempo tentando encontrar um grande sentido, uma grande sacada para que nossas vidas aqui se tornem menos medíocres, menos vazias, menos solitárias para somente então alcançarmos, finalmente, a compreensão de nossa existência nesta Terra, que não conseguimos ver o que está logo ali, após o que circunda nossos umbigos.
Precisamos guiar nossos sentidos para o encontro do Deus que vive em nós.
ResponderExcluirMarcio, pode ser Deus, mas pode ser outro o nome disso que vive em nós. Nominado ou não, o importante é que encontremos. E que seja doce.
ResponderExcluircotidianidades - é difícil encarar um algo a mais pra vida dentro disso! Parece que o que buscamos está ali mais adiante, está no outro, está no dia seguinte - porque nele sempre há a esperança! Pode estar onde Deus fica! Mas onde fica? Mesmo que seja em nós - eu queria que esse deus fosse mais simples! Lu! Creio que terminarei meus comentários sempre assim: que lindo! Mas que lindo vir aqui!
ResponderExcluirJozi, acredito que o que buscamos está dentro de nós. Mas é vendo nossa imagem refletida nos olhos do outro que fazemos sentido. Obrigado por partilhar comigo teus pensamentos e me oferecer dessa forma tão generosa teu carinho.
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