quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O MOMENTO DO ADEUS: SEQUÊNCIA FINAL


Seria mais romântico se o encontro fosse numa estação do metrô em Londres ou Nova York. Luvas, mantas e botas. Mas o provável cenário é um apartamento de quarto e sala em um grande condomínio qualquer em pleno verão dos trópicos. Assim ocorre a cena:

Fade in: Plano médio. Ambos sentados frente a frente, um em um sofá confortável, cercado almofadas, outro em uma cadeira de madeira antiga, com braços, com aspecto gasto e seco como tudo que os cercava, mas que ainda guardava um certo ar imponente. Olhares distantes, respiração alterada. Um leve vento sopra, balançando a cortina translúcida e o amuleto chinês - que dizem trazer sorte e boas energias - na janela, tilintando delicadamente. É noite alta e somente a luz de um abajour ilumina seus rostos cansados e sulcados do tempo e do sofrimento de estarem juntos ou separados. Seus olhares se encontram, furtivos. (Ouve-se piano lento, melancólico – “Evening In Atlantis”, Esbjörn Svensson Trio ou “In The Upper Room, Dance VII”, Philip Glass). Do plano médio dos perfiis de ambos, há um corte para o rosto do que está sentado na cadeira. O mais falante e inquieto, provavelmente. Visivelmente incomodado com o silêncio, pergunta ao outro, que supostamente acabara de chegar, o que o leva até aquele momento, enterrado naquele sofá entre almofadas velhas. Corte para um plano fechado no rosto do outro. Close up nos olhos negros e úmidos, de uma tristeza dilacerante. A respiração dele fica ofegante, sua voz falha. Tenta recompor-se. Titubeante, não diz nada. Estava selada a despedida.

Quanto mais tentavam falar, mais surdos e mudos se tornavam um ao outro. A incomunicação era tamanha que quando um abria a boca para ratificar o que o outro dizia, este se insurgia, corrigindo seu interlocutor. Mais que discutirem o conteúdo do que queriam expressar, ativeram-se à forma do que era dito e linguisticamete o que cada um dizia. A amargura que sentiam em seus corações e em suas bocas, misturada à incompreensão de cada um sobre os mistérios que envolviam o outro e a si próprios escorria pelas paredes da minúscula sala, brotava do chão e do teto, e os envolvia como um manto denso, leitoso, nauseante e doloroso.

Sentiam tanto medo de pronunciar palavras que dessem um ponto final a tudo o que haviam tentado em vão construir juntos que seus silêncios tornavam-se cada vez maiores. Não havia raiva, apenas desânimo e derrota. Embora não tivessem tanta certeza que havia chegado o fim, precisavam dizer que havia acabado de vez, que seus sonhos haviam naufragado num mar calmo e cristalino. Não teriam sequer a desculpa de um mar revolto cheio de monstros de mil tentáculos e calypsos. Por isso, por não haver raiva, mas uma dor profunda e mansa que fez morada, aos poucos, no peito de cada um, que não conseguiram crer no insólito que era ver que tudo o que quiseram construir havia virado um monte de destroços à deriva. Dizer adeus seria consolidar tacitamente que haviam sido incompetentes e suas infelicidades estariam, em última instância, confirmadas.

Talvez existisse, no fim, um sentimento terno e doce, que queriam guardar. Talvez não quisessem esgotar esse resquício de amor, ou seja lá o nome que quisessem dar a essa ternura profunda, para lutar para trazer à tona o restante do pouco de proa conseguiam avistar no mar tranquilo. Talvez cada um quisesse usar essa força que sentiam ainda pulsar como bote para que pudessem chegar à praia deserta mais próxima e salvarem a si próprios.

Fade out: Deitados de costas na areia, suspiram aliviados e olham, com o mesmo olhar perdido,  para o céu infinitamente azul, que encontrava o mar não menos azul, e pensam em dizer para si próprios, como uma prece, que mesmo exaustos ainda estão vivos. Embora absolutamente sozinhos. Abrem os olhos e nada mudou. Continuam na mesma sala, vendo um inseto chocar-se contra a lâmpada do abajour.

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